Autismo em adultos: 'Diagnóstico veio aos 50 e trouxe alívio muito grande'

Marcelo Vindicatto - Imagem: Arquivo pessoal


Apesar de ser uma condição identificada na maioria das vezes ainda na infância, o autismo vem sendo diagnosticado com cada vez mais frequência em adultos. O TEA (transtorno do espectro autista) apresenta vários graus, e sua identificação pode passar despercebida se não for dada a devida atenção.

Sem diagnóstico determinado nem o amparo e a estrutura necessários para viver melhor com a condição, pessoas dentro do espectro passam anos e até décadas lutando contra algo que não sabem o que é, sentindo-se deslocados e "diferentes", mas sem nenhuma explicação.

"Passamos a vida toda nos achando diferentes das outras pessoas, mas sem saber o porquê. Sem o diagnóstico, nossas diferenças não são identificadas como sintomas do autismo, e sim classificadas como características pessoais. Ficam achando que somos apenas esquisitos", diz a carioca Fernanda Brandalise, 27, que foi diagnosticada com autismo leve neste ano.

O que pode levar a um diagnóstico tardio?

A falta de acesso a informações, ao sistema de saúde e a falta de condições emocionais ou financeiras dos pais são as causas mais comuns do diagnóstico tardio. A resistência ao diagnóstico e o estigma em torno de condições neurodivergentes também impedem que algumas crianças sejam examinadas e diagnosticadas.

A maioria dos diagnósticos tardios é relacionada a casos leves de autismo, de pessoas que não apresentam deficiência intelectual e conseguem levar uma vida autônoma, funcional e independente.

Esses indivíduos muitas vezes "disfarçam" e lidam bem com a condição, e só vão procurar ajuda quando alguém lhes questiona os poucos amigos, seu jeito direto de falar ou sua pouca habilidade social.

O acompanhamento médico de filhos ou sobrinhos autistas é muitas vezes responsável por "descobrir" casos adultos. Foi o caso do roteirista Marcelo Vindicatto, de 56 anos. "Minha filha mais nova foi diagnosticada há alguns anos, e conversando com o neurologista que a atendia ficou evidente que eu também apresentava alguns dos sintomas que ela tinha, embora de forma mais leve", conta ele, que descobriu fazer parte do espectro aos 50.

O filho mais velho do carioca também já tinha sido diagnosticado, mas era um caso mais severo.

Como é feito o diagnóstico?

Tanto na infância quanto na vida adulta os sinais e sintomas avaliados para investigar um caso de autismo são os mesmos, o que muda é o processo usado para chegar ao diagnóstico.

Casos clássicos, onde os sintomas são mais presentes, são mais fáceis de identificar, e normalmente são diagnosticados ainda na infância. Vários fatores são levados em consideração, como indicadores genéticos, dados do neurodesenvolvimento, comportamento e o funcionamento das habilidades sociais, emocionais e cognitivas.

Normalmente, o processo inclui entrevistas intensivas, consultas com diferentes especialistas médicos, como psiquiatras e neurologistas, avaliação neuropsicológica e o uso de escalas padronizadas que ajudam a situar o paciente no espectro.

Entre os exames que podem ser solicitados estão uma investigação genética, auditiva e eletroencefalográfica —tanto para o diagnóstico diferencial quanto para investigar a presença de comorbidades.

Relatórios da fonoaudiologia, psicologia, psicopedagogia e terapia ocupacional trazem mais informações ao parecer inicial.

Uma grande dificuldade do diagnóstico na idade adulta é recuperar marcos infantis do desenvolvimento dos quais a pessoa não se lembra, não sabe ou não tem mais membros da família que possam lembrar.

"O adulto que não sabe que se enquadra no espectro já entendeu como camuflar sua condição e encontrou jeitos de se encaixar no convívio social de maneira a minimizar seus sintomas", diz Joana Portolese, coordenadora do Programa de Transtornos do Espectro Autista do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Segundo Portolese, a comunicação não é o forte das pessoas no espectro, por isso depender delas para contar a própria história pode ser um desafio.

Se o paciente for diagnosticado, ele é encaminhado para profissionais que poderão ajudá-lo a trabalhar melhor as limitações que ele apresenta. Sem o auxílio adequado, essas limitações tendem a se enrijecer, o que significa que a melhora dos sintomas pode demorar mais em adultos. Comorbidades psicológicas ou neurológicas também podem ser melhor compreendidas e amenizadas a partir do diagnóstico.
Que sinais podem ser indícios de que a pessoa está no espectro autista?

Sintomas como dificuldade em reconhecer e identificar emoções e sentimentos, dificuldades no trato social, alta sensibilidade sensorial, rigidez psíquica e inflexibilidade cognitiva são típicos de casos de autismo.

Pessoas adultas com autismo costumam ter dificuldades na socialização, com prejuízo na compreensão de dicas sociais. Muitas vezes, apresentam um déficit na utilização de sinais verbais e não verbais e dificuldade para compreender aquilo que é dito de forma não explícita.

O autismo em adultos muitas vezes vem acompanhado de comorbidades que também podem apontar ao diagnóstico. Elas podem ser psíquicas, como ansiedade, depressão, TDAH, TOC, comportamentos de irritabilidade e desregulação emocional, ou fisiológicas, como distúrbios gastrointestinais, distúrbios do sono, epilepsia e problemas motores.

Hiperfoco no trabalho, dificuldades com mudanças de rotina e sensorialidade exacerbada (como alta intolerância a ruídos) também são sinais importantes.

Por que é importante diagnosticar

Sem o diagnóstico de autismo e a estrutura adequada, a pessoa acumula prejuízos sociais e acadêmicos que podem desencadear outros transtornos. Não são incomuns sintomas de ansiedade e depressão por se perceber diferente ou sofrer bullying dos colegas.

Muitas vezes, o diagnóstico fecha um longo ciclo de incompreensão acerca da própria existência. "Ser diagnosticado me trouxe um alívio muito grande, me ajudou a entender porque sempre tive dificuldade com coisas que são fáceis para pessoas típicas, como namorar, ter amizades e convívio social", diz Marcelo.

Além disso, devido aos sintomas não explicados e às comorbidades que muitas vezes aparecem, a pessoa pode ser tratada com terapias e intervenções que não são as mais adequadas e podem até ter efeitos nocivos.

"Quando a pessoa descobre que é autista, ela se conhece melhor e passa a entender as limitações com as quais vem lidando", diz Portolese. "Dar um nome à condição também facilita o acesso a informações e propicia a inclusão da pessoa em um grupo, onde ela encontra seus similares e conversa com outras pessoas que vivem como ela. Por isso o diagnóstico tardio costuma ser libertador e trazer autoconhecimento."

Fontes: Joana Portolese, coordenadora do Programa de Transtornos do Espectro Autista do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); José Medeiros do Nascimento Filho, médico psiquiatra do CCS/UFRN (Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte); Giulia Tavares, psicóloga e neuropsicóloga da Clínica Mancini, formada pelo IPq-HCFMUSP.


Postagem Anterior Próxima Postagem