Dermatologistas disseram ter identificado um aumento
significativo no número de pacientes com doenças de pele durante a pandemia,
principalmente as relacionadas ao sistema nervoso.
Desde o início da
pandemia do novo coronavírus, milhões de pessoas se isolaram para evitar a
contaminação. Mas o estresse e a falta de sol causados pelo tempo dentro de
casa, segundo dermatologistas ouvidos pela BBC News Brasil, são um gatilho para
desencadear um aumento e o agravamento de doenças de pele.
Paulo Oldani, chefe
do serviço de dermatologia do Hospital Federal dos Servidores do Rio de
Janeiro, explica que isso ocorre porque há uma ligação entre o sistema nervoso
e a pele. Isso faz com que o estado emocional de alguém se reflita diretamente
no órgão.
Entre as doenças mais
comuns catalisadas pelo estresse estão a dermatite, caspa, espinhas, queda de
cabelo, rosto vermelho e testa oleosa. Mas a psoríase é a mais recorrente
delas, segundo os dermatologistas entrevistados pela reportagem.
"Essa doença
normalmente aparece em pessoas que têm uma predisposição genética. O gatilho
pode ser o estresse e a mudança de rotina. Em geral, você tem mais de uma
causa, mas depende muito do paciente", afirma Oldani.
Ele diz que algumas
pessoas sentem inclusive sintomas como dor de estômago e enxaqueca.
O médico afirma que a
falta de sol por si só não é capaz de disparar esse gatilho durante a pandemia
no Brasil.
Seria necessário, diz
ele, um tempo muito maior sem luz — inclusive indireta — para ocorrer uma
deficiência de vitamina D. Ao contrário, ele diz que há relatos de que pessoas
que dizem ter reduzido manchas escuras no rosto por conta do uso da máscara e
uma menor exposição ao sol.
Os especialistas
entrevistados pela reportagem citam como exemplo estudos feitos com idosos
acamados, que chegam a passar meses longe do sol. As pesquisas revelam que o
nível de vitamina D deles não chegou a um estado crítico.
Cristiano Horta, da
Sociedade Brasileira de Dermatologia e chefe do setor no hospital Ipiranga, em
São Paulo, diz que, no caso de pessoas que tiveram a covid-19, os cuidados e
remédios usados para o tratamento hospitalar também desencadeiam problemas de
pele. Há relatos de pessoas que deixaram o hospital com inchaços, com feridas
na pele e vermelhidão.
Ele ainda cita o
aumento da dermatite de contato causada principalmente em profissionais que
passaram a usar equipamentos de proteção como luvas, botas de borracha e
aventais que dificultam ou até mesmo impedem a transpiração.
Caspa é um dos problemas causados pelo estresse durante a pandemia |
"Por conta da pandemia, algumas pessoas também tiveram dificuldade em buscar em remédio e relataram uma piora no quadro da psoríase. No nosso hospital, houve um aumento da incidência e uma piora no quadro dos pacientes. Entre aqueles que estavam em tratamento, um terço apresentou um agravamento. A procura por atendimento aumentou em 50%", afirmou Horta.
A psoríase é formada
por placas vermelhas escamativas em lugares como cotovelo, joelho e axilas. Ela
causa manchas vermelhas, coceira e inchaço.
Tratamento
A psoríase é uma
doença crônica e não tem cura, mas há diversos tratamentos, dependendo do
estágio da doença. Os mais comuns são o uso de pomadas, cremes e
anti-inflamatórios. O mais simples é tomar sol, mas todos devem ser receitados
por um médico, que vai avaliar cada caso.
"A falta de sol
aliada ao estresse agrava muito o quadro. Quando o paciente não pode tomar sol
em quantidade suficiente, fazemos fototerapia com raios ultravioleta. Mas a luz
natural também tranquiliza e reduz o estresse, o gatilho mais importante",
afirmou.
Os médicos explicam
que o estresse por si só não é capaz de desenvolver a doença e que ela
normalmente aparece em pacientes que têm uma predisposição. Mas ela também pode
ser causada por um trauma físico, como um acidente.
