Mãe busca identidade da pessoa que tatuou rosto do seu filho para pedir remoção

Imagem da criança foi tatuada na convenção 'Tattoo Week', na capital paulista; identidade de quem recebeu a tatuagem não foi divulgada para família e nem ao advogado de defesa. Tatuador pediu desculpas por usar foto sem consultar os pais do menino e o fotógrafo Ronald Santos Cruz.

Tatuador usa foto de menino sem autorização — Foto: Reprodução

A mãe do menino negro que teve a foto do rosto usada sem autorização por um tatuador de SP, durante a convenção de tatuagem "Tatto Week", afirmou nesta quinta-feira (1º) que está em busca do homem que foi tatuado com a imagem para que ela possa pedir que seja feita uma remoção.

"Até agora não me disseram quem é. Não disseram nada. Não sei quem é ainda e é surreal isso. Ele pode tatuar a cara do meu filho, mas eu não posso saber quem é? É importante saber a identidade para que a gente possa conversar. Quero que ele remova a imagem, cubra ela. Mas não posso aceitar que uma pessoa desconhecida fique com a cara do meu filho na pele", disse Daniele de Oliveira Cantanhede, mais conhecida como Preta Lagbara.

O caso ganhou repercussão depois que Preta denunciou nas redes sociais o tatuador Neto Coutinho. Ele ganhou dois prêmios durante a convenção de tatuagem, que ocorreu em outubro deste ano na capital paulista, e um deles foi com a reprodução da foto da criança. A imagem usada não teve autorização dos pais e nem do fotógrafo responsável.

Para o advogado de Preta, Djeff Amadeus, que também é diretor do Instituto de Defesa da População Negra, "se a pessoa branca que recebeu a tatuagem não se oferecer para fazer a retirada, isso configurará que ela é uma racista assumida que entende ser proprietária dos corpos negros, tal como nos tempos da escravidão".

"Esperamos que ela atue como uma pessoa branca antirracista e faça a remoção, dando, inclusive, um exemplo ao Brasil. Caso contrário, esse debate continuará em todo Brasil e, claro, no Judiciário, tendo ele, tatuado, como alvo, inclusive também em termos indenizatórios. Afinal, o que ele quer ao manter a violação? Assumir-se como 'proprietário dos corpos negros'?".

"Convocaremos os movimentos negros a serem amicus curiae [amigos da corte] nessa ação, se necessário, pois é um debate nacional sobre antirracismo. Por que se preocupam com a autorização dos responsáveis das crianças brancas, mas não se preocupam com a autorização dos responsáveis das crianças negras?".

Tatuador se desculpa

O tatuador Neto Coutinho pediu desculpas para a família e quer resolver a situação de forma pacífica, segundo seu advogado de defesa, Gabriel Rodrigues (veja mais abaixo).

Já sobre quem é a pessoa tatuada, a defesa de Neto afirmou à reportagem nesta quinta-feira (1º) que não iria divulgar detalhes e que trataria do assunto apenas com os envolvidos.

"Vamos enfocar nossas ações, estritamente, na resolução privada do conflito, através das negociações em andamento".

A organização que premiou a tatuagem afirmou ao g1 que o critério da premiação foi "estritamente técnico e artístico, julgado por uma comissão de conceituados tatuadores". Não houve entrega de dinheiro.

Sobre o tatuado, a organização enfatizou que tanto a pessoa que recebe a tatuagem quanto a imagem feita é de responsabilidade do tatuador.

Denúncia nas redes sociais

Preta Lagbara disse que, no fim do mês passado, um internauta a marcou na postagem do tatuador que tinha publicado a tatuagem e comemorava o segundo lugar na premiação.

"Eu fiquei muito assustada. Ele não teve cuidado de saber sobre meu filho. Uma mãe nem ser consultada para saber se podia tatuar na pele de uma pessoa a foto do filho dela? Não existe isso. É um absurdo. Imediatamente entrei em contato com o tatuador. Comentei na foto que ele publicou e pedi contato. Mas ele não me respondeu por um bom tempo", afirmou.

Foi então que Preta pediu ajuda para o fotógrafo Ronald Santos Cruz, que foi quem fez a imagem do filho com a autorização dela, neste ano.

Fotógrafo e mãe da criança denunciaram uso da imagem sem autorização nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Ronald tem mais de 80 mil seguidores nas redes sociais e é conhecido por retratar pessoas negras no Brasil. Em 2019, ele chegou a ser selecionado para a exposição de fotografia pelo Centro Europeu e, em 2020, ficou entre os 100 melhores fotógrafos do mundo na modalidade retrato masculino, pelo Concurso Internacional realizado pela empresa russa 35awards.

"Eu pedi ajuda para ele compartilhar o caso, porque estava sem resposta. Ele compartilhou, achou um absurdo também, e aí repercutiu muito. Com a repercussão, o tatuador veio me procurar falando que achou a foto no Pinterest [rede social de compartilhamento de fotos], achou bonita e tatuou durante o evento", disse.

