Pais separados podem pedir para ver menos os filhos? Entenda a lei

Ex-marido de Shakira fez esse pedido à Justiça após a cantora colombiana se mudar no mês de abril para Miami, levando os herdeiros com ela

Foto: Divulgação

Uma notícia que repercutiu na mídia internacional foi a de que o ex-marido da cantora Shakira, o atualmente empresário Gerard Piqué, pediu para alterar os dias de visita aos filhos, o que acarretaria em vê-los com menor frequência.

A questão foi justificada pela assessoria do ex-zagueiro no sentido de que ele não tem disponibilidade para passar os dez dias nos Estados Unidos, por conta de compromissos profissionais. Por esse motivo, Piqué pediu uma redução do tempo que pode passar com os filhos para um período de cinco ou seis dias.

O caso chegou a este ponto, pelo que foi informado, porque a cantora se mudou no mês de abril para Miami, levando os herdeiros com ela.

Mas e no Brasil: é possível que um dos genitores peça para ver menos os filhos? Para entender melhor se a legislação brasileira permite, a reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas em Direito de Família.

De acordo com o advogado Tomás Baldo, os casos são avaliados individualmente, atentando para particularidades.

“O Ministério Público questionaria o motivo para entender a situação. Se for apresentado um motivo concreto e que resguarde, à medida do possível, o princípio do melhor interesse do menor, isso pode ser acatado. Não dá para tirar conclusões a partir de uma manchete e dizer que a pessoa, como no caso o ex-jogador Piquè, está negligenciando os deveres parentais. Existem situações na vida cotidiana que podem justificar um convívio um pouco menor”, afirmou.

Deste modo, a questão pode variar muito, por exemplo, quando há circunstâncias em que pai ou mãe trabalha embarcado. “A convivência acontecerá no período em que estiverem desembarcados e pode ser que eles embarquem durante 20 dias. Há situações específicas em que o genitor ou genitora vai informar ao Judiciário que existe uma realidade que impede que a convivência seja maior”, acrescentou.

No caso específico que foi noticiado, para Tomás, como Piqué pediu pra conviver menos por uma questão de trabalho e distância, pareceu plausível que o Poder Judiciário definisse para ele uma convivência diferenciada.

Também no entendimento da advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões e professora universitária, Bruna Pereira Aquino, existem alguns pais ou mães que, devido ao local em que residem ou à profissão, convivem com os filhos menores em tempo reduzido.

“Isso tudo deve ser levado em consideração pelo juiz quando é regulamentado um regime de convivência, pois deve ser considerada a realidade fática daquele núcleo familiar. Já a negligência ou simples descaso do genitor em conviver com o filho são práticas que podem ser advertidas pelo magistrado responsável pelo julgamento do caso”, disse.

“Não se deve falar em visita, mas em direito à convivência”, dizem os juristas

Apesar de ser comum ouvir que o pai ou a mãe que não detém a guarda do filho tem, no entanto, direito a realizar visitas, o correto, juridicamente, é falar em “direito à convivência” com o filho, seja criança ou adolescente.

Segundo Aquino, há hoje o entendimento de que a terminologia correta não seria mais “visitação”. Quando se fala em visita, passa-se a impressão de que o genitor que não reside mais todos os dias com o filho, vai ser “uma visita”.

“Não funciona assim. Ele não vai ‘pegar’ o filho no fim de semana e ‘devolver’. O direito à convivência é um direito da criança e do adolescente de conviver com seus genitores, para preservar os laços de afetividade, evitando a ruptura entre pais e filhos e com a família extensa, que também inclui os avós, tios e primos, por exemplo. A legislação brasileira estabeleceu que após o rompimento de um relacionamento afetivo, os frutos têm o direito de continuar convivendo com aquele genitor com quem não mora mais todos os dias”, explicou.

