VICIANTE? Especialistas alertam sobre consumo de pornografia


O canal Sexy Hot desenvolveu uma pesquisa em 2018 que apontou que 22 milhões de pessoas assumem consumir pornografia no Brasil, sendo 76% do total composto por homens. Ao mesmo tempo, em 2016, o RedTube colocou o Brasil como o país que mais consome pornografia com pessoas transgênero no mundo. Os dados apontam, além da sexualização de pessoas trans, a alta frequência dos conteúdos pornográficos entre a população brasileira.

Estar em contato com vídeos e produtos de pornografia em um geral de maneira exarcebada pode gerar vício, como explica o psicólogo Renan Beltrami. Em nosso cérebro, temos alguns neurotransmissores, dentre eles a dopamina”, diz ele. “Uma das formas de ação dela está associada diretamente ao prazer, então ela vai ativar a sensação de bem-estar, de compensação. Todo hábito pode causar dependência – seja química, física ou emocional –, e muitas vezes só descobrimos isso após ativarmos algum gatilho que já existia anteriormente”.

“Quando ocorre o orgasmo [decorrente do consumo de pornografia]”, continua o especialista, “mais dopamina é liberada no sistema nervoso central, o que gera o prazer antes citado. Nossa mente grava a sensação do orgasmo e associa à prática que estimulou a maior produção da dopamina. Isso pode se tornar um ciclo vicioso que reflete no cotidiano do indivíduo”.

A sexóloga Gislene Teixeira pontua alguns gatilhos ou circunstâncias que normalmente levam os indivíduos a consumir pornografia desenfreadamente. “Os fatores estimulantes podem ser distintos. Vai desde buscar por um estímulo para ficar excitado, pela prolongação dessa excitação ou para chegar ao ápice dela. Pode ser quando você está sozinho na procura por um estímulo auditivo, visual e auditivo para a masturbação, ou ainda para apimentar a relação com um parceiro ou parceira. Portanto, os motivos para consumir pornografia são vários, e uma vez tendo contato com esse tipo de conteúdo tudo pode acontecer, inclusive a compulsão”, esclarece.

Quando o vício em conteúdos pornográficos se faz presente, é possível observar alguns efeitos. A psicóloga Lala Fonseca ressalta que o primeiro sinal é o impacto na autoestima do indivíduo. “Os seres humanos são extremamente complexos. Uma das maiores dificuldades é a frustração de tentar vivenciar como real a pornografia e isso gera baixa autoestima, sensação de incapacidade na vida em geral, problemas com relacionamentos, dificuldade de ereção e até ejaculação precoce – isso normalmente associado a quadros ansiosos. As consequências físicas podem variar de dores e perda de sensibilidade nos órgãos sexuais até as próprias disfunções sexuais”.

A especialista também lembra que alguns estudos apontam que o vício em pornografia leva a pessoa a ter menos matéria cinza, ou seja, a capacidade de raciocínio rápido diminui. Falando a longo prazo, Gislene Teixeira pontua, entre outras consequências, a própria solidão. “Se não tratado, o vício pode ocasionar nas perdas afetivas, sociais e até financeiras, sem contar a saúde mental. [O vício em pornografia] pode trazer impactos severos como diminuição ou perda da satisfação com práticas sexuais com parceria real e maior frequência de masturbação – o que leva a um prazer fácil. A atividade masturbatória e a pornografia se tornam uma dupla que pode ser a linha que separa relações reais e que pode sim desembocar no desinteresse dos parceiros”, diz.

“O sexo passa a ser visto como um ‘objeto de prazer’ apenas, como se em um click está ali disponível, inteiramente ao seu dispor por quanto tempo desejar. Isso em uma relação real tira a noção de que é preciso esperar o momento e a vontade do outro”, acrescenta.

E a comunidade LGBT?

Vale pensar, a partir do que já foi exposto, de que modo o vício em material pornográfico afeta em especial a comunidade LGBTQIAP+. Renan Beltrami destaca que “a masturbação pode se tornar uma válvula de escape do desejo reprimido, trazendo, eventualmente, maior sofrimento para a pessoa LGBT”. Gislene Teixeira, por sua vez, traz o contexto de repressão sob o qual a comunidade vive.

“Devido à realidade que esses indivíduos vivem, a situação é bem mais complicada. Esse público lida com preconceitos, tabu, que já existe quando o assunto é sexo, sexualidade, mas que na ótica LGBT é bem pior, porque eles não conseguem se expressar livremente acerca da sexualidade e dos desejos. Dessa forma, a pornografia se torna um ambiente seguro, restrito aos prazeres, sem julgamento e sem restrição ou moralismo, ou seja, potencializa tanto a prática excessiva de sexo quanto o consumo exarcebado de pornografia. Haja vista que o pornô muitas vezes é o único ambiente seguro para essas pessoas”, expõe.

No caso de pessoas LGBT que têm problemas de autoaceitação, por exemplo, conseguir reconhecer o vício e buscar um tratamento pode ser bem mais difícil do que para uma pessoa hétero-cis, principalmente porque o preconceito sempre irá assombrar essa parcela da população.

“A comparação, julgamentos e falta de aceitação em si provoca um estado de alerta constante”, diz Lala. “Isso, por sua vez, desperta o medo do que os outros vão achar, além da culpa de ser como é. Há uma pesquisa do Hospital Albert Einstein que aponta que a falta de inclusão piora em 55% os quadros de saúde mental da população, pois se sentem mais vulneráveis e menos aceitos, sofrem calados”, ressalta.

Para garantir melhor qualidade de atendimento, Gislene aconselha: “Busque por profissionais também LGBT, além de apoio e terapias que podem facilitar o caminho para o tratamento do vício que pode parecer impossível, mas não é. Se trata, é claro, de um assunto delicado, um tema sensível, mas é preciso falar sobre isso e buscar recursos para cuidar”.

Renan Beltrami explica que o tratamento do vício em pornografia se dá por meio de profissionais de saúde mental – psicólogo e psiquiatra. “Há terapia comportamental”, complementa Gislene Teixeira. “Também há o detox digital, recursos que levam à redução de consumo de pornografia, diminuição dos estímulos sexuais e consequentemente masturbatórios. Não há receita pronta, cada caso é um caso”, conclui.

Fonte: Queer


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