VÍDEO mostra ambulante vivo implorando por socorro a motorista de app, que nega ajuda

Matheus Campos, de 21 anos: ambulante morreu ao ser atropelado por motorista de aplicativo em SP Reprodução

"É mentira, ele é um bandido, tinha que estar preso. Meu irmão implora para ser retirado debaixo do carro e ele não ajudou. Falou que só ia retirar o carro quando a polícia chegasse para o meu irmão não fugir. Debochou da morte dele enquanto meu irmão estava todo machucado, com politraumatismo, lutando pela vida. Por que não está preso? A gente não criou bandido". 

O desabafo é de Paloma Campos, de 28 anos, que diz que lutará, até o fim, por justiça pela morte do irmão caçula. Matheus Campos Silva, de 21 anos, morreu após ser atropelado pelo motorista de aplicativo de transporte Christopher Rodrigues, de 27 anos, em 25 de abril deste ano, na região central de São Paulo. Depois de atropelar o jovem, a quem acusa de ter roubado um celular, Rodrigues postou vídeos debochando de Matheus, acrescentou que era "menos um fazendo o L" — em alusão a eleitores do presidente Lula — e que a vítima iria para o inferno.

Paloma afirma que a família vai reunir imagens e depoimentos para provar que o irmão estava agonizando enquanto Christopher fazia piada e sugeria que Matheus era assaltante. No trecho de vídeo inédito enviado ao GLOBO, é possível ver claramente Matheus desesperado. As imagens foram publicadas pelo próprio suspeito em um grupo de motoristas de aplicativo de São Paulo do qual fazem parte duas pessoas da família da vítima. Nelas, Matheus responde às provocações de Christopher, que diz: "E aí, comédia, vai roubar trabalhador, vai roubar, cuzão? Não vai sair daí não até chegar a polícia". Matheus ainda consegue mexer com os dedos fazendo sinal negativo e repete "não" várias vezes diante das acusações de roubo.

Em seguida, em suas redes sociais, o próprio Christopher postou a filmagem feita por ele desde o momento do atropelamento até a ida para a polícia dentro da viatura. Nelas, esse trecho que agora vem à tona não aparecia. Nessas imagens, que já foram retiradas do ar pelo suspeito, não era possível ver de forma tão nítida que o rapaz pediu ajuda. Em seu depoimento à polícia, Christopher disse que dirigia a cerca de 50Km/h, que não teve intenção de atropelar a vítima e que parou para prestar socorro.

A irmã conta que Matheus é o único homem da família. Segundo ela, ele morava com a mãe Gina Campos, que sofre de doença renal e precisa fazer hemodiálise com frequência. Paloma conta que ele ajudava a família, que parou de estudar na 8ª série e que trabalhava vendendo balas na rua. Quando souberam do atropelamento, elas estavam no velório e achavam que a morte tivesse ocorrido enquanto cumpria a rotina de ambulante. A irmã comenta a denúncia de que ele teria tentado roubar um celular pouco antes de ser atropelado.

— Ele (Christopher) preferiu matar o meu irmão. A gente nem sabe o que aconteceu, não tem câmeras no local para saber exatamente o que aconteceu. Quando a gente soube, meu irmão estava morto no hospital como indigente, tratado como se fosse um morador de rua e, pior, um bandido. Em vez de investigar homicídio, o delegado falou que foi só acidente. Quer dizer que a vida das pessoas não vale nada? Quer dizer que, quando um morador de rua for atropelado, ninguém vai fazer nada? A pessoa que atropela ainda vai fazer vídeo de deboche, postar nas redes sociais, em grupos do Uber e sei lá onde mais e posar de herói? Que mundo é esse em que as pessoas enaltecem alguém que matou outra pessoa e se vangloria disso? — questiona Paloma.

Paloma e Matheus: irmãs contam que rapaz era alegre e muito próximo da família — Foto: Arquivo pessoal

De acordo com ela, assim que tiveram acesso às circunstâncias exatas da morte de Matheus, todos foram até a delegacia tentar falar com o delegado de plantão ainda na sexta-feira (25/04) e entregar cópia das imagens e ajudar a localizar testemunhas. Paloma conta que não foram atendidas e que só deverão ser recebidas na polícia na próxima quinta-feira (04-05). No entanto, Christopher foi ouvido e liberado. O inquérito investiga furto — devido à informação de que ele teria furtado um celular — e mortes suspeita. O fato de Christopher não ter sido detido e indiciado por homicídio causou comoção nas redes sociais.

'Ele pedindo socorro e aquele monstro não deixando ninguém socorrer'

Talita Mayara Castro Campos, de 32 anos, outra irmã de Matheus, também conta que não conseguiu assistir ao vídeo onde o irmão aparece ainda vivo, enquanto o motorista o chama de ladrão e se nega a pedir socorro.

