Cláudio Crespi, de 55 anos, morador de São Paulo, ainda se recupera no hospital depois de um coma e tem cerca de 10% da visão: 'Ganhei uma vida nova'. A crise provocada por bebidas adulteradas com metanol deixou cinco mortos no estado; outras seis estão em investigação.
Uma garrafa de vodca russa com 40% de teor alcoólico que era usada como decoração pela família havia 5 meses ajudou a salvar a vida de Cláudio Crespi, de 55 anos, um dos casos confirmados de intoxicação por metanol no estado de São Paulo.
Em 26 de setembro, o comerciante passou mal após beber vodca entre a cidade de São Paulo e Guarulhos. No dia seguinte, Cláudio piorou e precisou ser internado.
A advogada Camila Crespi, sobrinha do comerciante, lembra que ele foi levado às pressas para a UPA da Vila Maria, e uma médica apontou a suspeita de metanol no paciente, que foi entubado. O problema: o hospital não tinha o antídoto que combateria a intoxicação. A solução: Camila tinha, em casa.
“O hospital não tinha o antídoto. Eu fui buscar uma vodca em casa. Estava fechada. Eu e meu marido não bebemos, e a vodca russa estava em casa fechada e pronta para o meu tio usar. Na hora do desespero, a médica pediu um destilado e lembramos que tinha essa em casa”, conta Camila, que tinha ganhado a bebida de uma amiga.
Os médicos usaram a vodca, segundo a sobrinha, por cerca de quatro dias no ambiente controlado do hospital. “Ajudou a estabilizá-lo. A hemodiálise que fez a diferença”, pontua.
Cláudio ficou em estado grave, e a mãe chegou a se despedir do filho no leito. Em 2 de outubro, porém, ele acordou do coma e, depois de quatro dias, deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
A Secretaria Municipal da Saúde da cidade de São Paulo informou que, na ocasião, o Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) recomendou a administração de bebida alcoólica por sonda nasogástrica no paciente.
“Protocolo reconhecido e utilizado em situações emergenciais com bons resultados clínicos. O procedimento foi acompanhado por um familiar que também é médico. A administração do antídoto (o próprio etanol) deve ser realizada em um equipamento de saúde, para impedir que o corpo transforme o metanol em substâncias tóxicas”, afirmou a pasta, em nota.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/A/i/B9voBvSgmClBQ8wBBCxg/jn-passagem-potencia-verde-klj00165-potencia-verde0532-frame-472-1-.jpg)
O comerciante Cláudio Crespi, que foi intoxicado por metanol em bebida alcoólica — Foto: Arquivo pessoal
O antídoto
O médico hepatologista Rogério Alves, que atua no Hospital Beneficência Portuguesa e é membro da Sociedade Brasileira de Hepatologia explica que o metanol é um tipo de álcool tóxico. Depois de ingerido, no fígado, ele se transforma em formaldeído e ácido fórmico, que atacam o nervo óptico, podendo causar cegueira, e também o sistema nervoso, podendo levar à morte.
“Os principais antídotos são o fomepizol, que é o ideal, e o etanol, usado no hospital quando o fomepizol não está disponível. Também se usa hemodiálise e bicarbonato para eliminar o veneno e corrigir o sangue. O etanol bloqueia a enzima do fígado que transforma o metanol em veneno. Assim, o metanol é eliminado antes de causar dano”, explica Alves.
E faz um alerta: mesmo sendo o álcool presente em bebidas, o etanol também é tóxico, quando usado em excesso, e pode causar coma, lesão no fígado e hipoglicemia.
“Não dá para distinguir etanol e metanol. Eles têm cheiro e aparência iguais, por isso bebidas adulteradas com metanol são extremamente perigosas."
Mais de 2 mil doses de fomepizol chegaram na quinta-feira (9) ao centro de distribuição do Ministério da Saúde, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. Ao todo, o Ministério da Saúde comprou 2.500 doses com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
O fomepizol só pode ser usado sob acompanhamento médico, seguindo a norma técnica do Ministério da Saúde que determina: "o medicamento será prescrito para pacientes que chegarem aos serviços de saúde com sintomas clínicos depois intoxicação, que tenham ingerido destilados no intervalo entre 6 e 72h e que apresentarem alterações em dois exames laboratoriais".
'Ganhei uma vida nova'
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/x/4/g4mQlARZOOhNp25GvRiw/claudio.jpeg)
Cláudio Crespi antes da intoxicação em SP — Foto: Arquivo pessoal
Ainda internado no hospital municipal, o comerciante passa por um tratamento para tentar diminuir sequelas, como a visão, que foi afetada pela intoxicação. Ele também não se recorda totalmente sobre o início do problema nem o bar em que estava.
“Bebi uma dose e no sábado, na parte da manhã, eu fui para o hospital com uma dor de cabeça. Chegando lá falaram que eu estava com pneumonia. Eu só me lembro de três dias para cá”, contou Cláudio à TV Globo.
“Os meus sintomas agora: um pouco só de [dificuldade na] respiração e a visão, que eu tenho só 10%. Mas eu fiquei sem falar, sem andar. Fiquei debilitado totalmente. Não sei ainda o futuro. Eu sei que eu ganhei uma vida nova.”
Casos de metanol em SP
Subiu para 25 o número de casos confirmados de intoxicação por metanol no estado de São Paulo, segundo boletim divulgado na sexta-feira (10) pelo governo estadual. Ao todo, há 160 casos ainda em investigação e 189 já descartados.
A crise provocada por bebidas adulteradas com metanol já deixou cinco mortes confirmadas no estado. As vítimas são três homens, de 54, 46 e 45 anos, moradores da capital; uma mulher, de 30 anos, de São Bernardo do Campo; e um homem, de 23 anos, de Osasco.
Outras seis mortes estão em investigação — quatro na cidade de São Paulo, de pessoas com 33, 36, 50 e 51 anos, e duas em São Bernardo do Campo, de 49 e 58 anos.
O número de casos cresceu de forma constante ao longo da semana. Na segunda-feira (6), eram 15 confirmações e, nesta sexta, são 25.
Também aumentou o total de análises clínicas concluídas: 37 novos casos foram descartados apenas nas últimas 24 horas, somando 189 resultados negativos desde o início da investigação.
O governo do estado informou que o próximo balanço dos casos será divulgado na segunda-feira (13).
Investigação
A Polícia Civil de São Paulo localizou na sexta-feira (10), em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, a fábrica clandestina de onde teriam saído as garrafas de bebida alcoólica que causaram a morte de duas pessoas por intoxicação com metanol no estado.
Segundo a polícia, a suspeita é que a fábrica pirata comprava etanol em postos de combustível.
O etanol comprado pelos fabricantes estaria adulterado com metanol, substância tóxica que provocou os casos de intoxicação. Esse combustível era misturado a bebidas destiladas, como vodca.
Fonte: g1 SP