Morto no dia em que seria solto, preso por engano teve atendimento negado


Briner de César Bitencourt tinha 23 anos — Foto: Arquivo pessoal

Na noite em que Briner César Bitencourt, de 22 anos, passou mal dentro da Unidade Penal de Palmas, em 9 de outubro de 2022, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi chamado duas vezes. Na primeira, o presídio negou que ele fosse transferido para uma unidade hospitalar. Áudios inéditos dos chamados reforçam a versão da defesa da família do jovem, que alega omissão de socorro.

Briner passou mal e morreu na madrugada do dia 10 de outubro, em uma unidade UPA da região sul de Palmas. No mesmo dia saiu a ordem de soltura, após ele ser inocentado das acusações de tráfico de drogas.

Nas conversas é possível perceber que os socorristas alertaram as equipes do presídio sobre a necessidade de Briner passar por atendimento de um profissional. Em um dos áudios, a servidora do Samu afirma que o presídio queria que esperasse até do dia seguinte para que ele fosse avaliado.

Conversa de equipe do Samu sobre decisão de manter Briner em presídio — Foto: Reprodução

Em trecho da conversa, o Samu alerta ao médico da central sobre o caso. "A gente está com o Briner, 22 anos, no momento com queixa também contínua de náuseas, êmese [vômito], dor abdominal, astenia [fraqueza]. A equipe de saúde aqui do presídio preferiu aguardar até amanhã cedo, quando o médico vier para avaliar ele[...]".

Com a decisão, o médico da central alerta: 'Olha, o preso, ele hipotenso, ele deve ir para a UPA e ser avaliado pelo médico lá, tá. Hipotenso tem que ir para a UPA".

Em resposta, a servidora disse que informou quais os riscos, mesmo assim a equipe do presídio preferiu manter Briner na unidade. "Segundo eles, tem a enfermeira e o técnico aqui no local, e ele já tomou a medicação. Segundo eles, tem a medicação na cela para dor e eles vão ficar sobre avaliação. Se por ventura ver que ele vai rebaixar ou qualquer coisa do tipo, eles entram em contato novamente. Ciente sobre, né, a responsabilidade", afirmou a atendente.

Esse diálogo foi registrado após o primeiro atendimento feito a Briner, na noite do dia 9 de outubro. Segundo foi informado pela Secretaria de Cidadania e Justiça (Seciju), o atendimento ao jovem teria sido imediato.

Porém, vídeos que o g1 e a TV Anhanguera tiveram acesso mostram que os próprios detentos chamaram a atenção dos policiais penais para avisar que o jovem estava passando mal. Eles ficaram pelo menos meia hora batendo nas grades até os servidores do presídio chegarem à cela de Briner.

Socorro a Briner levou pelo menos 30 minutos entre alerta dos detentos e chegada de policiais penais, segundo imagens — Foto: Reprodução

Na segunda ligação da equipe de saúde do presídio ao Samu, já por volta de meia-noite do dia 10 de outubro, foi informado ao Samu que Briner não havia melhorado. O enfermeiro avisa que a pressão do jovem estava 8 por 4, considerada baixa.

O médico do Samu pergunta se agora eles aceitam que ele seja levado para a UPA e o servidor confirma. À 0h13 a ambulância deixa o local levando Briner para atendimento na UPA. Ele morreu horas depois, às 4h.

Por causa das circunstâncias da morte de Briner, no dia 25 de maio, a advogada Lívia Machado protocolou ação pedindo indenização do Estado para a família do jovem.

Prisão indevida

Briner trabalhava como entregador de lanches em Palmas. Ele ficou preso injustamente durante um ano, acusado de tráfico de drogas. A sentença que decretou a inocência e liberdade dele saiu na sexta-feira, 7 de outubro. Mas o alvará de soltura só foi emitido na segunda-feira à tarde, dez horas depois do jovem morrer na UPA.

