Empreendedores
do norte do Paraná desenvolveram um projeto de microestação sustentável para
tratamento de água em áreas agrícolas. Chamado Saneia, o projeto é um dos sete
integrantes do Programa Natureza Empreendera, da Fundação Grupo Boticário de
Proteção à Natureza, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae) do Paraná, que até 2023 vai implantar soluções para
problemas ambientais no litoral norte do estado, com o viés do
empreendedorismo.
O
Saneia é resultado de debates entre participantes de um dos sete grupos que
reuniram 35 empreendedores, dos 70 inscritos no programa, para a apresentação
de propostas que associassem renda com impacto social positivo no meio
ambiente, nos municípios de Antonina, Morretes, Paranaguá e Guaraqueçaba. “Os
35 se aglutinaram em sete grupos e cada um preparou protótipos de ideias e
negócios diferentes. Com o apoio dos consultores do Sebrae, as ideias se
transformaram em modelos de negócios, com definição de quanto seria a receita,
o público-alvo, o investimento necessário para sair do papel”, informou o
coordenador de Negócios e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de
Proteção à Natureza, Guilherme Karam, em entrevista à Agência Brasil.
“Para
chegar ao fim dos cinco anos com bons projetos rodando e ativos, a gente
precisaria fazer um programa inicial de ideação [geração de ideias] com foco em
modelos de negócio. A gente foi atrás de empreendedores nesses quatro
municípios, que gostariam de aliar desenvolvimento de um modelo de negócios
que, além de ser rentável, gere impacto positivo para a sociedade e para o meio
ambiente”, completou.
Criado
por cinco moradores da região, a ideia do Saneia é tratar o esgoto local e
poder reutilizar a água ou devolvê-la limpa para os rios. Para isso, o negócio
prevê o desenvolvimento do Sistema Mestre, que é uma microestação sustentável
de tratamento de esgoto, especialmente para atender a pequenos produtores
rurais, que enfrentam a falta de coleta adequada.
“O
mais interessante desse programa é que o custo de implantação é de pouco menos
de R$ 500 por família. Isso é surpreendente ao se pensar no custo para ligar
uma casa à rede de esgoto, quando existe”, comentou Karam.
Modelo
Na
primeira fase do processo, a filtragem do esgoto é feita por plantas, que
retiram a matéria orgânica e os metais pesados, atuando como um sistema de
fitorremediação. Depois, a água passa por um reator de bactérias, capaz de
remover 99% dos microrganismos presentes. O criador do reator, o produtor
Wilson Cunha Gonçalvez, informou que construiu o equipamento porque trabalha
com depuração de ostras e necessita de água limpa. “Eu precisava liberar água
limpa no ambiente e inventei um reator para liberar a minha água. Veio um
estalo de que poderia utilizar também na desinfecção de esgoto. Acabei fazendo
um protótipo pequeno para ser acessível a moradores de áreas isoladas e pobres
e em ilhas. Então, ele se tornou algo bem versátil”, disse o inventor.
Para
Wilson, uma das grandes vantagens do Saneia é a possibilidade de interligação
de várias casas a um mesmo sistema, o que permitirá a redução de custos
divididos pelos pequenos proprietários rurais. Na utilização que fazia com o
sistema de decantação, ele já tinha obtido o laudo do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), atestando a possibilidade de liberar a água no meio ambiente
depois desse tratamento. “A minha água que sai direto do sistema de tratamento,
por decantação, já dá reuso pelo Conama”, informou. Com a evolução do reator, a
água poderá ser utilizada para molhar plantas, sem problemas no contato humano.
Segundo
ele, agora, o Saneia precisa da certificação de excelência, com a qual vão
surgir os investidores para garantir que mais produtores possam ser atendidos
pelo Sistema Mestre. “Sem atingir a excelência, não vou pôr o reator no
mercado, mas acredito que no máximo em 30 dias eu consiga atingir a
excelência”, contou, acrescentando que aguarda o resultado desse outro laudo.
Maria
Alice de Moraes, participante do projeto que criou o Sistema Mestre, está
otimista com a sua implementação. “A ideia é que o projeto vá para a frente.
Estamos super empolgados e animados e procurando formas de fazer isso
acontecer”, disse.
De
acordo com a Fundação Boticário, a operação da microestação requer uma equipe
de três pessoas para fazer a manutenção, possibilitando ainda a criação de
empregos na comunidade.
Acesso à coleta
Dados
do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), indicam que quase
100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto e aproximadamente
54% dos esgotos do país não são tratados. “Acredito que a força desse projeto é
tentar diminuir essa taxa, pelo menos em alguns locais do país, nessa questão
de esgoto. Todo cidadão deveria ter na sua casa um sistema de saneamento
decente”, afirmou Maria Alice, lembrando que, em Antonina, 70,63% da população
não têm tratamento de esgoto. “É extremamente precário. É esgoto a céu aberto e
pessoas que morrem por alguma contaminação. É bem complicado”.
Maria
Alice, que estuda Tecnologia em Gestão Ambiental, alertou que no litoral
paranaense, onde se desenvolve o Programa Natureza Empreendedora, a falta de
saneamento ainda se reflete na poluição das praias. “A gente vê a quantidade de
esgoto jogada nas praias, além de causar vários problemas à saúde, que é um
ponto principal, ainda faz com que a gente perca o turismo e várias coisas que
teria com um local limpo”.
O
Programa Natureza Empreendedora começou em 2018 com o objetivo de identificar o
potencial empreendedor, aliado à conservação da Mata Atlântica, em alguns
municípios da região do Lagamar paranaense.
Área preservada
Guilherme
Karam destacou que o local onde o projeto é desenvolvido integra a maior área
remanescente contínua de Mata Atlântica conservada no Brasil, com quase 2
milhões de hectares de floresta continua, numa região que vai do norte de Santa
Catarina ao sul de São Paulo. “Para conservá-lo, uma das formas é por meio do
empreendedorismo positivo. A gente entende o estímulo a negócios de impactos
positivos, que são os que, além de gerar lucro, deixam impacto positivo para a
sociedade e para a natureza. É um caminho interessante para gerar conservação
da biodiversidade”, disse.
Agência Brasil


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