A PF está trabalhando menos ou mais? Embate com Moro põe estratégia anticorrupção de Bolsonaro no debate eleitoral; entenda

O presidente Jair Bolsonaro tem evitado revidar ataques de Sergio Moro e, no atual debate sobre combate à corrupção, esse papel ficou à cargo da própria Polícia Federal, que soltou uma nota Foto: Jorge William / Agência O Globo / 03/10/2019

O embate entre o pré-candidato à Presidência Sergio Moro (Podemos) e a Polícia Federal levou para o centro do debate eleitoral as políticas de combate à corrupção do governo de Jair Bolsonaro. Os números revelam que, desde o início da atual gestão, tanto os inquéritos abertos para apurar esse tipo de crime quanto as prisões de suspeitos de praticá-lo vêm caindo. O volume de operações de combate aos malfeitos, porém, tem aumentado.

Na acusação que deu origem à peleja, Moro disse durante uma entrevista que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção”. O exagero retórico levou a uma resposta contundente da Polícia Federal, que acusou seu ex-chefe de “mentir” e fazer do tema um “trampolim eleitoral”. Para além dos números que esgrimam a disputa, os casos de investigação envolvendo autoridades de alto escalão têm sofrido uma mudança de perfil nos anos recentes.

Combate à corrupção em números


A Operação Lava-Jato, que levou para a cadeia empreiteiros e alguns dos mais importantes nomes do cenário político nacional, perdeu força coincidentemente no momento em que o país passou a enfrentar a pandemia de Covid-19. A partir de então, as maiores ações policiais anticorrupção tiveram como foco esquemas de desvios de verba de combate à pandemia. Frequentemente, os principais investigados eram personagens de menor calibre ou que ensejaram a acusação de direcionamento a adversários do presidente Bolsonaro, em confronto com governos estaduais pelas medidas de restrição de circulação contra a Covid.

— O fato objetivo é que, na atual gestão, não há notícia de qualquer autoridade ou político graúdo sendo investigado ou preso — reiterou Moro ao GLOBO.

Para especialistas em segurança pública e combate a organizações criminosas, a questão não deve ser diagnosticada apenas com base em rankings de mais ou menos prisões ou operações.

— O ex-ministro erra ao dizer que a PF está trabalhando menos. E a PF não tem razão de dizer que o número de operações significa maior produtividade. Essa briga só enfraquece a Polícia Federal. A politização desse debate é ruim — diz Renato Sergio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O número de prisões de pessoas investigadas por corrupção vem caindo desde 2018, o que aconteceu inclusive no primeiro ano do governo Bolsnaro, quando Moro chefiava o Ministério da Justiça. Já as investigações abertas para apurar esse delito aumentaram em 2019, mas passaram a diminuir a partir de então

A Polícia Federal, que vem acumulando no atual governo episódios de tentativa de interferência da Presidência da República, se defende afirmando que aumentou o número de operações, e que a prisão depende fundamentalmente de ordem da Justiça.

Palco eleitoral

Bolsonaro tem seguido a estratégia de não rebater ataques de seu antigo auxiliar e agora adversário, com quem disputa votos do eleitorado mais identificado com a direita. A réplica aos últimos disparos de Moro ficou a cargo da própria Polícia Federal, que emitiu a nota contra o ex-ministro da Justiça. A PF confirmou dias depois que a ordem para a emissão do comunicado oficial partiu do diretor-geral da instituição, Paulo Maiurino, deixando o Palácio do Planalto fora da trincheira.

Ainda que Moro não tenha duelado contra Bolsonaro sobre a eficiência de sua polícia, o debate por si só já beneficia o ex-ministro, já que trata do tema sobre o qual ele mais se sente confortável para discutir. Ao contrário das eleições de 2018, o combate à corrupção, embora ainda relevante, perdeu espaço este ano para temas econômicos.

Especialistas em segurança pública ouvidos pelo GLOBO afirmam que a disputa travada entre Moro e Maiurino é prejudicial, já que, nos dois casos, haveria “muito apego” aos números e poucas explicações sobre como a PF tem conduzido seu trabalho.

— Mais importante não é saber quem fez mais, se Moro ou a PF sem o Moro. Precisamos saber: em que pé está o controle da corrupção no Brasil? — afirma o professor de Direito Lenio Luiz Streck.

Acusações de uso político da corporação

Interferência de Bolsonaro

O então ministro da Justiça Sergio Moro deixou o governo acusando o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF) e em inquéritos relacionados a familiares. O caso é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Em depoimento em novembro do ano passado, o presidente negou as acusações.

Desvios na pandemia

A PF investiga indícios de desvios de verba pública para o combate ao novo coronavírus. Foram feitas operações em pelo menos 19 estados. As apurações tratam de suspeitas de fraudes em licitações, compras de insumos com empresas de fachada e superfaturamento na aquisição de equipamentos. Governadores, por sua vez, falam em uso político da PF.

Acusação contra Salles

Em abril do ano passado, a direção da PF decidiu substituir o então superintendente do Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, que havia acabado de enviar ao STF um pedido de investigação contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Saraiva apontava que Salles atuou para obstruir uma investigação que apreendeu madeira ilegal.

Extradição de blogueiro

A delegada da Polícia Federal Silvia Amélia Fonseca de Oliveira foi exonerada da direção do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) após ter encaminhado o processo de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que está nos EUA. A PF afirma que a exoneração de Silvia Amélia ocorreu pelo fato de “não ter dado ciência” à cúpula do Ministério da Justiça sobre a extradição, pedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O blogueiro é alvo de inquéritos no Supremo sobre fake news e sobre a atuação de uma milícia digital contra a democracia. Outros dois funcionários do DRCI relataram pressões da cúpula do Ministério da Justiça durante o processo de extradição de Allan dos Santos.

Presidenciável na mira

Em dezembro de 2021, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra o presidenciável Ciro Gomes (PDT) para apurar um suposto esquema de corrupção envolvendo as obras da Arena Castelão, reformada para a Copa de 2014.Ciro classificou a ação de “abusiva” e afirmou que o presidente Jair Bolsonaro “transformou o Brasil num Estado Policial”.

Fonte: O Globo


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