No cenário quase
desértico, após cinco anos consecutivos da maior estiagem já registrada na
região, o solo era tão estéril quanto a esperança dos agricultores de Pancas.
Castigados pela estiagem, muitos se sentiram obrigados a abandonar a roça. O
gado morria de fome e de sede. Os ossos ressequidos dos animais expostos ao
tempo eram uma espécie de prova material do prejuízo. O calor fritava, queimava
a renda dos agricultores familiares do município.
Na contramão do êxodo
rural, a família de seu Juliberto e de dona Nair Stuhr resistiu com bravura. A
princípio, foi desacreditada pelos vizinhos. Eles sempre olharam de maneira
diferente para a maneira com a qual a família conduz a propriedade: com 64% da área
em floresta primária preservada e ações de conservação de fauna e flora no
local bancadas com recursos obtidos com a plantação de café e a criação de
gado.
Mas o filho Marcos,
engenheiro agrônomo, e a filha Patrícia, bióloga, cuidaram de estudar com carinho
a situação, e ofereceram solução a todos os agricultores dispostos a enfrentar
a seca. Hoje, a família Stuhr é exemplo, e recebeu a visita dos integrantes do
projeto Horizontes em Extensão, capitaneado pelo Instituto Capixaba de
Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).
Com poucas palavras,
seu Juliberto relembrou com tristeza os tempos de estiagem. “No auge da seca,
não tinha água para nada. O gado estava morrendo de sede, o Rio Panquinhas
secou totalmente, o Pancas também, e toda a bacia hidrográfica do Pancas parou
de correr”, disse. A solução construída na propriedade que se tornou modelo
parece simples: uma barragem pluvial, um açude construído no topo de um morro
abastecido apenas pela água da chuva.
Porém, o desafio foi
árduo dada as dificuldades impostas pelas características geográficas do
município e pela ausência de referência técnica na engenharia para projetar tal
empreendimento. Pancas está situado aos pés de uma exuberante formação rochosa,
uma barreira natural que limita a recarga de nascentes e cursos hídricos. O
desafio de reservar um grande volume de água em um local onde não existia
nascente ou rio parecia algo impossível.
“A matriz
pluviométrica existente do escritório do Incaper de Pancas serviu de base para
todos os projetos desenvolvidos no município. A base fundamentou os decretos de
situação de emergência municipais, sinistros de seguros agrícolas e os projetos
de construção de barragens elaborados pelos técnicos da região. Hoje no
município são mais de 500 barragens que ajudam a aumentar a disponibilidade
hídrica e regular a vazão dos rios”, explicou Marcos Stuhr, filho do casal de
agricultores e extensionista do Incaper.
Gráfico 01. Variação
Hídrica histórica com linha de tendência definida por média de 10 anos
Marcos Stuhr detalhou
os estudos que beneficiaram tantos agricultores de Pancas: “O histórico de
medições pluviométricas registrado no Incaper serviu de base para a elaboração
de uma planilha, a partir da qual conseguimos extrair a média de chuva por
períodos e a média geral. Conseguimos tirar dali conclusões importantes, como a
queda no volume pluviométrico em determinados meses e o aumento em outros, a
ocorrência de ciclos de estiagem recorrentes, além da definição de períodos de
risco pluviométrico. Fizemos ainda estudos hidrológicos precisos por
localidade. Tudo isso contribuiu para fundamentar muitas ações técnicas, que
ajudam não apenas agricultores, mas também setores diversos que necessitam
destas informações para dimensionar projetos como bueiros, galerias, pontes,
estradas e qualquer estudo que necessite de informações hidrológicas. A matriz
apontou ainda a ocorrência recorrente, na última década, de veranico durante o
mês de janeiro, momento em que o café apresenta grande demanda por água para
granação dos frutos, o que impôs a necessidade de reserva hídrica para
irrigação.”
Os cálculos foram
ainda mais complexos. “Como podíamos contar apenas com água da chuva, o ponto
crucial do projeto era atestar tecnicamente a capacidade de enchimento do
reservatório. Além da média de chuva, calculamos a área da bacia de contribuição,
fizemos estudo hidrológico da localidade e dimensionamos a estrutura a fim de
armazenar o volume máximo de captação daquela microbacia. Na propriedade dos
meus pais, a capacidade é de 28 mil metros cúbicos, o que equivale a 28 milhões
de litros. E não é só encher a barragem. É recarregar e perenizar as nascentes,
além de criar novas. É literalmente produzir água onde não tinha”, afirmou o
extensionista do Incaper.