"Na rede social tem o nome do fotógrafo. Ele podia ter entrado em contato com ele. E a pessoa que tatuou, o tatuador disse que nem conhece. Como que alguém tatua a imagem do meu filho sem saber quem é ele? Isso é desumanizar demais a criança. Meu filho foi parido por alguém. Ele não é filho de ninguém, filho de chocadeira. Ele tem mãe, pai, tem família", ressalta.

Ainda conforme a mãe, ela procurou um advogado e vai entrar com uma ação contra o uso da imagem do filho.

"Eu acho surreal alguém pegar foto do meu filho, seja em contexto que for, e tatuar em uma pessoa que sequer conhece ele. Então, dane-se se foi uma arte. Meu filho não é para ser comercializado, tatuado em corpos. Isso não tem possibilidade de ser aceito por mim. É um absurdo. Vou até o final. Não concordei, não achei bonito."

"Não tem possibilidade de aceitar esse tipo de coisa. Nossos meninos não são públicos, têm família. Não são filhos de chocadeira. Vocês cansam de ver por aí tirar fotos de crianças em comunidades na África sem autorização da família. Está na hora de acabar."

Foto do filho de Preta Lagbara tirada pelo fotógrafo Ronald Santos Cruz — Foto: Ronald Santos Cruz

O que diz o fotógrafo

Em seu perfil no Instagram, o fotógrafo Ronald ressaltou que não foi consultado pelo tatuador sobre o uso de sua foto.

"Como um cara branco deixa um tatuador tatuar uma imagem de uma criança negra que nunca viu na sua vida em seu corpo? Eu sou um cara que sempre fotografo muitas crianças e, uma hora ou outra, sempre chega um artista que pergunta se pode usar meu trabalho como referência. Eu sempre digo que vou ver com os pais quando não tem fins lucrativos. Mas essa tatuagem foi tão perversa, sem explicação", disse.

"Segundo o tatuador, ele achou a foto no Pinterest e achou que fosse pública, e resolveu tatuar a criança num corpo branco. A gente está em 2022 e, se voltarmos lá atrás, vemos que muita coisa não mudou. Como se nossos corpos, nossos rostos, não tivessem donos. E olhar o caso como esse é do mínimo absurdo. Primeiro, tem os direitos autorais de pegar a foto. Segundo, é a imagem de uma criança. Terceiro, participa de um prêmio com a foto de uma criança que achou bonito e vai lá tatua. É sem lógica."

Ainda conforme Ronald, ele está com apoio jurídico e vendo a melhor opção para tratar do caso. "No mínimo curioso porque é sem noção. Caso inédito de ter foto virar tatuagem sem permissão."

O que diz o tatuador

O advogado de defesa do tatuador, Gabriel Rodrigues, disse que o tatuador não teve má-fé e pediu desculpas para a família.

"Vamos tentar fazer um acordo e resolver a questão de forma pacífica. Estamos em tratativas, e existe esse diálogo já. Ele nunca pretendeu prejudicar ninguém. Realmente, tem toda uma questão artística e vamos tentar dialogar. Caso não se resolva no diálogo, vamos responder ao processo que poderá ser aberto", afirmou.

Em nota publicada em sua rede social, o tatuador também se retratou com a comunidade preta. Veja a nota na íntegra.

"O artista Neto Coutinho vem através do presente comunicado posicionar-se oficialmente acerca da tatuagem em que retrata a imagem de uma criança, a qual teve intensa repercussão na data de 28/11/2022.

Assim sendo, o referido artista SE RETRATA expressamente sobre a reprodução da fotografia efetuada por Ronald Santos Cruz. No que se refere a criança representada pela tatuagem, o artista Neto Coutinho encaminha seu profundo pedido de desculpas, principalmente aos pais, familiares e a própria criança.

Há de se evidenciar que, no caso em apreço, o artista Neto Coutinho pautou a execução da tatuagem sem o nível de informação necessária, reconhecendo o equívoco cometido, mas - sobretudo - sem qualquer intenção de trazer prejuízo para quem quer que seja.

A par disso, assenta-se o total interesse e disponibilidade de o artista em menção resolver possíveis pendências juntamente com o fotógrafo e com a genitora da criança representada na imagem, principalmente diante da importância de todas as questões que circundam o caso.

Em seu turno, o artista Neto Coutinho também se retrata frente a comunidade preta, a qual - inclusive - faz parte, basta uma breve análise de sua fisionomia/traços através de fotos em seu perfil do Instagram.

De fato, a jornada de qualquer pessoa é marcada por erros e acertos, de modo que - por parte do artista Neto Coutinho - haverá um canal contínuo de diálogo junto aos envolvidos para a minimização de eventuais danos sofridos."
Fonte:G1

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