Marketing ou propaganda enganosa? Lojas espalham QR codes com supostas fotos de traição para atrair clientes

Padaria de Russas, no interior do Ceará, atingiu mais de 20 milhões de visualizações no Instagram com vídeo nesse formato.

Lojas espalham QR codes com supostas fotos de traição para atrair clientes — Foto: Arquivo Pessoal

Lojas espalham QR codes com supostas fotos de traição para atrair clientes

Como você reagiria ao se deparar com um cartaz contendo a seguinte frase: "Thiago, eu sei que você está me traindo com a Patrícia. Não adianta negar, as imagens não mentem" e um QR code impresso ao lado? A curiosidade o faria escanear a imagem?

Se a sua resposta for positiva, saiba que você poderia ser vítima de uma trollagem – gíria usada para se referir a uma brincadeira – que virou moda entre os lojistas. Ou, segundo eles, uma estratégia de marketing ousada para atrair novos clientes.

É que, em vez de visualizar as fotos da suposta traição citada no cartaz, as pessoas que escaneiam os QR codes são direcionadas para sites ou catálogos de empreendimentos.

Todo o acontecimento, inclusive as reações das vítimas ao perceberem o "golpe", é registrado e publicado nas redes sociais.

Um dos vídeos mais famosos da "trend" foi feito por uma padaria de Russas, no interior do Ceará. A gravação já atingiu mais de 20 milhões de visualizações no Instagram.

"A ideia era só atingir a nossa cidade, pra vender aqui, mas fez sucesso e boa parte das visualizações são de São Paulo. A internet tem um poder de abrangência", afirma Francisco Neuton Alves de Souza Junior, de 61 anos, que é dono da padaria.

Mas, embora os comerciantes considerem a brincadeira como uma oportunidade de alcançar novos clientes e fazer propaganda com bom humor, essa estratégia pode ter um efeito rebote: provocar frustração nas pessoas e manchar a imagem da empresa, segundo um especialista do Sebrae (entenda mais abaixo).

Nos comentários do vídeo publicado pela padaria, por exemplo, alguns internautas afirmaram que a trollagem se assemelha ao método "click bait", que é usado para gerar tráfego online por meio de conteúdos enganosos ou sensacionalistas.

Apesar das críticas, Neuton alega que a repercussão tem gerado bons frutos, como o reconhecimento da marca. Abaixo, veja a opinião dos comerciantes que aderiram à "trend".


Impacto nos negócios

Não é possível saber com exatidão a origem do viral, já que nenhuma hashtag foi criada para filtrar os conteúdos desse estilo.

Além disso, não existe um formato pronto de edição, ou seja, os empreendedores podem escolher entre produzir vídeos ou fotos, usar trilhas sonoras diferentes e até alterar a frase contida no cartaz.
 
No caso do empresário Mattheus Fontes, dono de uma loja de roupas femininas localizada no Centro de São Paulo (SP), uma foto do cartaz foi o suficiente para bombar na internet.

No mês de abril, ele colocou o anúncio em frente ao comércio dele, mas apenas publicou uma imagem no Instagram corporativo.

"Foi na época que eu mudei a loja para uma galeria e precisava chamar a atenção das pessoas. Coloquei um cartaz de dois metros, que ainda está lá, e deu certo. Até então, o meu objetivo mesmo era atingir só quem passasse ali", explica Mattheus.

O empresário Mattheus Fontes instalou o em frente ao estabelecimento dele, que fica no centro de São Paulo — Foto: Mattheus Fontes/ Arquivo Pessoal
 
Em poucas semanas, a foto publicada pelo empresário paulista chegou até Vinicius Barbosa, que é o responsável pelo planejamento de marketing da padaria de Neuton, citada no início desta reportagem.

"Comecei a buscar inspiração e achei a foto dessa loja de roupa. [...] Eu fiquei no carro para gravar o pessoal escaneando. Quando eles descobriram, começaram a rir. Foi engraçado", lembra Vinicius.


Resultados financeiros

Nos dois exemplos citados acima, a viralização refletiu na divulgação orgânica – quando um conteúdo é compartilhado sem incentivos financeiros – e no aumento da clientela.

Mattheus afirma que, desde a publicação da foto, mais de 300 pessoas acessaram o contato de encomendas por meio do QR code viral.

"São cerca de 10 pessoas, que vêm do QR code, comprando num dia. Meu intuito não era gerar venda imediata, mas chamar a atenção e ter reconhecimento em meio a tantas lojas que existem no Brás. Através do clique, eu consigo mostrar para a pessoa mais sobre nós [loja]", ressalta Mattheus.

Já Neuton afirma que obteve um aumento de 30% no faturamento durante o mês de maio, se comparado ao mesmo período do ano passado. Vale ressaltar que o vídeo viral foi publicado no perfil da padaria no dia 9 de maio.

"A gente está começando agora, mas cerca de 10% das encomendas vêm do Instagram. No geral, tivemos um aumento, que apontamos como consequência do Dia das Mães e do vídeo [da trend]", conta o padeiro.

Além do aumento nas encomendas, o número de seguidores do perfil oficial da padaria disparou após a viralização do vídeo, passando de 23 mil para 44 mil.


Depreciação e frustração

Não é de hoje que o humor tem sido utilizado como um recurso para chamar a atenção e atrair novos clientes. Porém, os empreendedores precisam usar o bom senso na hora de criar esses conteúdos, explica Ivan Tonet, gerente da Unidade de Acesso a Mercados do Sebrae.

Na "trend" do QR code, por exemplo, a aplicação mal elaborada pode acarretar na depreciação da marca.

"O empresário tem que entender a 'brand persona' dele, quem ele é e como ele quer se comunicar. Se é uma empresa que quer transmitir seriedade, esse tipo de marketing não vai funcionar."

Em contrapartida, o especialista afirma que aderir à "trend" pode ser uma boa estratégia para negócios que tenham um perfil mais descontraído.

No entanto, para ter resultados concretos na venda, é necessário elaborar melhor os passos após abordagem das pessoas.

"Para quem cai na brincadeira por curiosidade, a 'trend' não tem nexo. Ela clica pra ver as fotos e recebe um catálogo. É frustrante."

"Minha sugestão é aproveitar melhor o acesso do curioso no site da loja para oferecer os seus produtos e gerar venda. Por exemplo, ao escanear o QR, a pessoa pode receber uma mensagem com sugestão de produtos", sugere Ivan.


Fonte: G1


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