Baldo diz o mesmo. “Pai e mãe convivem com os filhos, não só visitam. A maneira correta de tratar a questão é o direito de convivência, direito recíproco das crianças de conviverem com os pais e dos pais de conviverem com os filhos. Não existe na legislação um período base para que isso ocorra, acaba ficando a cargo da prática”, pontuou.

“Hoje em dia, em condições normais, pais e mães que residem na mesma cidade, que não têm dificuldade de locomoção, ou limitações por trabalho, o mais comum é que convivam com os filhos em fins de semana alternados, pernoites semanais com o genitor que não é o guardião direto, além de divisão de feriados, férias escolares, aniversários dos pais e das crianças, mas a lei não especifica limite de tempo”, acrescentou Tomás.

Pais podem entrar em acordo

Os juristas acreditam que há vantagens para a criança no diálogo e no consenso entre os pais que não moram juntos. Se entram em acordo, podem estabelecer dinâmicas diferentes das que o Judiciário criou, mas o principal elemento, segundo eles, é sempre o princípio do “melhor interesse da criança”.

Para Aquino, o ideal seria que o próprio casal fosse capaz de estabelecer uma regra de convivência entre a criança e aquele pai ou mãe que não tenha mais a guarda todos os dias.
“Porém, sabemos que em uma situação litigiosa isso nem sempre é possível. Então as partes fazem pedidos ao juiz e ele, não havendo consenso, estabelece como será a convivência com quem não reside mais, a partir de critérios mínimos - quantos dias em que a criança vai estar na convivência do outro genitor”, esclareceu.

Bruna acrescentou que se for o caso de um ex-casal que é capaz de dialogar, a convivência pode ser ampliada ou invertida por vezes. Não havendo essa possibilidade, os parâmetros são definidos pelo juiz e os pais têm que cumprir.

Já o advogado Tomás Baldo ressalta que há limites para o consenso entre os pais, já que eles não podem acabar atrapalhando a rotina da criança ou do adolescente.

“Imagine que os pais querem conviver com os filhos de forma alternada: uma semana na casa de um, outra em outro. Isso não é bem visto, mesmo havendo consenso entre os pais, e pode ser negado na Justiça. Isso porque pode representar um prejuízo à criança em termos de tempo e espaço. De todo modo, o filho tem o direito de conviver na medida do possível com o outro genitor e essa convivência tem que ser tão ampla e saudável quanto possível. Não pode prejudicar a escola, nem trazer prejuízo à rotina”, pontuou Baldo.

Quando há negligência do pai ou mãe que não moram com o menor?

Baldo tratou de um tema delicado, trazendo o caso em que o pai ou mãe não fazem questão de ver o filho, ou mesmo do pai ou mãe que é impedido pelo ex-cônjuge de ver o menor.

“Uma vez fixado o regime de convivência, existem de fato dificuldades práticas de genitores que não conseguem ver seus filhos: seja porque o outro impede, e nesses casos é sempre possível acionar a Justiça requerendo que o juiz determine o regime de convivência estabelecido. E o inverso: quando o genitor não quer ver o filho; e isso traz uma dificuldade tremenda, porque vem a busca de uma medida judicial para tentar obrigar o genitor a ver a criança”, refletiu.

No caso de simplesmente não querer ver o filho, é possível falar em negligência a um dos deveres que decorrem do poder familiar, retirando do menor o direito de convivência. Esta questão pode ser abordada judicialmente, segundo Baldo, mas, na prática, terá muita dificuldade.

“É complicado compelir o genitor a conviver com o filho quando ele acaba desrespeitando o regime de convivência, no sentido de não ir atrás deste filho. É uma dificuldade prática antiga, havendo, do outro lado, mães ou pais que ficam realmente pedindo providência do juiz: ‘olha, o pai do meu filho não vê a criança e ela fica perguntando’. Em termos práticos, é muito difícil forçar essa convivência”, acrescentou.

Fonte: Folha Vitória

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