"Normalmente a
pessoa já tem um histórico na família e, quanto mais próximo o parentesco,
maior a chance desenvolver. Por outro lado, alguém pode ter todos os genes e
nunca desenvolver a doença".
A psoríase, segundo
os médicos é uma doença que pode afetar diversos órgãos além da pele. Ela pode
ser, inclusive, associada a um quadro de obesidade, hipertensão, artrite e até
diabetes.
A doença não é
contagiosa, mas causa coceira e incomodo estético para o paciente.
"A grande
maioria dos casos são leves e tratados facilmente, mas uma crise pode fazer com
que eles reapareçam. Nos casos mais graves, porém, o paciente passa a ter
problemas sociais pela questão estética. Hoje há tratamentos que conseguem
manter o paciente controlado e praticamente sem lesão. Mas ela também pode se
espalhar pelo corpo inteiro, a pele toda", afirma Horta.
A Organização Mundial
da Saúde, segundo Cristiano Horta, definiu a psoríase como uma doença
incapacitante quando atinge seu estado mais grave. Isso ocorre porque nesses
casos o paciente não consegue trabalhar, ter um relacionamento social normal e
ainda corre o risco de desenvolver comorbidades, como artrite, destruição
óssea, obesidade, diabetes e hipertensão.
Uma pessoa com
psoríase, segundo ele, ainda tem uma expectativa de vida seis anos menor e uma
chance três vezes maior de ter um infarto que a média da população.
Horta relata que
médicos e parte dos pacientes acreditavam que a doença fosse apenas psicológica
e que não havia tratamento, mas hoje entendem que é uma alteração do sistema
imunológico e que há tratamentos capazes de controlar o problema de maneira
significativa.
"Recentemente,
atendi uma paciente que está há dois anos sem lesão nenhuma. Ele disse: 'Você
não sabe a felicidade que é abrir o armário e escolher a roupa que eu quiser e
ir para a praia. Me sinto muito mais à vontade com meu marido também'. E ainda
assim tem muito médico acreditando que é uma doença neurológica e clínico
achando que não tem o que fazer", afirmou.
O especialista disse
que a acne, porém, atinge principalmente os mais jovens, com idades entre 12 e
15 anos. Mas ele pondera que isso pode ter sido agravado por outros fatores,
como a alimentação.
"O estresse
aumenta a secreção sebácea, mas a alimentação pode mudar o perfil do sebo e
isso ajuda a formar o cravo, que é o primeiro passo da acne. E a gente lembra
que alimentação não é só o nutriente, mas o processo de absorção corporal, de
como o corpo vai receber aquilo. A gente sempre tenta relacionar a acne a um
tipo de alimento, como óleos, amêndoa, leite, mas nem sempre tem correlação
muito clara", diz Horta.
O chefe do setor de
dermatologia do hospital Ipiranga afirma que a acne é uma doença inflamatória
sistêmica em quem geralmente tem mais sensibilidade a lactose ou gordura e que
pode ser acelerada pelo estresse. O médico afirma, portanto, que não é possível
correlacioná-la a apenas um fator, mas que "neste momento de pandemia a
gente percebe que tem uma procura maior".
Os dermatologistas
fazem um apelo para que as pessoas procurem um médico se perceberem um agravamento
ou surgimento de doenças desse tipo. Eles afirmam que os consultórios estão
reabertos e seguindo as medidas sanitárias adequadas para atendimento de
maneira segura e que ainda há a opção pela teleconsulta para evitar uma
contaminação.
"É importante
que a pessoa não espere o término da pandemia para procurar um médico porque
isso pode causar um sério agravamento da doença. Não postergar a consulta é o
melhor a se fazer para não agravar o quadro. Nesses casos, a acne pode deixar
cicatrizes, a psoríase pode atingir outros órgãos e a dermatite pode inflamar e
incomodar muito", afirmou Horta.
Para evitar o
agravamento dos casos ou surgimento da doença, os médicos reforçam que o ideal
é extravasar o estresse por meio de atividades físicas, dormir melhor e se
alimentar de maneira saudável.
Com Informações G1 Globo