“Quando começou a
obra, os operadores de máquina e profissionais envolvidos no serviço brincavam:
‘O engenheiro é doido, onde já se viu, construir uma barragem no topo de um
morro, sem rio, seco’. As brincadeiras eram a rotina do trabalho. Eu entrava na
brincadeira, mas convicto do resultado, sempre afirmava: ‘A ciência, as
técnicas de engenharia que foram desenvolvidas por séculos apontam que dá
certo, que vai encher e que vou mudar a condição hidrológica desta microbacia.
Sou refém da ciência, estudei anos e tenho que confiar neste conhecimento
dominado em meus estudos’”, lembrou Marcos Stuhr. Além do Incaper, a
construção da barragem contou com a parceria do Banco do Nordeste.
Quando a comitiva do HorizontES em Extensão esteve na propriedade da família Stuhr, o açude estava vazio. Foi o auge da seca. Mas logo abaixo, vertia um pequeno reservatório com uma nascente, perenizada após a implantação do projeto, coisa que não existia antes. Nos 11 meses anteriores, as chuvas foram escassas na região e a água da barragem havia sido toda usada para irrigar as plantações, dar de beber aos animais e manter a recarga hídrica da microbacia. Apesar da seca, os pastos estavam verdes, o cafezal viçoso e os animais sadios. “Num ciclo normal de chuva, de 1.200 milímetros de média por ano, ela (a barragem) enche. A cheia abastece a propriedade completamente. Se chover acima da média, não rompe porque tem vertedouro para extravasar o excedente. No reservatório, a carga hídrica provoca a recarga no solo e o afloramento da água em uma nascente que tem à jusante. Melhorou toda a estrutura hídrica e perenizou esta nascente. Nós construímos uma nascente”, asseverou Marcos Stuhr.
Quando a comitiva do HorizontES em Extensão esteve na propriedade da família Stuhr, o açude estava vazio. Foi o auge da seca. Mas logo abaixo, vertia um pequeno reservatório com uma nascente, perenizada após a implantação do projeto, coisa que não existia antes. Nos 11 meses anteriores, as chuvas foram escassas na região e a água da barragem havia sido toda usada para irrigar as plantações, dar de beber aos animais e manter a recarga hídrica da microbacia. Apesar da seca, os pastos estavam verdes, o cafezal viçoso e os animais sadios. “Num ciclo normal de chuva, de 1.200 milímetros de média por ano, ela (a barragem) enche. A cheia abastece a propriedade completamente. Se chover acima da média, não rompe porque tem vertedouro para extravasar o excedente. No reservatório, a carga hídrica provoca a recarga no solo e o afloramento da água em uma nascente que tem à jusante. Melhorou toda a estrutura hídrica e perenizou esta nascente. Nós construímos uma nascente”, asseverou Marcos Stuhr.
Atualmente, graças às
chuvas registradas recentemente na região, o açude da família está com a
capacidade plena. “A nascente agora não seca mais porque no período (de chuva)
ela enche, mina para o pasto abaixo e a gente pode ficar tranquilo a respeito
do gado”, comemorou dona Nair Stuhr.
Agroindústrias, agroturismo e turismo rural
As dificuldades
causadas pela seca e as soluções apresentadas pelo Incaper em parceria com
diversas instituições, incrementaram as atividades já desenvolvidas no
município e impulsionaram a diversificação. “A capacidade de suporte de cabeças
de gado da propriedade aumentou 110,71%, as mortes de animais por doenças
reduziram em 83%, a produção de leite registrou um aumento de 292,86% e o
faturamento da propriedade cresceu muito significativamente. Uma ação puxa a
outra, muda a vida das pessoas e abre portas que elas nunca imaginariam que
seriam abertas”, ponderou Marcos Stuhr.
O produtor de leite
Franksdélio Vervloet recebeu orientação do Incaper com relação à alimentação do
rebanho em períodos de estiagem. “Fiquei sabendo do capim Capiaçu por
intermédio do Incaper. Só tinha ouvido falar. Nós fomos até Aracruz com o
Marcos, onde o Almir, que também é servidor do Incaper, doou mudas do Capiaçu
pra gente. Nós cortamos as mudas com nossas próprias mãos e trouxemos com ajuda
da Prefeitura de Pancas. Plantei área até pequena e estou colhendo os frutos
dela, cedendo mudas a outros. Só com as minhas mudas, já foram plantados mais
de 2 hectares de Capiaçu aqui em Pancas. Hoje o problema é o excesso de comida
para o gado”, orgulha-se o produtor.
