INSPIRAÇÃO | Conheça a história do casal que adotou cinco filhos e criou instituto para cuidar de crianças com neuropatia


Instituição foi inaugurada no início do mês e atende, inicialmente, 20 meninos e meninas de baixa renda

Muito amor envolvido: Thiago de Paiva Nunes e Luciana Villela com seus seis filhos, sendo as cinco crianças adotadas. Como a família cresceu, o casal precisou adaptar a rotina e mudar de endereço e de carro — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

Em volta da árvore de Natal, em frente a um quadro de Jesus Cristo negro, cinco crianças se alvoroçam em abraços na mãe, Luciana Villela, de 48 anos, no pai, Thiago de Paiva, de 43, e no irmão mais velho, Yago, de 20. São 15 minutos de agitação para fazer uma foto. Apela-se a jogos como “pedra, papel ou tesoura” e “zerinho ou um” para manter, entre risadas e implicâncias, as meninas e os meninos distraídos. É a essência de uma família construída pelo encontro de afetos, em meio às reviravoltas da vida. Adotados pelo casal, os pequenos ganharam o aconchego desse lar quando os pais e o irmão mais velho aprendiam a lidar com as dores do luto. E hoje, os oito juntos são a representação do espírito de comunhão que se celebra a cada 25 de dezembro.

No primeiro desses laços a se formar, no início do casamento, Thiago e Luciana planejaram ter filhos biológicos. Mas uma incompatibilidade genética impedia o desenvolvimento do feto. Thiago já tinha Yago, fruto de outro relacionamento. Entre as opções para aumentar a família, a adoção foi a escolhida. Em 2014, eles puseram o nome na fila por uma criança de 0 a 5 anos, saudável, com até um irmão, sem preferência de gênero e raça. Dois anos depois, a vez do casal ainda não havia chegado. Ansiosa, Luciana decidiu ir até a vara de infância da região onde morava para saber como estava o processo. Lá, soube da história de Alice, uma bebê de 9 meses diagnosticada com microcefalia:

— Eu pensei: “como assim tem uma bebê e ninguém quer?”. Liguei para o Thiago, acreditando que ele me acharia doida. Mas, não. Ele incentivou. Disse que o melhor lugar para ela crescer era ao nosso lado. Quando a encontramos pela primeira vez, tivemos certeza: era a nossa filha.

A adoção de Alice marcou a primeira transformação da rotina do casal. A bebê exigia cuidados específicos, como terapias, estímulos físicos, visuais e sonoros. O empenho do casal foi tamanho que Thiago pediu demissão de um dos empregos para se dedicar integralmente à menina.

Durante os tratamentos da filha, o casal conheceu a realidade da maioria das crianças neuropatas: a falta de assistência e de condições financeiras fazia com que grande parte delas crescesse sem acompanhamentos adequados, acelerando processos de atrofia, de inércia e de abandono. De forma beneficente, o casal decidiu criar, em 2018, um instituto destinado a elas, onde pudessem encontrar atendimentos específicos para os diagnósticos. O nome foi homenagem à filha: Instituto Alice.


Perda repentina

No desenvolvimento do projeto, o casal investiu, com ajuda de parentes e amigos, em eventos para arrecadação de fundos. A inauguração aconteceria em fevereiro de 2019, quando Alice completaria 4 anos. Naquele mês, a família percebeu uma mudança na menina, que não comia e estava perdendo peso gradativamente. Um exame detectou a necessidade de uma cirurgia gástrica, a princípio, sem complexidade. Em dez dias, ela morreu em decorrência de uma infecção.

— A Alice foi arrancada de nós do nada. Para a gente, ela viveria até os 20 anos. Foi duro, entramos em um processo de luto longo. O instituto ficou parado, a gente não tinha forças. A nossa vida era a Alice, tudo era sobre ela. De repente, o abismo. Mas papai do céu já havia cuidado de tudo. E estava esperando o tempo certo de revelar seus propósitos — conta Thiago.

Um deles foi a chegada de Ygor, um mês antes da morte de Alice. O casal, mesmo com a menina, havia decidido manter o nome na lista de adoção e, quase cinco anos depois, foram chamados para conhecer um bebê recém-nascido. O processo foi rápido e, em pouco tempo, a família ganhou mais um integrante.

Em 2020, enquanto curavam o luto e aprendiam a cuidar do menino, dedicaram um tempo a fazer doações a abrigos, principalmente o de origem dos filhos. Em uma das visitas, Luciana conheceu a história de quatro irmãos. A decisão do juiz era para que fossem adotados juntos. Angustiada, ela voltou para casa e compartilhou os relatos com Thiago.

— Ela chegou falando das crianças, mas sem dizer que queria ficar com elas. Foi aí que brinquei: “Luciana, quem é doido de adotar quatro irmãos? Só a gente; elas já são nossas”. Nós nos olhamos e ficamos pensando: “e se?” E decidimos voltar para a fila, dessa vez, aceitando até quatro de uma vez só — lembra Thiago.

Foram mais dois anos de espera até serem chamados. Havia uma expectativa de que algum parente biológico procurasse as crianças, o que não aconteceu. Esgotadas as alternativas com a família de sangue, os primeiros a conhecerem os irmãos foram Thiago e Luciana, que, de imediato, começaram o processo de convivência. Um ano depois, em 4 de dezembro, dia do aniversário de Thiago, elas foram adotadas oficialmente.

— O juiz me ligou e me disse: “vocês são os primeiros da fila”. Comecei a chorar. Eu só sabia dizer: “eu preciso ir buscar meus filhos” — diz o pai.

Com cinco crianças, o casal precisou mudar de endereço, de carro; enfim, de rotina. Priorizou um lugar em que a maioria das coisas pudesse ser feita a pé, principalmente a ida à escola. A nova casa, além de desenhos e brinquedos, guarda a memória de Alice, sorridente nos porta-retratos.

— Ela foi embora precocemente, mas deixou um legado de amor em nossos corações. Abriu a porta para que recebêssemos mais filhos — emociona-se Luciana.


Nova retomada

Desde a morte de Alice, o instituto havia ficado fechado, com equipamentos se deteriorando. Na metade de 2022, o casal resolveu voltar a se dedicar ao projeto, reformando aos poucos o espaço, que tem capacidade para cem crianças diagnosticadas com neuropatias diversas. A inauguração aconteceu no último dia 3 de dezembro, cinco anos após a idealização. Inicialmente, 20 crianças serão atendidas, todas de baixa renda.

No instituto, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, há tratamento fonoaudiológico, psicológico, pedagógico e com terapias sensoriais, incluindo em uma piscina, adaptada com elevador.

Fonte: O Globo



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