Conjunto de informações deve ser enviado nos próximos dias à Procuradoria-Geral da República
PF prende militares e policial federal em operação investiga plano para matar Lula, Alckmin e Moraes em 2022. Na foto, movimentação na sede da PF, na Praça Mauá — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
A Polícia Federal reuniu mensagens, dados de geolocalização, documentos, fotos, áudios e imagens de câmeras de segurança para embasar a operação deflagrada na terça-feira, que revelou um suposto plano dos "kids pretos" do Exército para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro na eleição de 2022. Quatro militares e um policial federal foram presos nesta terça-feira pela PF, em um desdobramento do inquérito que apura a tentativa de golpe.
Agora, as novas informações serão analisadas em conjunto com o restante do inquérito que apura a suposta tentativa de golpe de Estado após Bolsonaro perder a eleição para Lula em 2022. A expectativa é que a PF envie a conclusão nos próximos dias para a Procuradoria-Geral da República (PGR), que vai analisar se pede novos dados, se arquiva a investigação ou se oferece uma denúncia contra os suspeitos.
O material foi reunido, por exemplo, a partir de informações de operadoras de telefonia e de informações armazenadas no aparelho celular de Mauro Cid, antigo ajudante de ordens de Bolsonaro. Parte do conteúdo havia sido deletada por Cid, mas foi recuperada pela PF por meio de um software israelense. Cid está prestando um novo depoimento à PF nesta tarde.
'Conversa com o presidente'
Em uma das conversas, em 8 de dezembro de 2022, o general da reserva Mário Fernandes diz a Cid que conversou com o ex-presidente Jair Bolsonaro sobre supostas ações golpistas. Fernandes foi o número dois da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro e chegou a ocupar interinamente o cargo de ministro.
No diálogo, o general pressiona Cid a convencer o então presidente a agir antes que o comando do Exército seja transferido para os militares indicados pelo então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e que o movimento golpista se desmobilize. Cid respondeu a ele que o Bolsonaro "está esperando, para ver os apoios que tem", segundo a PF.
Mensagem enviada por Mauro Fernandes a Mauro Cid — Foto: Reprodução
"Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades. E aí depois meditando aqui em casa, eu queria que você passasse para ele dois aspectos que eu levantei em relação a isso. A partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso pra ele, das duas uma, ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer", disse Fernandes a Cid.
O tenente-coronel respondeu:
"Pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera até onde vai, para ver os apoios que tem. Só que às vezes o tempo tá curto, não dá para esperar muito mais passar. Dia 12 seria... Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada".
Laudo identifica digital
Os militares investigados usaram telefones celulares registrados em nome de outras pessoas, sem envolvimento com o caso, para conversarem sobre o plano. A Polícia Federal encontrou no aparelho de um desses militares a fotografia de uma Carteira Nacional de Habilitação, que na imagem estava sendo segurada por ele. A partir da descoberta, os investigadores encaminharam a imagem ao Instituto Nacional de Identificação para que fosse feita a perícia das digitais e identificou que as impressões do dedo indicador esquerdo coincidiam com as digitais do militar.
A partir de uma foto no celular, a PF identificou as digitais do militar — Foto: Reprodução
Além disso, outra foto no aparelho mostrava a licença de um veículo registrado no mesmo nome do dono da CNH, o que levou a PF a identificar um boletim de ocorrência registrado por ela. O acidente ocorrido no dia 6 de dezembro de 2022 envolvia o carro conduzido pelo militar. A PF, então, descobriu que o oficial usou os dados da CNH para registrar a linha telefônica que foi usada por ele para tratar da trama golpista.
"A partir dessa constatação, que demonstrou imediata correlação entre os dados vinculados ao terminal telefônico 61-98178- 9891 e a pessoa envolvida no acidente de trânsito, a equipe de
investigação chegou à conclusão de que RAFAEL DE OLIVEIRA utilizou os dados de LAFAIETE TEIXEIRA CAITANO, terceiro de boa-fé, para habilitar número telefônico que, posteriormente, foi utilizado na ação clandestina do dia 15 de dezembro de 2022", diz o relatório.
