Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) elaborou recomendações às autoridades junto com 27 familiares de desaparecidos que não tiveram apoio adequado do governo em suas buscas. Desde 2017, Brasil tem cerca de 80 mil boletins de ocorrência sobre pessoas desaparecidas registrados a cada ano.
“Eu só queria meu filho. Até hoje é
assim. Se eu pudesse gastar tudo que eu tenho, eu gastaria até a minha vida,
para ter ele de volta”, diz Francisca Ribeiro, mãe de Hugo, que desapareceu em 2007 em Guarulhos, na
Grande São Paulo, aos 10 anos de idade.
Para Francisca e para outros 26
familiares de pessoas desaparecidas no estado de São Paulo,
nada pode ser mais valioso do que informações sobre o paradeiro de quem eles
buscam. Foi com base nos depoimentos deles que o Comitê Internacional da Cruz
Vermelha (CICV) desenvolveu um relatório sobre o desaparecimento de pessoas no
Brasil, lançado nesta terça-feira (6).
O objetivo do documento é mapear
as necessidades de familiares de pessoas desaparecidas e orientar os
governos a melhorar a resposta dada ao enorme volume de desaparecimentos.
Desde 2017, são cerca de 80 mil boletins de ocorrência do tipo registrados
anualmente, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Dentre as principais recomendações do
relatório para as autoridades estão:
estabelecer um mecanismo nacional para
tratar o tema, com o objetivo principal de esclarecer o paradeiro da pessoa
desaparecida;
criar centros de referência em
todas as cidades onde for identificado um número significativo de famílias de
pessoas desaparecidas;
instituir uma rede nacional de
assistência jurídica para casos de desaparecimento, composta por
representantes das Defensorias Públicas e dos Ministérios Públicos dos estados,
da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal;
realizar uma reforma legislativa para
criar a Certidão de Ausência, documento que poderia ser usado para para pedidos
administrativos de documentos, benefícios e políticas de reparação;
implementar uma rede nacional de
atenção à saúde dos familiares de pessoas desaparecidas, que vivem
consequências graves para saúde física e mental;
“Há muitas autoridades com papel
relevante a cumprir, e há também várias pontes a construir entre elas”, afirma
Larissa Leite, coordenadora do Programa para Pessoas Desaparecidas e suas
Famílias do CICV no Brasil.
Ao final do relatório, a Cruz Vermelha
se coloca à disposição "das autoridades brasileiras e de coletivos de familiares
de pessoas desaparecidas para colaborar tecnicamente e prestar apoio a partir
das experiências desenvolvidas no seu trabalho no Brasil e em outros
países".
Para Rita Palombo, coordenadora de
Proteção da Delegação Regional do CICV, conectar as autoridades envolvidas e os
familiares é essencial para melhorar o processo de busca por pessoas
desaparecidas.
“Quanto mais essas peças puderem estar
próximas, maiores as chances de localizar quem desapareceu e reduzir o
sofrimento dos familiares durante a busca”, diz Palombo.
Descobrir em quais portas bater foi
uma lição que Francisca Ribeiro demorou a aprender. Agora, ela espera que o
relatório do CICV, do qual participou, ajude outros familiares de desaparecidos
em suas buscas.
"Neste nosso relatório tem ali
uma coisa tão magnífica, tão maravilhosa, que é a orientação. É muito rico em
conhecimento para nós, famílias que temos um ente desaparecido. Se o
governo tivesse feito isso lá atrás, em 2007, pode ter certeza eu seria hoje
outra pessoa. Porque ninguém me orientava, e eu fui perdendo tudo", conta.
Sem orientação sobre como buscar seu
filho, Francisca Ribeiro foi em busca de respostas sozinha. Neste processo, se
viu obrigada a gastar suas economias, perdeu o emprego, vendeu pertences e foi
vítima de golpistas que prometiam pistas do paradeiro de Hugo Ribeiro Santos
Camargo em troca de dinheiro.
“Um deles disse que era um detetive e
eu entreguei a ele R$ 3,5 mil, de cara. Para um outro, foram R$ 6 mil, tirados
da poupança que eu tinha para quando o Hugo fosse pra faculdade. Eu paguei, mas
essas pessoas se aproveitam de você. Quando eu lembro disso hoje, eu me sinto
envergonhada, mas eu não tinha ninguém que me orientava a não pagar. Não tinha
um órgão público me alertando, e tudo que eu queria era saber”, conta.
O relatório explica ainda que a
necessidade de saber não envolve, necessariamente, o retorno da pessoa
desaparecida, mas principalmente a disponibilidade e capacidade de as
autoridades fazerem busca coerentes e fornecerem explicações sobre o que
aconteceu com quem desapareceu.
Em mensagens escritas ao CICV, os
familiares disseram que "a espera é muito pior do que a morte” e que
querem encontrar seus entes queridos vivos, mas, "caso isso não seja mais
possível, pelo menos tivemos um final".
Situação dos familiares
Para além desta demanda por
informações, o relatório destaca que a situação geral dos familiares é muito
preocupante, e afirma que, em conjunto com a necessidade de saber o que
aconteceu e qual o paradeiro do desaparecida, essas pessoas “passam a ter
necessidades específicas quanto à sua saúde física e mental, quanto a aspectos
jurídicos, econômicos, assim como quanto ao próprio reconhecimento do seu
sofrimento”.
"Além disso, [os familiares]
acabam isolados, ressentindo-se da incompreensão e da falta de solidariedade.
Em consequência, ficam indisponíveis para o trabalho, para relacionamentos e
para outras atividades da vida diária, e com muitas dificuldades para acessar
seus direitos”, completa o relatório.
G1