Vítima de violência policial, mulher negra pisada no pescoço por PM é denunciada por quatro crimes em SP

Denúncia da promotora Flavia Lias Sgobi, ajuizada na 2° Vara Criminal do Foro Regional de SP, acusa mulher por quadro delitos: infração de medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal. Em processo na Justiça Militar, porém, PMs são réus por lesão corporal e abuso de autoridade. 


A promotora de Justiça Flavia Lias Sgobi ofereceu denúncia nesta terça-feira (19), por quatro crimes, uma mulher negra vítima de violência policial durante uma ocorrência em maio de 2020, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo. Vídeos, que mostram a ação dos policiais militares, foram revelados, em julho de 2020, pelo "Fantástico", da TV Globo. 

Em entrevista ao "Fantástico", na época, a vítima relatou: "Quanto mais eu me debatia, mais ele apertava a botina no meu pescoço". 

No depoimento, ela também citou o caso de George Floyd, homem negro assassinado em Minneapolis no dia 25 de maio de 2020, estrangulado pelo policial branco Derek Chauvin. 

"Achei que iria ser morta como ele [George Floyd]. Eu estava no chão e lembrava daquela cena dele. Achei que iria morrer ali", disse a mulher, naquela ocasião, ao programa Encontro, também da TV Globo, lembrando do caso do norte-americano negro morto por policiais durante uma abordagem em maio de 2020. 

O caso foi noticiado até fora do país. À época, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), declarou que reprovava a ação dos policiais descrita pela reportagem. 

Em processo na Justiça Militar, porém, os PMs são réus por lesão corporal, abuso de autoridade, falsidade ideológica e inobservância de regulamento. Eles respondem pelos crimes em liberdade. Estão afastados das atividades de rua, trabalhando internamente na corporação. 

Na denúncia oferecida nesta terça, de quatro páginas, obtida pela GloboNews, a vítima é acusada dos seguintes delitos: infração de medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal (neste caso, os policiais militares são as vítimas das agressões). 

O caso decorre do fato de o Ministério Público Estadual entender que a ocorrência em Parelheiros consistiu em um caso de desrespeito às normas sanitárias em que a mulher negra e outros dois homens desacataram e até agrediram os policiais militares. 

Ocorre que esta versão, dada pelos próprios policiais no dia da ocorrência, e, portanto, antes de os vídeos virem à tona, já tinha sido apresentada no 25° Distrito Policial (Parelheiros). 

Com um agravante: os policiais - dois agentes - foram denunciados pelo mesmo MP Militar por terem, na avaliação da Promotoria de Justiça, mentido na delegacia. 

A denúncia do MP Militar contra os dois policias é de junho deste ano e os acusa também por quatro crimes: lesão corporal, falsidade ideológica, abuso de autoridade e inobservância de regulamento. 

Esses policiais nunca foram presos em razão de envolvimento nesse caso. 

 

Análise 

Na avaliação do advogado Felipe Morandini, que defende a mulher negra vítima de violência policial, a denúncia causa perplexidade. 

"Em acompanhamento processual, para minha surpresa e estarrecimento, recebi a notícia de que minha cliente foi denunciada pelos crimes de infração à medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal em face dos Policiais Militares que a agrediram, de forma brutal", diz Morandini. 

"Mesmo após a notícia ter se espalhado o mundo, e causado revolta em todos, a mesma foi ignorada pelo membro do Ministério Público, que se baseou nas informações do Boletim de Ocorrência. Ignorou as imagens que foram noticiadas, e são de conhecimento público. Trabalharei incansavelmente pela defesa da comerciante, e principalmente, para que esta denúncia seja rejeitada pelo juízo. Não é (e não pode ser) possível que fatos notórios como estes sejam ignorados pelo Órgão Ministerial no momento de denunciar qualquer um que seja", concluiu o defensor. 



Com Informações G1 Globo 




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