Grupo ‘Copa 2022’
A PF também reuniu mensagens de um grupo criado pelos militares envolvidos com o plano na plataforma Signal, um aplicativo de troca de mensagens de texto com criptografia avançada, que faz chamadas de voz e vídeo, e as mensagens se autodestroem tanto no remetente quanto no destinatário. O grupo se chamava "Copa 2022" e foi criado em 3 de dezembro de 2022.
Reprodução do grupo Copa 2022 — Foto: Reprodução
Segundo a PF, os participantes do grupo "Copa 2022", "como forma de dificultar o rastreamento das atividades ilícitas", habilitaram linhas de telefonia móvel em nome de terceiros "sem qualquer relação com os fatos investigados".
"As mensagens trocadas entre os integrantes do grupo “copa 2022” demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o Ministro ALEXANDRE DE MORAES", diz a PF.
Plano impresso no Planalto
A PF também encontrou nos aparelhos celulares um documento denominado "Punhal Verde Amarelo", que teria sido elaborado pelo general Mario Fernandes e compartilhado no grupo do Signal. Esse arquivo detalha um "planejamento operacional" que "tinha como objetivo executar o ministro Alexandre de Moraes e os candidatos eleitos Luíz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, ambos componentes da chapa vencedora das eleições".
Mensagem mostrando que Bolsonaro estava no Planalto quando o plano foi impresso — Foto: Reprodução
A PF aponta que o documento foi impresso por Fernandes no Palácio do Planalto no dia 6 de dezembro de 2022. Nessa mesma ocasião, os aparelhos telefônicos de outros investigados — Rafael Martins de Oliveira e Mauro Cid — também estavam conectados à rede que cobre o Palácio do Planalto.
Segundo os investigadores, o documento tinha "características terroristas", no qual constam descritos "todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco". "O plano dispõe de riqueza de detalhes, com indicações acerca do que seria necessário para a sua execução, e, até mesmo, descrevendo a possibilidade da ocorrência de diversas mortes", diz a PF.
A PF também analisou fotografias que serviram na identificação do tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira – que já havia sido preso em fevereiro deste ano, no âmbito da operação Tempos Veritatis. Ele é apontado como líder da operação "Copa 2022".
Monitoramento no parque
A troca de mensagens no grupo e o monitoramento dos celulares dos militares envolvidos, a partir da localização das antenas de celular, também mostra que o grupo se reuniu no Parque da Cidade, na região central de Brasília, no dia em que o suposto plano contra Moraes seria posto em prática. Na noite do dia 15 de dezembro, as mensagens no Signal informam que eles estão reunidos no estacionamento do parque — um dos militares diz que está na “posição”.
Imagem do Google Maps do Parque da Cidade, onde o grupo se reuniu — Foto: Reprodução
Não há nas mensagens a definição do motivo, mas o grupo desistiu de realizar o ataque naquela noite, e um dos militares determina que eles desistam da missão. Uma moto que seria usada no plano foi abandonada, e um dos integrantes caminhou para uma área distante do parque para pegar um táxi, o que a PF enxerga como uma tentativa de não deixar rastros.
Imagens mostram veículos oficiais
Os investigadores também identificaram, a partir de imagens de câmeras de segurança de rodovias que ligam Brasília a Goiânia, que um carro oficial do Exército foi usado no dia 15 de dezembro de 2022, data em que, segundo a investigação, "possivelmente, seria realizada a prisão/execução" do ministro do STF Alexandre de Moraes. O evento estava sendo denominado pelo grupo como "Copa de 2022".
"A investigação identificou indícios de que o aparato público-militar foi utilizado na empreitada criminosa, a citar, nesse sentido, pelo menos um veículo oficial do Batalhão de Ações de Comandos, razão pela qual revela-se essencial apurar o motivo e as circunstâncias que motivaram o deslocamento do referido veículo no dia do evento “copa 2022”, e possivelmente em outros dias relacionados aos fatos investigados", afirma a PF.
Ainda segundo os investigadores, o veículo oficial era vinculado ao Batalhão de Ações de Comandos. O emprego do carro foi detectado a partir de câmeras de registro de passagem de veículos, que registraram as imagens do veículo JGC0271, onde, segundo a PF, "puderam ser visualizadas pelo menos duas pessoas".
Fonte: O Globo