É preciso tomar remédio contra vermes todos os anos? Médicos respondem


Uso indiscriminado de antiparasitários pode causar desde náuseas, vômitos e dor de estômago até perda de cabelo e redução dos glóbulos brancos

“Vocês sabiam que esses vermes podem estar na sua casa?”, diz a atriz Suzana Vieira, enquanto surge na tela uma simulação do que parecem “minhocas” brancas que se contorcem. Em seguida, uma família berra no sofá. Há algumas décadas, era assim que começava a popular propaganda de um remédio contra vermes.

Mas Suzana tranquiliza o telespectador. Segundo o anúncio, basta lavar bem as mãos antes de comer, higienizar os alimentos e tomar a medicação duas vezes ao ano.

Há não muito tempo, quando o Brasil tinha um cenário urbanístico diferente e o saneamento básico era raridade na maior parte do País, era comum que se recomendasse o uso de “remédios contra vermes” regularmente.

“Empiricamente, existia o conceito de que as pessoas deveriam ser tratadas uma vez por ano, tomando o vermífugo. Isso acontecia porque muitas regiões tinham índices muito elevados de infecção parasitária”, comenta Joziana Barçante, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Biomédica e professora do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Parasitoses podem causar dor abdominal, cólicas, náuseas, vômitos e diarreia Foto: Bilal/Adobe Stock

Embora algumas pessoas ainda sigam essa prática, com a queda nas taxas de infecção, o tratamento profilático não é recomendado para a população geral. A indicação restringe-se a determinados grupos de regiões com alta circulação de vermes e protozoários (leia mais abaixo) — e a automedicação pode acarretar uma série de riscos.

“O uso indiscriminado de vermífugos não é o ideal, até porque nem todos os vermes são tratados da mesma maneira”, afirma o infectologista Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

As infecções por parasitas, entretanto, não são uma ameaça extinta. “É fundamental que tenhamos cuidado para não nos contaminarmos. O consumo de água tratada de maneira adequada e alimentos bem higienizados são as principais maneiras de evitar a infecção por qualquer parasita”, completa Otsuka.


O que são os vermífugos?

Os remédios contra “vermes”, também chamados de antiparasitários ou vermífugos, são usados para tratar infecções conhecidas como parasitoses intestinais, causadas por helmintos (parasitas intestinais) e alguns protozoários.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), essas infecções, a exemplo daquelas causadas por ameba (amebíase), giárdia (giardíase) e lombriga (ascaridíase), são frequentes na infância e afetam de forma desproporcional as zonas rurais e periferias.

A transmissão ocorre principalmente por meio do consumo de alimentos e água contaminados, e também pelo contato direto com os pés no chão (o parasita pode se aproveitar de ferimentos na pele).

A maioria dos pacientes pode não apresentar qualquer sintoma, segundo a SBMFC. Entre aqueles que manifestam sinais, alguns dos mais comuns são dor abdominal, cólicas, náuseas, vômitos e diarreia.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) alerta que um alto número de parasitas pode causar complicações nas crianças, “principalmente naquelas que estão desnutridas ou que apresentam imunidade diminuída”.


Alto risco

Joziana e Fernando de Oliveira, infectologista e coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Luiz Morumbi, da Rede D’Or, explicam que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tratamento em massa ou profilático é indicado apenas em regiões nas quais a prevalência de parasitoses é maior do que 20%.

Nos locais em que a prevalência varia de 20 a 50%, a orientação é usar a medicação uma vez ao ano. Já naqueles em que a taxa é superior a 50%, a recomendação é utilizar o remédio duas vezes ao ano.

Segundo Oliveira, o tratamento preventivo envolve principalmente crianças em idade escolar, de 5 a 14 anos. Mas, a depender da situação epidemiológica, a medida pode ser ampliada para outras populações vulneráveis, como crianças a partir de 1 ano, crianças em idade pré-escolar (24 a 59 meses), mulheres em idade fértil (15 a 49 anos) e gestantes (depois do primeiro trimestre de gravidez).

“A OMS também classifica determinadas exposições ocupacionais como sendo de risco, por exemplo, os mineradores”, acrescenta.

“O Brasil não se enquadra nesse perfil”, afirma Joziana. “Podemos ter uma ou outra região com nível de desenvolvimento humano mais baixo e com saneamento precário, onde a população tem uma exposição maior e esse tratamento em massa poderia ser recomendado, mas são pontos muito específicos.”

Abaixo dos 20%, a recomendação é tratar apenas os casos positivos com a medicação específica para cada um deles.


Perigos da automedicação

O uso indiscriminado de antiparasitários não é só desnecessário, mas também perigoso, de acordo com os especialistas.

“O uso de medicamentos sem orientação e acompanhamento médico pode causar reações adversas como náuseas, vômitos, dor de estômago, dor de cabeça, tontura, perda de cabelo, alterações no fígado e até mesmo a redução dos glóbulos brancos no sangue”, alerta Oliveira.

Além disso, embora ainda haja poucos estudos sobre o tema, algumas pesquisas indicam que o uso de antiparasitários pode desequilibrar a microbiota intestinal, causando disbiose.

“Um estudo mostrou que a microbiota do intestino muda entre 10 e 14 dias após a aplicação de uma única dose do medicamento”, conta Oliveira. “Há indícios de que essa alteração pode aumentar a vulnerabilidade a infecções gastrointestinais causadas por vírus, bactérias e outros parasitas.”

Outra grande preocupação dos especialistas é a resistência antimicrobiana (RAM). A RAM ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas mudam ao longo do tempo e não respondem mais aos medicamentos — incluindo antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários —, tornando as infecções mais difíceis de tratar e aumentando o risco de disseminação, agravamento dos quadros e mortes.

O uso inadequado de antiparasitários contribui para agravar esse problema, considerado uma das principais ameaças à saúde no mundo. No ano passado, pesquisadores do Global Burden of Disease, o mais abrangente esforço para quantificar a perda de saúde em diferentes lugares, estimaram que a RAM causou 1,14 milhão de mortes atribuíveis (o paciente morre da infecção resistente) e 4,71 milhões de mortes associadas (o paciente morre com a infecção resistente). Para 2050, a projeção é de 1,91 milhão e 8,22 milhões, respectivamente.


Como se proteger das parasitoses?

Apesar de as taxas de prevalência e incidência serem bem menores do que no passado, as parasitoses não desapareceram no Brasil e continuam a configurar um grave problema de saúde pública. “Essas infecções podem ser identificadas em todos os Estados”, afirma Oliveira.

“No último Inquérito Nacional de Prevalência de Parasitoses, realizado entre 2010 e 2015, foram examinadas mais de 197 mil crianças e diagnosticados 5.192 casos de ancilostomíase, 10.654 de tricuríase e 11.531 de ascaríase”, diz.


As melhores formas de prevenir essas infecções são:

Com medidas estruturais de ordem pública — as ações mais importantes, na visão dos especialistas. Nesse sentido, é essencial o acesso à água tratada, bem como a coleta e o tratamento de esgoto.
Lavar as mãos adequadamente, especialmente antes de comer e após usar o banheiro.
Higienizar adequadamente alimentos (não basta só jogar água nas verduras).

Fonte: Estadão





Postagem Anterior Próxima Postagem