Desde 2012, o Brasil está no limbo quando se trata de medidas para definir o tamanho das roupas das mulheres
A
prefeitura de uma cidade do interior paulista publicou um edital para a compra
de uniformes para alunos da rede municipal de ensino anos atrás. O texto não
tinha muitas informações sobre o tamanho das peças - elas deveriam atender
alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental. Quando a encomenda chegou, um
problema técnico ocorreu com os uniformes destinados aos mais velhos: as peças
que vestiriam os estudantes do 9º ano, por exemplo, cabiam nas crianças do 6º
ano. A prefeitura se negou a pagar pelos uniformes e o assunto foi parar na
Justiça.
"Como
a ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas] já tinha, desde 2009, uma
norma com indicação de tamanhos de vestuário para o público infantil, a
confecção foi obrigada a fornecer novos uniformes para todo o final da grade,
sem custo adicional à prefeitura", diz Maria Adelina Pereira, gestora do
Comitê Brasileiro de Normalização de Têxteis e do Vestuário da ABNT. "Se o
mesmo problema tivesse ocorrido com o público feminino, não haveria essa obrigação,
porque o Brasil ainda não tem uma tabela referencial de tamanhos do corpo da
mulher", afirma.
Desde
2012, o Brasil está no limbo quando se trata de medidas para definir o tamanho
das roupas das mulheres. Naquele ano, foi revogada a norma anterior, de 1995, a
NBR 13377, que tratava de maneira genérica de medidas referenciais do corpo
humano. Em 2009, foi criada a NBR 15800, com medidas infantis, e em 2012 foi
lançada a NBR 16060, de medidas referenciais masculinas.
"A
ideia era, junto com a norma masculina, publicar a feminina, a NBR 16933, mas
não houve consenso entre os integrantes do comitê", diz Maria Adelina.
Participam do grupo grandes redes varejistas, confecções que fornecem às
grandes redes, instituições de ensino da moda, modelistas, o Senac (Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial) e o Senai Cetiqt (Centro de Tecnologia da
Indústria Química e Têxtil do Serviço Nacional da Indústria).
"Houve
discussões homéricas sobre vários temas", diz ela. No foco das conversas
acaloradas, questões que vão desde a maneira como se toma a medida do busto (se
com ou sem sutiã, inclusive) até a definição de qual é a linha cintura - se em
cima do umbigo ou na parte mais afinada do tronco. "Precisamos convidar
até anatomista para participar das discussões", diz Maria Adelina.
Em todos
estes anos sem referências de tamanho, as confecções e as varejistas de moda
precisaram ir a campo para pesquisar por conta própria quanto medem as
mulheres, o seu principal público. Na Renner, por exemplo, elas representam 70%
dos consumidores -compram para elas e para a família. A varejista acaba de
investir em tecnologia 3D para criar uma série de 14 manequins projetados a
partir do escaneamento corporal digital, com variações de tamanhos que vão do
infantil até o plus size.
O
problema é que, como cada rede ou confecção procurou criar referências
próprias, muitas vinham se recusando a abrir mão dos seus padrões para adotar
uma referência nacional. Daí a demora de quase 10 anos na discussão de uma
tabela referencial para o vestuário feminino.
No último
dia 8 de outubro, a ABNT encerrou a segunda consulta pública sobre a NBR 16933.
Se não houver novas contestações, a entidade espera publicar finalmente a norma
até dezembro.
"A
norma será publicada com a sugestão de se indicar na etiqueta medidas em
centímetros", diz Maria Adelina. Mais do que o tamanho P, M ou G, ou
indicações como 40, 42, 44, interessa à consumidora saber quantos centímetros
aquela peça tem de quadril, por exemplo, para que ela se sinta mais segura na
hora de provar, diz.
Na opinião
de Maria Adelina, a iniciativa tem a ver com a autoestima da consumidora.
"Se a vendedora da loja lhe oferece uma peça GG, ela fica depressiva e
passa três dias à base de alface e gelo", brinca. "Mas se a peça
especificar o tamanho do quadril ou busto, por exemplo, ela vai saber que se
trata da melhor opção ao seu tipo físico".
A
gestora da ABNT lembra que muitas confecções e varejistas já passaram a
informar detalhes das medidas das peças nos seus sites de venda online. Isso
para evitar a logística reversa - a devolução da peça que não caiu bem,
operação que significa um incômodo para a consumidora e um custo adicional para
a varejista, que precisa bancar o retorno do produto ao estoque.
PADRÃO DA BRASILEIRA
O comitê
da ABNT escolheu dois dos cinco principais biotipos femininos no Brasil para
basear a norma referencial. São eles: "retângulo" e
"colher", identificados na pesquisa antropométrica da população
brasileira, a Size BR, conduzida entre 2006 e 2015 pelo Senai Cetiqt.
No
Brasil, 76% das mulheres têm o biotipo retângulo: quando as circunferências do
tórax e do quadril são aproximadamente iguais, com uma linha de cintura pouco
marcada. "É o caso da modelo Gisele Bündchen, uma mulher magra com este
biotipo", afirma Patrícia Dinis, coordenadora de serviços de consultoria
de confecção do Senai Cetiqt.
O outro
biotipo escolhido foi o da "colher": quando o quadril é maior que o
tórax e sua lateral é bem marcada e arredondada. "É o que mais se
assemelha ao popular 'violão', embora esse biotipo represente apenas 8% das
brasileiras", diz Patrícia.
O
objetivo da Size BR era identificar tipos físicos e suas respectivas medidas
para auxiliar a indústria da moda na modelagem das roupas. Foram pesquisadas 10
mil pessoas, de todas as regiões do país, que resultou na indicação dos
principais biotipos entre a população feminina e a masculina. O trabalho serviu
como base para as confecções montarem suas grades de tamanhos comerciais.
No caso
dos homens, foram identificados três biotipos principais: retângulo, atlético e
especial (para gordos). Nas mulheres, a pesquisa identificou oito biotipos, que
acabaram sendo agrupados em cinco principais: além do retângulo e da colher, o
ampulheta (a mulher aparenta ser proporcional no tórax e no quadril e tem uma
cintura bem marcada), o triângulo (quadril é bem maior que o tórax, sem uma
cintura marcada) e o triângulo invertido (quando a circunferência do tórax é
maior que a do quadril e a mulher não tem uma cintura marcada).
"As
pessoas não são robôs, têm diferenças morfológicas", diz Patrícia.
"Não é possível se basear apenas em cintura, busto e quadril, como era a
antiga norma da ABNT de 1995, que foi revogada".
Desde
1995, a população engordou e cresceu, lembra Maria Adelina. "Era muito
difícil um calçadista oferecer os tamanhos 42 e 43, por exemplo", afirma.
"Hoje, a grade normal de calçados vai até o 45".
Com
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