Adolescente de 13 anos Keron Ravach, morta a pauladas no Ceará, em janeiro, se tornou a vítima mais jovem no levantamento feito desde 2018 pela Antra. 'Nunca houve um momento tão vulnerável e violento como o que estamos vendo agora', diz autora do boletim.
O Brasil teve 80 pessoas transexuais mortas no 1º semestre deste ano, segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Uma delas foi a adolescente Keron Ravach,
de 13 anos, assassinada a pauladas em janeiro, no Ceará. Ela se
tornou a vítima mais jovem na história do monitoramento, que é feito pela
Antra há 4 anos. Segundo a polícia, ela foi morta por um rapaz de 17 anos.
Em caso recente de violência contra
pessoas trans, outro menor de idade é suspeito de atear fogo a Roberta da
Silva, de 33 anos, no último dia 24, no Recife. Ela está internada
na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) desde então e teve um braço e parte
de outro amputados.
"Nunca houve um momento tão
vulnerável e violento para pessoas trans como o que estamos vendo agora",
diz Bruna Benevides, coautora do levantamento.
O relatório da Antra é feito a partir
de reportagens e relatos de organizações LGBTQIAP+.
A associação denuncia que não existem dados oficiais e, por isso,
entende que o número de assassinatos entre janeiro e junho deste ano pode
ter sido ainda maior.
Desses, 100 foram contabilizados no 1º
semestre, número inferior ao do mesmo período de 2021, mas Bruna entende que a
comparação não é precisa, uma vez que a pandemia ainda não estava estabelecida
no Brasil no início de 2020.
Segundo ela, os desdobramentos da
crise com a Covid pioraram as condições de vida da população trans, sobretudo
para quem vive da prostituição, caso da maioria das vítimas de assassinatos.
Neste 1º semestre de 2021, a maioria
das mortes violentas foi de mulheres trans/travestis negras, um perfil que se
repete ano a ano. Dois homens trans também foram vítimas, de acordo com a
Antra.
Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná,
Rio de Janeiro e São Paulo seguem sendo os estados com o maior número de casos.
"É um peso que está dentro de
mim, que eu não consigo dormir direito, trabalhar direito, e eu quero que a
Justiça aja mais rápido", disse o pai de Milena Massafera, morta na casa
dela, em Ribeirão Preto (SP), em abril.
Relembre este e outros casos de 2021:
SP: Milena
Massafera, morta a facadas
GO: Nicolly
Xavier Azevedo, diarista, morta com mais de 20 facadas
SP: Lorena
Muniz, cabeleireira, morta após inalar fumaça em incêndio em clínica
PR: Natasha
Galvão, morta a tiros
PE: Kalyndra
Guedes da Hora, suspeita de
ter sido asfixiada
SP: Madalena
Leite, ex-vereadora, morta a golpes de facão
Expectativa de vida pode ter baixado
Entre as vítimas de assassinatos no 1º
semestre das quais foi possível conhecer a idade, a maioria tinha menos de
35 anos, que é considerada a expectativa de vida dessa população no país.
"(Após o caso Keron, de 13 anos),
já há algumas ativistas que têm falado na queda dessa expectativa", diz
Bruna Benevides, que é responsável pela Secretaria de Articulação Política da
Antra.
"Isso dá um recado muito violento
para a nova geração", adverte a ativista, que também é uma mulher trans.
"Essas pessoas passam a não mais enxergar um futuro promissor."
Trans estão
sendo mortas cada vez mais cedo
O monitoramento da associação,
assinado por Bruna e por Sayonara Nogueira, presidente do Instituto Brasileiro
Trans de Educação (IBTE), contabiliza ainda 33 tentativas de assassinato de
pessoas trans no 1º semestre, incluindo o caso de Roberta.
Assim como aqueles que resultaram em
mortes, esses ataques foram feitos, em sua maioria, com crueldade.
"São casos de estupros coletivos, corpos incendiados, vítimas de
tentativas de execução, pessoas atiradas de dentro de veículos em movimento,
espancamento, sequestros, desaparecimentos", explica Bruna.
Jovem é
espancada, esfaqueada e tem orelhas decepadas em SP
Também foram levantados 9 casos de
suicídio.
Apesar de o assunto ter ganhado mais
espaço nos últimos anos, Bruna entende que também foram reorganizadas as
opressões contra a população trans/travesti.
"Houve o surgimento de um levante
antitrans que incorpora uma suposta proteção de crianças e adolescentes, mas
que, na verdade, está se organizando para impedir o acesso a cuidados e a um
ambiente acolhedor", diz a ativista, citando, como exemplo, um projeto de
lei que tramita na Assembleia de São Paulo que proibiria LGBTs
de aparecerem em propagandas.
Na visão de Bruna, isso poderia
explicar a participação de menores de idade nos crimes recentes
contra essas pessoas, como visto nos casos de Keron e Roberta.
"Que juventude estamos formando
ao ver esse cenário que está organizado para tentar impedir que pessoas trans
sejam trans?", questiona.
Aluno sofre
críticas de diretora ao propor tema LGBT na escola
A Antra denuncia também as ameaças
feitas contra vereadoras trans/travestis, como mostrou o Fantástico.
"Esse levante contra as parlamentares trans é desproporcional a qualquer
grupo que ascendeu a esses espaços de decisão", lamenta Bruna.
"A gente consegue colocar 30 pessoas
trans nesses espaços, mas, na mesma medida, vemos essa
organização de forças contrárias que incluem o ódio, a transfobia e,
obviamente, a violência política, no sentido de barrar a busca por cidadania e
humanização das pessoas trans e outros grupos minorizados."
Esperança no SUS
A secretária de Articulação Política
da Antra considerou uma vitória a determinação do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Gilmar Mendes para que o
Sistema Único de Saúde (SUS) passe a tratar usuários pelo gênero com o qual se
identificam.
Se uma pessoa retificou seu registro
civil e passou a se identificar como do gênero masculino, mas possui útero e
quer engravidar, essa pessoa tem direito a um obstetra e a um pré-natal
adequado, exemplificou o ministro.
Isso permitirá, segundo Bruna, que
pessoas trans não dependam apenas dos serviços de saúde especializados nessa
população.
Para a ativista, é importante que a
medida venha acompanhada de marcadores de identidade de gênero, para que seja
registrado que o procedimento foi realizado em uma pessoa trans, evitando
assim, que possa ser lido como um erro. O SUS tem até o próximo dia 28 para
atender à determinação do STF.
'Mais que uma letra': T de transexual
G1