Erro de impressão em Bíblia, um mapa e o nascimento das fronteiras modernas


Falha em edição do século 16 influenciou a formação do conceito de território no mundo ocidental


Um estudo recente da University of Cambridge revela que um deslize de 500 anos atrás, a impressão invertida de um mapa da Terra Santa num exemplar da Bíblia, exerceu influência duradoura sobre a forma como o mundo ocidental passou a conceber território, nação e fronteiras políticas.


📚 O erro que virou marco cartográfico

Em 1525, o impressor Christopher Froschauer lançou, em Zurique, uma edição do Antigo Testamento que pela primeira vez incluía um mapa da Terra Santa, desenhado pelo artista renascentista Lucas Cranach, o Velho. 

Contudo, o mapa trazia um erro grave: o Mar Mediterrâneo estava representado no lado leste da Palestina, como se o mapa tivesse sido “virado de cabeça para baixo”. 

Apesar da inversão, o desconhecimento geral da geografia da região na Europa da época fez com que ninguém percebesse a falha. Mas o impacto foi enorme: a partir dali, a Bíblia, antes um volume predominantemente religioso e textual, ganhou uma dimensão cartográfica acessível à população, com limites e divisões visíveis. 



De fronteiras simbólicas a linhas políticas

Mapas medievais da Terra Santa já dividiam o território segundo as doze tribos de Israel, mas essas divisões tinham caráter simbólico ou espiritual, eram representações religiosas, não geopolíticas. 

Com a difusão da edição de 1525, e de edições subsequentes que seguiam esse padrão, essas linhas imaginárias passaram a ser vistas como divisões territoriais concretas. Em outras palavras: a morte de uma falha geográfica ajudou a legitimar a noção de limites fixos, soberania e território delimitado, bases da ideia moderna de Estado-nação. 

Segundo o pesquisador do estudo, o mapa invertido representa simultaneamente “um dos maiores fracassos e triunfos da história editorial”. Mesmo sendo tecnicamente equivocado, ajudou a transformar a percepção da geografia sagrada, e, com o tempo, da geografia política.

A propagação da mentalidade das fronteiras

Nos séculos seguintes, à medida que a alfabetização e o acesso a livros se expandiram, edições da Bíblia com mapas passaram a ser mais comuns. A transição de um livro exclusivamente religioso para um atlas ilustrado ajudou a consolidar a ideia de que os territórios deveriam ser divididos em áreas fixas, com fronteiras definidas. 

Por fim, o que começou como uma representação espiritual, a divisão das doze tribos de Israel, acabou influenciando profundamente a cartografia moderna, a formação dos Estados e a compreensão coletiva de território.




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