Além desse novo processo, o inquérito policial que investiga a morte de Briner nunca foi concluído. Segundo a advogada, o caso corre em sigilo e por isso ela não conseguiu mais detalhes sobre essa investigação.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o inquérito está em andamento e que se trata de caso de alta complexidade e que demanda tempo para apuração. (Veja nota na íntegra ao final da reportagem)

Uma sindicância interna - procedimento administrativo - que apurava a conduta dos policiais penais do presidio foi arquivada porque, segundo a Seciju, não foi encontrado indício de infração disciplinar ou ilícito penal. A pasta afirmou ainda que prestou todo o suporte médico necessário ao custodiado. (Veja nota na íntegra ao final da reportagem)

Justiça assumiu falha no processo

Briner foi preso em outubro de 2021 pela acusação de tráfico de drogas durante uma batida policial na casa onde alugava um quarto. Todo o tempo em que ficou preso, tentou provar sua inocência. Antes de ir para a prisão injustamente, ele trabalhava como entregador por aplicativo e fazia vídeos para as redes sociais sobre rua rotina como como motoboy.

A sentença que determinou a inocência do jovem saiu no dia 7 de outubro, mas ele estava na unidade penal porque ainda não tinha um alvará de soltura. O documento só saiu no dia 10 de outubro, mas Briner já estava morto.

O Tribunal de Justiça foi questionado sobre o atraso na liberação do alvará de soltura e por nota informou que o processo obedeceu ao trâmite normal, 'sem qualquer evento capaz de macular ou atrasar o andamento do feito'.

Depois da repercussão do caso, o Tribunal de Justiça Tocantins assumiu que houve falha no processo de Briner. "Houve falha. [...] Houve um erro terrível e isso é incompatível com a mais elementar ideia de Justiça. A expectativa é que o estado tocantinense, como um todo, assuma isso perante a família", disse o juiz auxiliar do Tribunal de Justiça do Tocantins, Océlio Nobre da Silva.

Briner adoeceu na prisão, mas a família do motoboy nunca recebeu informações sobre o estado de saúde dele. Segundo a Seciju, a pasta seguiu protocolo e isso ocorreu "devido ao sigilo médico/paciente, os atendimentos realizados durante à custódia não são informados". Depois da repercussão, a pasta disse que "criará uma comissão multidisciplinar para reavaliar os protocolos de comunicação à família".

O laudo da morte do motoboy foi concluído pela Polícia Científica em novembro de 2022, apontando que o jovem teve diversos problemas pulmonares que levaram ao óbito. Segundo o documento, Briner teve tromboembolismo pulmonar, infarto pulmonar, Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) e pneumonia bacteriana.

Quase um mês após a morte, a mãe do jovem ainda recebeu um e-mail marcando uma visita ao filho na unidade. A mensagem foi encarada como uma piada de mau gosto e a secretaria abriu uma sindicância para apurar o fato que tratou como “grave falha”.

O que dizem as secretarias de Segurança Pública e Cidadania e Justiça

Veja nota da SSP na íntegra:

A Secretaria da Segurança Pública do Tocantins (SSP-TO) informa que o inquérito policial aberto para apurar a causa da morte de Briner de César Bittencourt está em andamento. Trata-se de caso de alta complexidade e que demanda tempo para apuração.

A SSP-TO reitera que a Polícia Civil do Tocantins, por meio da 1ª Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP - Palmas), continua empenhada em solucionar o caso o mais breve possível.

Mais detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial, e, portanto, serão divulgados no momento apropriado.

Veja nota da Seciju na íntegra:

A Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), informa que prestou todo o suporte médico necessário ao custodiado Briner de César Bitencourt, desde o momento da sua custódia até os procedimentos de encaminhamentos para a Unidade de Pronto Atendimento do município.

A Pasta esclarece que o vídeo em questão, trata-se especificamente de uma data e contexto particular, sem considerar os atendimentos médicos anteriores que foram realizados. É importante ressaltar que, todo tipo de recambiamento de custodiados, incluindo os de motivos de saúde, deve seguir os padrões de segurança e cuidado determinados pela legislação, objetivando a garantia da integridade física e a segurança tanto dos presos, quanto dos profissionais envolvidos.

A Seciju ratifica que todos os procedimentos e protocolos de saúde estabelecidos pela Pasta, foram cumpridos pelos servidores do Sistema Penal, bem como foram feitos todos os encaminhamentos necessários para o melhor cumprimento do processo de sindicância, o que levou a Corregedoria-Geral dos Sistemas Penal e Socioeducativo a concluir pelo arquivamento do processo.

A Pasta reforça que todas as fases e atos deste caso, receberam a devida publicidade no Diário Oficial do Estado do Tocantins.

A Seciju continua à disposição para prestar os esclarecimentos necessários, principalmente à senhora Élida, mãe de Briner, da qual expressamos profunda solidariedade.

Fonte: G1


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