O incentivo à
produção de leite de qualidade faz brotar uma associação e pequenas queijarias,
que lutam para se adequarem às exigências da legislação. “Fazer queijo ruim de
leite bom é fácil. Fazer queijo bom de leite ruim não existe”, argumentou uma
produtora.
A diversificação de
renda envolve ainda outras atividades. As imensas formações rochosas que
emolduram o município de Pancas são um convite ao turismo de aventura.
Escaladas, rapel, trekkings e voos de parapente são alguns dos
esportes praticados por visitantes oriundos de várias partes do Espírito Santo,
do Brasil e do mundo.
Abrir a porteira da
propriedade para a chegada de turistas e visitantes foi uma das ações
desenvolvidas pelo agricultor Fábio Eggert para driblar a crise causada pela
longa estiagem. O Sítio Cantinho do Céu dispõe de local para acampamento e
trilhas guiadas pelo próprio agricultor.
O Projeto HorizontES em Extensão
A experiência da
família Stuhr e dos demais agricultores de Pancas serve de inspiração para quem
vive em regiões de seca extrema. Não foi à toa que o município foi selecionado
para receber a comitiva do Projeto HorizontES em Extensão, que visitou 11 experiências
de relevância para o desenvolvimento rural capixaba.
Capitaneado pelo
Incaper, o projeto levou representantes da Secretaria da Agricultura,
Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), das Centrais de Abastecimento do
Espírito Santo (Ceasa), do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do
Espírito Santo (Idaf) e da Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas
Empresas e do Empreendedorismo (Aderes) para conhecerem a experiência.
A visita a Pancas
contou com a presença do secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento,
Aquicultura e Pesca, Paulo Foletto. “Aproveitar uma iniciativa positiva, que
deu certo, trazer todo mundo para se apropriar deste conhecimento, de como foi
desenvolvida aquela experiência, é maravilhoso. Conhecimento só ter serventia
quando se compartilha. Quem testemunhou as experiências apresentadas pelo
HorizontES em Extensão ou ficou sabendo delas, vai levar e multiplicar esses
resultados na região onde está. Parabéns a todos os envolvidos e principalmente
aos agricultores que permitem apresentar seus resultados a serviço de toda
comunidade rural capixaba”, comentou o secretário.
A coordenadora do
HorizontES em Extensão destacou que um dos grandes objetivos do projeto é
justamente dar visibilidade às ações que impactam a vida das pessoas.
“Percorremos cerca de três mil quilômetros para conhecer, valorizar e
apresentar as experiências da agricultura familiar capixaba. São ações muitas
vezes consideradas pequenas, mas que podem fazer grande diferença na vida das
pessoas. São muitos e bons exemplos que o Espírito Santo traz e é isso que o
HorizontES mostra”, pontuou a gerente de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Incaper e coordenadora do Projeto HorizontES em Extensão, Jaqueline Sanz, ao
apresentar o projeto na solenidade de encerramento.
“Estamos firmes
graças ao trabalho do produtor rural e da família Incaper. Como é bom andar por
aí e ver o tanto de gente fazendo tanta coisa boa no nosso Espírito Santo. O
Incaper que queremos para o futuro é um Incaper que oportunize, que seja
inclusivo. Essa experiência enriquece o nosso portfólio e ajuda a convencer
quem quer que seja sobre a importância de se continuar fazendo extensão de
qualidade”, contou o diretor-presidente do Incaper, Antônio Carlos Machado.
O diretor-técnico do
Incaper, Nilson Araújo Barbosa, ressaltou as parcerias e a integração entre os
trabalhos de pesquisa, assistência técnica e extensão rural desenvolvidos pelo
Instituto. “Cada experiência tem um diferencial. Em todas elas, vimos a
importância da pesquisa realizada pelo Incaper para os agricultores, que só
tiveram acesso a esses resultados científicos graças ao trabalho da extensão.
Com o esforço coletivo, temos conseguido mudar a realidade das pessoas em
sinergia com todo o sistema agrícola capixaba.”
O projeto HorizontES
em Extensão é viabilizado com recursos oriundos de um convênio estabelecido
entre o Incaper e o Ministério da Agricultura, Pecuária de Abastecimento
(Mapa). A parceria prevê, entre outras metas, a realização de ações no Programa
de Aperfeiçoamento em Práticas e Projetos de Desenvolvimento Rural dos Agentes
do Incaper.
Texto: Juliana
Esteves
Coordenação de Comunicação e Marketing do Incaper