Em
2012, quando era presidente do Atlético-MG, o hoje prefeito de Belo
Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), viu seu time fazer a melhor campanha do
primeiro turno do Campeonato Brasileiro e liderar a competição por 15 rodadas.
Entretanto, no fim das contas, acabou perdendo o título para o Fluminense.
O exemplo tem sido utilizado pelo ex-cartola para evitar que o ditado do
“nadar, nadar e morrer na praia” não se repita, dessa vez diante da pandemia
de coronavírus após a capital mineira resistir à crise sanitária
ostentando a menor taxa de mortalidade entre as cidades com mais de 1
milhão de habitantes no Brasil.
Para
isso, o prefeito cumpriu a promessa de fechar novamente o comércio caso a
população não respeitasse as medidas de isolamento social durante as
festas de fim de ano. Nesta segunda-feira, 11 de janeiro, passou a vigorar o
decreto que mantém abertos somente serviços considerados essenciais, como
supermercados e farmácias. Bares, restaurantes, shoppings, clubes de lazer e
academias estão impedidos de abrir as portas. O endurecimento da quarentena em
Belo Horizonte, entretanto, gerou revolta de associações comerciais e
empresários, que organizaram protestos em frente à Prefeitura.
Na
sexta-feira, 8 de janeiro, cerca de 100 profissionais do setor de educação
física e fitness já haviam protestado contra o fechamento de academias. Já
nesta segunda, centenas de comerciantes, vendedores, líderes sindicais e
representantes de associações fizeram uma marcha para exigir a revogação do
decreto. Manifestantes, muitos deles vestidos com camisas verde e amarelo,
exibiam cartazes criticando Kalil e pregavam a desobediência civil, gritando em
coro que boa parte dos empresários pretende manter suas lojas abertas, à
revelia do decreto. Apesar da ameaça de boicotes, os comerciantes que
desobedeceram a ordem municipal foram exceções, pelo menos na região central.
Com
lideranças presentes no ato, o Sindicato de Lojistas de BH (Sindilojas)
informou que a medida da Prefeitura provoca o fechamento de 30.000 estabelecimentos e
impacta mais de 90.000 trabalhadores. A Associação Brasileira de Bares e
Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel), que trava uma batalha de liminares na
Justiça em contraposição às medidas restritivas ao funcionamento da categoria
que representa, divulgou nota explicando que não convocou nem engrossou a
manifestação. Porém, a entidade segue cobrando Kalilpelo fim das imposições aos
donos de bares e restaurantes, que estavam proibidos de vender bebidas
alcoólicas desde 7 de dezembro. “O número de leitos em BH diminuiu. O prefeito
teve nove meses para preparar a cidade, mas acreditou que a doença tinha
acabado e agora quer cobrar a conta de quem não tem culpa”, afirma Matheus
Daniel, presidente da Abrasel.
Os
protestos, que contam com a adesão de representantes bolsonaristas na
cidade, a exemplo do vereador Nikolas Ferreira (PRTB), que discursou no ato, se
inspiram no movimento ocorrido em Búzios, no fim do ano passado, quando
comerciantes se recusaram a acatar o lockdown determinado pela
Justiça. A decisão foi revertida após manifestações de rua lideradas por
lojistas e empresários. Na época, o apresentador Stanley Gusman, que morreu
por covid-19 no último domingo, foi uma das personalidades mineiras que
apoiou a ideia de reproduzir os protestos em BH caso o prefeito voltasse a
fechar o comércio da cidade.
Em
nota, a Prefeitura diz que “lamenta profundamente os impactos que vêm sendo
causados pela pandemia nas diferentes atividades econômicas” e argumenta ter se
baseado em dados científicos para editar o decreto. A taxa de ocupação dos
leitos de UTI na capital chegou a 86%. Ao todo, Belo Horizonte registra mais de
70.000 casos confirmados da doença e quase 2.000 mortes, com 75 óbitos por
100.000 habitantes. “O fechamento das atividades não essenciais não tem
qualquer caráter punitivo ao comércio”, ressalta a Prefeitura, que prevê ao
menos duas semanas de duração da medida. “O objetivo é diminuir o volume de
pessoas em circulação para conter a expansão do contágio. Tão logo os
indicadores permitam, o processo de flexibilização será retomado.” Belo
Horizonte é a sexta cidade mais populosa do Brasil, com 2,5 milhões de
moradores.
Antes
de determinar o fechamento, Kalil fez um discurso emocionado e se
desculpou ao anunciar o novo decreto. “Nós chegamos ao limite da covid-19.
Tentamos avisar e manter por mais dez dias a cidade aberta, quando os números
eram perigosos, mas tínhamos pelo menos uma expectativa de responsabilidade das
pessoas. Agora, temos casos em hospitais particulares de Belo Horizonte
famílias inteiras, que passaram Natal juntas, infectadas e internadas. Peço
desculpas, mas não tive outra alternativa. Governar não é agradar”, afirmou
o prefeito, que prevê, ainda esta semana, o incremento de 40 UTIs destinadas ao
tratamento da doença na rede pública de saúde.
Dono
de construtoras, Kalil é visto, desde o início da crise sanitária, como inimigo
por comerciantes e empresários que têm protestado a favor da reabertura
econômica da cidade. “Se uma família perder uma pessoa querida em BH porque
eu pensei em mim ou em reeleição, não vou conseguir dormir nunca mais.
Prefiro morrer com um tiro que de remorso por ter sido covarde”, disse o
prefeito em entrevista ao EL PAÍS, em maio de 2020, após um protesto em frente
a sua casa. Ele também relatou ter recebido ameaças de morte por fechar a
cidade. “Eu fui presidente do Atlético, tomei 6 a 1 do maior rival… Quem viveu
a pressão do futebol, não tem medo de meia dúzia de buzinas”, brincou Kalil ao
ironizar os protestos.
Assim
como na capital, Minas Gerais vive um período crítico de expansão da
pandemia. A ocupação de UTIs no Estado já supera 70%, nível que configura
“alerta vermelho”, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Secretaria de
Saúde. Nesta segunda, a média móvel de novos casos alcançou o maior patamar
(6.129) ao longo da pandemia, terceiro recorde diário consecutivo. O Estado
contabiliza quase 600.000 casos e 13.000 mortes por coronavírus.
Como
há uma concentração dos leitos de UTI na região metropolitana de Belo
Horizonte, a capital volta a se preocupar com uma possível sobrecarga de sua
rede hospitalar devido a casos mais graves transferidos do interior, tal
qual observado no início da pandemia.
Com
Informações El Pais