Dia da Mulher: professora do ES cria app que mapeia 400 locais de assédio e violência


Foi a partir de um relacionamento abusivo com o ex-marido que a professora da rede pública estadual e artista plástica Geisa da Silva, 31 anos, decidiu que algo precisava ser feito em relação à violência contra a mulher.

Em 2019, após sofrer violência doméstica, ela terminou a relação e se perguntou como outras mulheres lidavam com agressões e ameaças em seu cotidiano.

"Fui para as ruas e entrevistei cerca de 400 mulheres para que contassem suas histórias e de como foram maltratadas e agredidas. A partir delas, fiz um projeto de intervenção urbana onde fixava cartazes com os dizeres desses relatos em lugares onde eles haviam ocorrido", relembra.

Assim, praças, ruas e postes de bairros da Grande Vitória amanheceram com transcrições desses relatos, avisando para quem passasse que uma mulher havia sido vítima de um assédio ou de uma agressão por ali.

Mas o projeto a incentivou ir além. "Essa intervenção me alertou sobre o modo como nós, mulheres, encaramos o espaço urbano e me instigou a criar um novo formato em que a própria mulher fizesse de seu relato uma sinalização a outras mulheres de que aquele lugar foi cenário de uma violência", explicou.

Assim, nasceu o aplicativo "Não me Calo!" disponível gratuitamente na loja do sistema Android. Ao clicar nos pontos marcados, as mulheres podem saber quais locais são considerados inseguros e ler os registros de violência descritos pelas próprias vítimas.

Após fazer o download no aparelho e o cadastro no app, a mulher também passa a receber um alerta quando passa próximo aos locais de assédio sinalizados por outras usuárias.

O lançamento foi feito em julho de 2021. Geisa criou o app por meio de apoio da Lei Aldir Blanc, via recursos da Secretaria de Estado da Cultura (Secult). De lá para cá, são mais de 400 relatos e um mapa sinalizado com relatos concentrados principalmente no Centro da Capital, Jardim da Penha e na região da Universidade Federal do Espírito Santo. Regiões de bairros de Cariacica, Vila Velha e Serra também foram marcadas.

Nas marcações, há relatos que vão desde abordagens indevidas e importunações na rua, intimidações a casos extremos de violência e agressões físicas.

Uma mulher na Reta da Penha, próximo à Ponte da Passagem, relatou no aplicativo:

"O rapaz que estava me asfixiando me jogou no chão, assim que ouviu uma buzina de um carro que passava pela ponte. Ele me arremessou e eu caí. Eles saíram correndo e gritaram para eu sair correndo. Atiraram pedras em mim para eu não correr atrás".

Outra usuária avisou que na escadaria Bárbara Monteiro Lindenberg, no Centro, que dá acesso ao Palácio Anchieta e à Cidade Alta, ela não anda por lá sozinha.

A professora diz que o aplicativo aponta a forma como a mulher vivencia o espaço urbano.
"Diferentemente dos homens, as mulheres se relacionam com a cidade de maneira diferente. Em muitos casos devem pensar duas vezes qual o melhor horário para se passar numa rua ou região, se é melhor evitar irem desacompanhadas. Enfim, elas adequam seus compromissos ao histórico de violência que tiveram. O contexto de machismo estrutural, que alimenta essa violência, termina por limitar a forma como as mulheres aproveitam a cidade em suas vivências pessoais, afetivas e profissionais", lamenta.

Mulher registrou três episódios em que sofreu violência

Uma usuária do aplicativo, cuja identidade será preservada, contou que utilizou o aplicativo para registrar episódios de violência na época em que se relacionava com o pai de suas filhas.

"Uma agressão física, quando ele me compensou atrás da porta com minha filha recém-nascida para forçar a entrada no meu quarto; outra, quando pedi que saísse da minha casa enquanto brigávamos e ele alegou que não sairia porque eu não tinha força pra tirá-lo de lá; e outra quando me empurrou no chão na Universidade Federal do Espírito Santo", descreve.

A mulher diz que acha importante que instrumentos como o "Não me Calo!" estejam disponíveis por facilitarem uma denúncia.

"Além disso, eles dão acesso à informação para as mulheres conseguirem enxergar o quanto esses episódios são comuns, evitando aquela sensação de vergonha, porque conseguimos ver que não estamos sozinhas", destacou.

Geisa mostra o mapa que aponta os locais já marcados por mulheres vítimas de violência - Foto: Marcelo Pereira / Folha Vitória

A violência contra a mulher no ES

Nos dois meses deste ano, uma a cada três mulheres assassinadas tinham entre 15 e 19 anos. O assassinato nessa faixa etária soma 27%. Já 20% tinham entre 40 e 44 anos e outros 20%, entre 45 e 49 anos. Dos 22 assassinatos, 77% das mulheres foram mortas por arma de fogo e 18%, por arma branca.

Das 22 mulheres mortas, quatro foram por feminicídio – quando a mulher é morta por questão de gênero, normalmente pelo companheiro ou pelo ex. Esse número é menor do que o registrado nos dois primeiros meses do ano passado, quando cinco mulheres foram vítimas de feminicídio (queda de 20%).

Os quatro feminicídios foram cometidos em janeiro – fevereiro não teve nenhum registro –, sendo um na região Norte, outro na região Sul, um no Noroeste e outro na região Serrana.

A Grande Vitória não registrou nenhum feminicídio, mas é a região com o maior número de mortes de mulheres por outros motivos: foram 12 assassinatos contra cinco no ano passado, um aumento de 140%.

O Sul do Estado, que no início do ano passado tinha registrado apenas um assassinato de mulheres, neste ano já soma três. A região Serrana pulou de um para dois crimes; a região Noroeste registrou o mesmo número: três assassinatos, e a região Norte apresentou queda: de quatro para dois assassinatos de mulheres.

Já com relação aos municípios, Vila Velha ocupa o primeiro lugar no ranking de assassinato de mulheres, com nove crimes registrados. Na Região Metropolitana, a vizinha Vitória não registrou nenhum assassinato de mulheres, enquanto Serra registrou dois crimes e Cariacica, um.

Fonte: Folha Vitória


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