Inclusão digital para deficientes visuais ainda é falha
Menos de 14% dos
aplicativos disponíveis para sistema iOS contam com um recurso de
acessibilidade fundamental para pessoas com deficiência visual: a descrição de
imagens.
Somente 37% dos
campos editáveis estão claramente identificados e menos de 11% dos botões de
comando são indicados adequadamente. Os botões ajudam o usuário a perceber
melhor o que a interface de cada aplicativo contém, aprimorando, assim, a
usabilidade.
Os dados fazem parte
de um levantamento elaborado pelo Movimento Web para Todos e pela
empresa BigDataCorp.
Os resultados foram
obtidos após análise de mais de 2 mil aplicativos baixados por meio da loja da
Apple (App Store) e que ultrapassaram 10 milhões de downloads
A pesquisa mostra que
menos de 1% dos aplicativos descreve todos os elementos pesquisados e todas as
imagens que aparecem na tela.
Feita com o apoio
técnico da equipe brasileira do World Wide Web Consortium (W3C) e do Centro de
Estudos sobre Tecnologias Web (Ceweb.br), do Núcleo de Informação e Coordenação
do Ponto BR (NIC.br), o estudo aponta que apenas 4% dos aplicativos especificam
todos os botões que aparecem na tela. Ao todo, 63% dos aplicativos têm menos de
10% dos campos editáveis com sinalização, 55% oferecem menos de 10% das imagens
com descrição e 74% possuem menos de 10% dos botões rotulados.
Parâmetros
Para auxiliar
desenvolvedores de aplicativos, o W3C formulou o documento Diretrizes de
Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG) 2.1, que reúne recomendações para
tornar a internet um espaço mais acessível.
Nele, é possível
encontrar ferramentas que facilitam a navegabilidade para pessoas com
deficiência visual, auditiva, física, de fala, intelectual, de linguagem, de
aprendizagem e neurológica.
A referência, porém,
não é tão aproveitada como poderia ser, segundo o jornalista e ativista na
área de acessibilidade e inclusão Gustavo Torniero.
"A verdade é que
existem parâmetros técnicos que os desenvolvedores deveriam seguir para os app
e nem sempre é o que acontece. É necessário que os desenvolvedores e as
empresas que produzem essas aplicações tenham o que a gente chama de DNA da
civilidade, da diversidade", diz Torniero, que também é embaixador
do Movimento Web para Todos.
Ele destaca que essa
deve ser uma preocupação de toda a equipe de desenvolvimento, e não apenas de
uma pessoa. "As equipes precisam ser integradas e ter na cultura
organizacional essa visão de que é preciso pensar em diferentes especificidades."
Apesar de observar,
nos últimos anos, uma mobilização significativa da sociedade brasileira em
torno da acessibilidade digital, Torniero afirma que ainda há um longo caminho
a ser percorrido.
"Hoje, há uma
presença maior de smartphones nas casas dos brasileiros. O acesso à internet se
dá, em grande parte, por meio dos celulares e, se os aplicativos são
inacessíveis, as pessoas passam a não ter acesso a uma série de
serviços e produtos. Isso acontece comigo, como pessoa cega. Eu enfrento várias
barreiras dessas no meu dia a dia", relata, citando que já teve problemas
para usar aplicativos de bancos, finanças e até mesmo plano de saúde.
O último Censo do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, apurou que
45,6 milhões de brasileiros têm pelo menos um tipo de deficiência. O grupo
correspondia a 23,9% da população, na época.
Modelo participativo
Na avaliação de
Ademilson Costa, consultor de acessibilidade da Fundação Dorina Nowill, as
soluções sugeridas pelo guia do W3C têm baixo custo e dependem mais da vontade
dos desenvolvedores e das empresas de tornar os aplicativos mais acessíveis.
"Todas essas
diretrizes, normas, não há investimento nenhum. O investimento que há é
referente à capacitação, de buscar o conhecimento, porque é o que a gente sempre
fala: quando vai falar de acessibilidade para os desenvolvedores e
programadores, eles se espantam, porque a maioria deles, por mais que tenham
todo o conhecimento técnico, de JavaScript, HTML, PHP, todas as linguagens de
programação, desconhecem as diretrizes de acessibilidade, as normas",
afirma.
Costa defende que a
inclusão digital só irá ocorrer efetivamente se as pessoas com deficiência
puderem atuar de forma mais direta. "Temos um lema, da ONU
[Organização das Nações Unidas], que é: Nada sobre nós sem nós. Ou seja, tudo
que envolve as pessoas com deficiência precisa ter a participação, o
envolvimento das próprias pessoas com deficiência”, diz.
“E, quando a gente
fala de acessibilidade web ou de aplicativo, as pessoas com deficiência
precisam participar das validações, dos testes. Eu vejo que as empresas, nesses
últimos anos, de 2015, 2016 pra cá, começaram a enxergar um investimento
nisso", acrescenta, pontuando que a falta de recursos básicos que
facilitem a navegabilidade de pessoas com deficiência configura violação de
direitos dessa parcela da população e se agrava com a pandemia de
covid-19.
Sites
Outro levantamento
da BigDataCorp, feito em abril deste ano, também em parceria com o
Movimento Web para Todos, revelou que, dos 14 milhões de sites brasileiros
ativos, menos de 1% respeita critérios de acessibilidade. No caso de sites
governamentais, o percentual é ainda menor, de 0,34%.
Em entrevista à Agência
Brasil, o CEO e fundador da BigDataCorp, Thoran Rodrigues, pondera que a
ausência de mecanismos simples que democratizem os aplicativos serve de
alerta.
Ele julga que as
adaptações feitas para pessoas com deficiência visual são as mais fáceis de
serem implementadas e que, portanto, ao serem ignoradas por
desenvolvedores, mostram que cuidados mínimos estão sendo deixados de lado.
"É [na área de
suprir as lacunas de deficiência visual] que existe mais tecnologia para
ajudar, desde que você monte seu site ou seu aplicativo da maneira correta. No
mínimo, as pessoas deveriam fazer o mais fácil e o que a gente vê, na prática,
é que não estão fazendo nem isso. Então, provavelmente, as pessoas com outros
tipos de deficiência têm mais dificuldade do que as com deficiência
visual", afirma Rodrigues.
Com Informações Agência Brasil