— Eu não consegui ver esse vídeo dele debaixo do carro pedindo ajuda. Não consegui. Ele pedindo socorro e aquele monstro não deixando ninguém socorrer — conta Talita. — Foi tudo num dia só. Depois da morte do meu irmão, ele já começou a postar os vídeos e nós recebemos as imagens através de parentes e amigos na hora do enterro. Foi um baque ainda maior.

Emocionada, Talita lembra de como era o irmão, seu melhor amigo.

— Ele era meu melhor amigo. Meu irmão não era ladrão, era vendedor ambulante, uma pessoa boa de coração e, ainda assim, mesmo que fosse, nada justificaria o injustificável — diz a irmã. — A gente conversava muito, ele era muito brincalhão, zoava todo mundo. Na rua, ele era um cara muito educado. Estava sempre correndo atrás. Cada dia ele trabalhava vendendo alguma coisa. Quando as capinhas de celular acabavam, ele comprava água, quando acabava, ele comprava outro produto. E sempre em pontos diferentes, então a gente nem conseguia saber por onde ele estava.

Por fim, a irmã afirma que a família irá buscar justiça pelo que o motorista de aplicativo fez, antes e após a morte do rapaz. Tanto na justiça, quanto na polícia.

— A justiça do homem pode falhar, mas a de Deus não — conclui.

Christopher Rodrigues, de 27 anos, disse que atropelamento foi 'sem querer', mas chegou a comemorar morte de jovem — Foto: Reprodução

Procurado nesta segunda-feira, o delegado Percival Alcântara, do 5º Distrito Policial (Aclimação), que ficará responsável pelo caso, explicou, entretanto, que as investigações deverão ser ágeis, com previsão de serem encerradas ainda esta semana, e terão o objetivo de determinar se houve homicídio culposo, quando não há intenção de matar, ou doloso. Sobre os vídeos publicados pelo acusado, o policial — que classificou a conduta de "postagens infelizes" — afirmou que não se precipitaria na avaliação sobre possível crime associado ao fato de Christopher ter divulgado humilhantes da vítima.

— As pessoas pediam para ele socorrer meu irmão. Ele fala para umas universitárias da USP que pararam na hora: "olha aí os direitos humanos". Eu não sei o que o meu irmão estava fazendo, mas independentemente de qualquer coisa, ele deveria ter chamado a polícia, buscado socorro para ele. No boletim de ocorrência conta que não foi ele que chamou o Samu, foram terceiros. Enquanto os bombeiros faziam massagem cardíaca no meu irmão, o Christopher ria — diz Paloma, lembrando que o irmão era carinhoso e fazia tudo pela mãe. — Nós somos uma família humilde, de Capão Redondo, mas minha mãe e meu padrasto sempre trabalharam. Tivemos escola e nunca faltou comida. Ninguém tem antecedentes criminais na família. Não é porque a gente é humilde que tem que ser bandido. Meu irmão também não tinha antecedentes. Ele disse que meu irmão estava roubando celular. Ele viu? Tudo isso tem que ser investigado. Minha mãe ia agradecer se o Matheus fosse preso, se tivesse feito alguma coisa, ele teria a chance de se recuperar, levar uma vida diferente. Agora ele vai tentar pintar o meu irmão como a pior pessoa do mundo para se livrar do crime que cometeu.

Segundo a irma, Paloma, um advogado já foi contatado para representar a família no inquérito e buscar provas provas contra Christopher Rodrigues. Pelo menos uma pessoa próxima passou pelo local do acidente e reconheceu Matheus. Os parentes acreditam que serão identificadas testemunhas que vão ajudar a reconstituir o crime.

— Ele falou que era "menos um". E muita gente está enaltecendo um criminoso. Mas se esquecem que por trás da vítima tem a família de alguém, que era amado por sua família.

Em um trecho vídeo que publicou em suas redes sociais, Christopher Rodrigues acusa a vítima e comemora o atropelamento fatal: "Infelizmente, Lúcifer Morning Star (referência a personagem da DC Comics inspirado em figura satânica) recebeu mais um membro da equipe. Agora eu vou para a delegacia assinar um assassinato. Mentira, Deus é mais. Eu acho engraçado que logo em seguida já chegou Direitos Humanos, as meninas da PUC de Direito, falando 'Tira o carro de cima do cara'. Eu: 'Não, vai ficar aí até a polícia chegar' (...) Não posso tirar o carro, senão o cara foge". O motorista, que foi excluído nesta terça-feira (02-05) das plataformas Uber e 99, ainda parece satisfeito com a chegada de veículos de imprensa e diz "Mais TV, acho que vou ficar famoso".

A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Christopher Rodrigues. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo também não forneceu informações sobre o andamento do inquérito.



Fonte: O Globo



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