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Suspeito é visto entrando em condomínio no Leblon, na Zona Sul do Rio — Foto: Divulgação/Empresa Gabriel |
Sábado, 11 de janeiro, às 15h, um jovem toca na portaria de um condomínio de Copacabana, na Zona Sul do Rio. Ele fala com um funcionário e consegue entrar. Sobe pelo elevador e desce, saindo do prédio. Na volta, traz um comparsa. Menos de 20 minutos depois, eles saem com uma mala de mão, com joias avaliadas em R$ 600 mil. Na tarde do dia seguinte, dois rapazes ficam parados em uma portaria no Leblon. Não conseguem entrar, e vão embora. No dia 13, outro suspeito entra sem dificuldade em um condomínio também no Leblon, por volta das 17h, com a guarida de outro homem, que finge passear pela rua. Quase três horas depois, o invasor é visto com uma sacola na mão, também com joias. Essa tem sido a atuação de uma quadrilha especializada em furto de apartamentos de alto padrão na Zona Sul do Rio.
Imagens de câmeras de segurança da empresa Gabriel ajudaram a Polícia Civil a identificar pelo menos 12 integrantes da associação criminosa que vem de São Paulo. No último sábado, quatro deles foram presos, em Campina Grande do Sul, no Paraná, após as investigações da 15ª DP (Gávea), em articulação com policiais rodoviários federais do Núcleo de Operações Especiais (NOE-RJ e NOE-PR). Além do Rio de Janeiro, o grupo atua em diversos estados do país.
Quem são
A associação criminosa é composta pelo menos 12 jovens, entre 18 e 22 anos, alguns menores de idade. Eles moram no Brás, na capital paulista, mas viajam pelo Brasil, nas principais capitais, em busca de novas vítimas, com foco nos bairros nobres. Nem todos têm passagem pela polícia, alguns têm ficha limpa.
Para não serem pegos ou ficarem conhecidos, eles se revezam nas invasões, principalmente depois que o caso do Jardim Botânico viralizou. Eles chegam aos locais sabendo nomes, sobrenomes, e endereços completos.
A maioria é composta por homens brancos, de 1,70m, vestidos de forma casual, com bermuda e camiseta de marca, e às vezes calçando chinelo ou sandália. Por vezes, ficam com uma garrafa de cerveja long neck, andando calmamente pelas ruas.
— Eles estão sempre arrumadinhos, com roupa de marca. Fingem que moram por ali. Eles se revezam nos ataques, mas são do mesmo grupo criminoso de São Paulo — afirma a delegada que investiga o caso, Daniela Terra, titular da 15ª DP (Gávea).
Tudo começa antes
Com dados disponíveis na internet, um deles fica responsável por levantar informações de moradores de condomínios de luxo. Eles pesquisam, por exemplo, uma lista de pessoas que têm BMW ou outros carros de luxo no Leblon. Conseguem ver, pela placa do veículo, o bairro do proprietário, e assim selecionam e filtram os mais nobres. Assim vão coletando nomes de pessoas e endereços para tentar invadir.
Os furtos acontecem geralmente nessa época do ano, no verão e em feriados prolongados, quando muita gente está de férias e viajando e deixa os apartamentos vazios.
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Dupla anda com sacola após furto em apartamento no Leblon — Foto: Divulgação/Empresa Gabriel |
A maioria das invasões ocorre em dupla, seja uma moça e um rapaz fingindo ser um casal, ou dois rapazes. Eles chegam ao bairro de carro, a algumas ruas do endereço alvo. Eles seguem caminhando até o endereço, param em frente à grade dos prédios, às vezes se encostam ao portão, agindo naturalmente.
— Eles têm informação de quem mora no prédio. Dizem que são sobrinhos do “fulano de tal do 501”, por exemplo, e o porteiro acaba abrindo. Existe uma cultura de os moradores brigarem com os porteiros quando não autorizam a entrada de familiares ou amigos que não moram junto, e isso acaba os levando a abrir nessas situações — disse Daniela.
Furto com apoio do tráfico
Ao entrar no prédio, eles circulam pelas escadas e batem na porta dos apartamentos. Quando ninguém atende, eles arrombam com chave de fenda. Furtam joias, relógios, bolsas de marca. Aparelhos eletrônicos, rastreáveis, são evitados pela gangue.
