![]() |
O padre condenado, Luiz Carlos Lodi da Cruz, da Diocese de Anápolis, Goiás, acusou o médico de “matar criancinhas” e “assassínio”, nas redes sociais. (G1 Goiás | Reprodução) |
O médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho, de Pernambuco, que fez o procedimento previsto em lei que interrompeu a gravidez de uma menina de 10 anos estuprada pelo próprio tio em São Mateus, no Norte do Espírito Santo, ganhou uma ação por danos morais contra um padre que o acusou de assassinato. O caso ocorreu em 2020 e a decisão, que condenou o religioso a pagar R$ 10 mil de indenização, foi proferida no último dia 2 de março.
De grande repercussão em todo o país, o caso gerou muitas manifestações contra o direito ao aborto para a menina estuprada. Na época, a família da criança foi pressionada por um grupo de religiosos para que ela não fizesse o procedimento.
O juiz da Vara da Infância e da Juventude de São Mateus (ES), Antonio Moreira Fernandes, que autorizou o procedimento, também criticou os movimentos de caráter religioso.
Segundo informações do G1 Goiás, o padre condenado, Luiz Carlos Lodi da Cruz, da Diocese de Anápolis (GO), foi um dos que se manifestou contrário o aborto legal. Em uma publicação nas redes sociais, ele acusou o médico de “matar criancinhas”.
Na sentença, o juiz Adriano Mariano de Oliveira, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), entendeu que houve constrangimento moral e fixou a indenização por danos morais em R$ 10 mil. O processo ainda cabe recurso.
“Apesar da liberdade de expressão, não se pode imputar a outra pessoa comentários ofensivos que abalem sua imagem pessoal e profissional baseados em temas polêmicos que inclusive dividem opiniões”, escreveu o juiz.
Em juízo, a defesa do padre alegou que, no texto que gerou a ação, fez uma crítica ao procedimento abortivo no Brasil, “qualquer que seja”, e ponderou que usou a palavra “assassínio” e não “assassino”.
Ao G1, a Diocese de Anápolis disse, em nota, não se manifestará sobre o caso e que, apesar do padre ser incardinado da Diocese, “suas ações são de cunho individual”.
Publicação feita por padre
Em uma publicação feita na página do Facebook da Associação Pró-Vida, da qual ele é presidente, o padre descreveu detalhes do abuso sexual sofrido pela menina e também do aborto. No texto, Luiz Carlos também acusa o médico de “matar criancinhas”. Veja trecho:
“Tinham 22 semanas e quatro dias de vida (quase seis meses) e estava no útero da menina quando foi cruelmente assassinada [...]. O assassínio começou às 17 horas de domingo (16/08/2020) e só terminou às 10 horas de segunda-feira. Sem nome, sem registro civil, sem Batismo, a filhinha de [inicial da criança] foi tratada como lixo hospitalar, material biológico descartado. O autor deste segundo crime, o médico [nome do médico], está em liberdade”.
“Não é esta a primeira vez que Dr. [nome do médico] mata criancinhas. O caso mais famoso foi o aborto de duas meninas gêmeas, por ele praticado no mesmo hospital em 2009, dentro do útero de uma menina de Alagoinha (PE), de nove anos de nascida”, escreveu.
Relembre o caso
A gravidez foi confirmada após a menina de 10 anos dar entrada no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, no dia 7 de agosto de 2020. A gestação foi originada de seguidos estupros praticados por um tio. O homem, que tinha 33 anos à época, foi preso pelo crime.
Uma semana depois, no dia 14, a Justiça estadual, por meio da Vara da Infância e Juventude de São Mateus, autorizou que a menina poderia interromper a gestação.
De acordo com documento obtido por A Gazeta na época, a criança estava grávida de aproximadamente 22 semanas. A menina chegou a ser internada no Hospital das Clínicas, em Vitória, mas uma equipe médica se recusou a fazer o aborto autorizado pela Justiça, alegando que "a idade gestacional não está amparada na legislação vigente."
De Vitória, ela foi transferida para o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros, no Recife, em Pernambuco, onde foi realizado o procedimento de interrupção da gravidez, pelo médico Olimpio Barbosa de Morais Filho.
Segunda condenação do padre
De acordo com o G1 Goiás, essa não é a primeira vez que o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz é condenado em decisões relacionadas a casos de aborto. Em 2008, uma jovem entrou na Justiça contra ele após ter o procedimento legal impedido por ele. O religioso pediu um "habeas corpus" para o feto, alegando que os pais iriam praticar um homicídio. Na ocasião, o pedido foi aceito pela Justiça.
Em 2020 a Justiça encerrou, em favor da mulher, o processo por danos morais que abriu em Goiás. O padre foi considerado responsável pelos traumas impostos à vítima e condenado a pagar uma indenização de quase R$ 400 mil.
Direito ao aborto
No Brasil, o aborto é previsto em lei (artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940) quando a gestação é resultado de estupro, quando a gravidez é de risco para a vida da gestante e quando o feto é anencéfalo (não possui cérebro).
*Com informações do G1 Goiás