Outro membro do grupo, um olheiro, dá guarida e vai acompanhando a dupla, andando do outro lado da rua. Em duas situações diferentes, ele aparece com uma garrafa de cerveja long neck na mão, e caminha de chinelo como quem está apenas fazendo um passeio. Nos vídeos, é possível ver que o olheiro passa diversas vezes pela calçada dos condomínios observando o interior e a movimentação do entorno. Quando o invasor sai do prédio, o olheiro também acompanha sem se aproximar, até chegar a um ponto em que se encontram.
A quadrilha também negocia com traficantes da Vila Vintém, em Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio. Em alguns casos, os itens furtados são comprados pelo tráfico, que paga em dinheiro e oferece abrigo na favela, em troca de um percentual dos lucros. A quadrilha volta para São Paulo ou segue para outras capitais.
12 identificados
O caso começou a ser investigado pela 15ª DP (Gávea) após o episódio de uma tentativa de furto em um condomínio da Rua General Garzon, no Jardim Botânico. Na ocasião, um casal tentou entrar em um prédio, mas o porteiro não autorizou e filmou a dupla e um carro que estava encostado aguardando. O vídeo viralizou nas redes sociais. A polícia identificou os integrantes e veículos usados pela associação criminosa.
— Pedi para a Gabriel todas as imagens e começamos a monitorar o veículo que eles usavam. Cientes que a foto deles estava vazada na internet, eles foram para a comunidade da Vila Vintém, onde deixaram um veículo que estavam usando, e pegaram outro. Monitoramos os dois junto à Polícia Rodoviária Federal e vimos que eles ainda não tinham saído do Rio — disse a delegada.
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Dupla de camisa e bermuda azuis tenta entrar após o homem com sacola, mas é barrada pelo porteiro — Foto: Divulgação/Empresa Gabriel |
O grupo ainda investiu em outras oito tentativas de furto em apartamentos na Zona Sul, sem sucesso. Eles migraram, então, para a Zona Norte, onde conseguiram furtar um apartamento na Tijuca.
Com apoio da PRF, um dos integrantes foi preso em flagrante, no último dia 23, com R$ 7 mil, fruto da revenda das joias, em um dos carros usados pela quadrilha.
A delegada continuou acompanhando outros dois veículos e percebeu que um deles seguiu para Curitiba, no Paraná, onde o bando furtou um apartamento. No último sábado, após cruzamento de dados de inteligência fornecidos pela 15ª DP, a PRF localizou um dos veículos usados nos furtos, envolvidos em três ocorrências na Zona Sul. Os policiais rodoviários federais constataram o deslocamento do automóvel na BR-116, no estado do Paraná. O carro, cheio de joias, chegou a capotar na tentativa de fuga. Os ocupantes do veículo foram autuados por furto a residência, associação criminosa, direção perigosa, resistência e desobediência.
As investigações continuam para identificar e prender outros envolvidos no grupo criminoso. Um dos presos no Paraná participou do furto de um apartamento em Copacabana.
— A gente já tem a identificação de quase todos. Já estamos fazendo a representação, e algumas prisões foram requeridas. Eles são organizados, já têm advogados atuando em cada caso — afirma a delegada.
Segundo um deles afirmou em depoimento à polícia, eles vêm para o estado do Rio porque “o mercado está assoberbado em São Paulo”.
— Eles vão mudando de cidade, mas o objetivo é o mesmo. Furtar objetos de valor e viver disso. Por isso acabou sendo um trabalho interestadual. Muitos casos têm correlação por ser o mesmo grupo criminoso. A grande dificuldade é penalizar. Como não tem grave ameaça ou violência e muitos são menores de idade, é difícil eles ficarem presos — afirma Daniela.
Prevenção nos condomínios
É possível se prevenir contra este tipo de crime. A delegada orienta que os condomínios mudem o sistema de entrada de visitantes, com a identificação da pessoa junto ao morador, que deve autorizar ou não a entrada na hora.
— As pessoas precisam orientar os funcionários, principalmente os porteiros e vigilantes, a só deixar um visitante entrar com autorização do proprietário, e não criar caso com o porteiro por não deixar uma sobrinha entrar. Paciência. O crime não tem cara, não é porque o cara está bem-vestido que não é criminoso — alerta a delegada.
Fonte: O Globo