Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, as críticas ao governo americano, como fazia Francisco, agora 'virão de um Papa conterrâneo e branco', tornando o 'embate' um assunto interno
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O recém-eleito Papa Leão XIV, Robert Francis Prevost, gesticula na varanda principal da galeria central da Basílica de São Pedro — Foto: Andrej ISAKOVIC / AFP
Em um conclave que se definiu de forma surpreendentemente rápida para as expectativas, o cardeal Robert Prevost emergiu como novo líder da Igreja Católica, tornando-se Papa Leão XIV, um nome que ecoa e reforça a continuidade do legado de Francisco, seu antecessor. Além de ter se destacado por um discurso pacificador e de visão reformista, o primeiro Pontífice americano, que também é naturalizado peruano, chama a atenção por ser um crítico do conservador governo americano, representando um desafio simbólico ao presidente Donald Trump.
Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, ex-coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, não há dúvidas de que há possibilidade de um diálogo em um primeiro momento. Porém, agora, as críticas ao governo americano, sobretudo em relação a questões como a imigração, "virão de um Papa conterrâneo e branco", lembra o especialista, tornando um possível embate um assunto "interno".
Confira a entrevista ao GLOBO:
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A escolha do novo Papa ocorreu de forma relativamente rápida, surpreendendo todas as expectativas. Quais fatores o senhor apontaria que podem ter contribuído para essa rapidez?
Prevost é muito semelhante a Francisco. No social, no pastoral, no espiritual. O discurso dele foi curto, mas pra quem está acostumado a ler os textos de Francisco, vê que ele tem uma sensibilidade muito parecida, sobretudo em relação ao amor de Deus por nós. E, apesar de ser um reformador na linha de Bergoglio, tem posições mais cautelosas, como Francisco também tinha, em relação a vários temas controversos, como, por exemplo, a questão do sacerdócio feminino.
Então, de certa forma, ele representava uma garantia muito grande de continuidade, sobretudo segura, do trabalho de Francisco. Ele dificilmente vai criar mais "problemas" do que Francisco. Pelo contrário, deve dar continuidade ao trabalho com até menos desafios do que os que Francisco enfrentou.
O fato de ser um cardeal com uma função estratégica dentro da Cúria Romana também pode ter influenciado na decisão. Ele estava à frente do órgão que escolhe e orienta o Papa na escolha dos novos bispos, o que o obrigava a estar o tempo todo em contato com a Igreja no mundo inteiro, e esse pode ter sido um diferencial.
Essa semelhança com Francisco se reflete também na escolha do nome Leão XIV, especialmente em relação às questões sociais...
Sim, Leão XIII é considerado o fundador da doutrina social da Igreja contemporânea. Foi um grande defensor dos pobres e que criticou muito, dentro dos padrões do século XIX, o capitalismo na época. Então, a escolha por Leão XIV o faz se aproximar muito de um perfil social como o de Francisco.
Diferente de Francisco, que optou por vestes papais mais simples logo em sua primeira aparição, Leão XIV apareceu com uma mais tradicional. Que mensagem isso passou, mesmo diante das semelhanças e da promessa de continuidade?
Francisco, desde o início como um grande reformista, teve a necessidade de demonstrar uma posição diferente, de explicitar e visibilizar a sua postura. Prevost já está num contexto que, depois de 12 anos de Francisco, não há uma necessidade premente de adotar sinais claros de uma grande mudança de postura. Além disso, um posicionamento muito explícito poderia dificultar um diálogo com os conservadores agora no início de seu pontificado.
Um dos assuntos mais comentados foram as críticas quanto à forma como ele lidou com casos de abuso sexual na Igreja no passado, embora tenha apresentado as denúncias recebidas ao Vaticano. É uma questão que ainda pode balançar seu pontificado?
É muito difícil um bispo com mais de 60 anos que não seja passível desse tipo de crítica. O problema era como a Igreja enfrentava o problema, não como ele pessoalmente o fazia. Havia uma orientação explícita para "lavar a roupa suja em casa" e resolver os problemas internamente.
O próprio Joseph Ratzinger, antes de se tornar Bento XVI, tentou acabar com essa orientação na época de João Paulo II, mas foi voto vencido entre os cardeais.
E essa acabou sendo uma das grandes questões do pontificado de Bento XVI também.
Exatamente. Enquanto cardeal, Ratzinger foi contra essa postura. E quem depois teve que segurar o rojão foi ele mesmo, que não queria segurar.
Alguns já consideram Leão XIV o segundo Papa latino-americano, apesar de ser nascido nos Estados Unidos. Como essa proximidade pode influenciar sua relação com a América Latina? E o que esperar da relação da Igreja Católica com o governo de Donald Trump, sabendo que Prevost é um crítico de sua agenda?
Eu diria para você que nós temos, sim, o segundo Papa latino-americano. Afinal de contas, ele é naturalizado peruano. E não deixa de ser uma coisa inesperada. A análise que se fazia era que, de modo geral, teríamos dificuldade de ter um segundo Papa sul-americano, pois haveria uma tendência dos cardeais de procurá-lo em outros continentes.
Em relação aos Estados Unidos, provavelmente vai haver uma facilitação do diálogo num primeiro momento. Trump se manifestou falando que estava muito feliz, orgulhoso. Um discurso protocolar e que se esperaria dele. Mas não deixa de ser um sinal de que ele terá de procurar um diálogo favorável com Leão XIV.
Então, de certa forma, a Igreja criou uma armadilha para Trump. Agora, ele não pode mais dizer que as críticas ao seu governo são antiamericanas, terceiro-mundistas, comunistas ou coisa parecida. As críticas agora vêm de um Papa conterrâneo e branco, como ele. É uma situação que facilita, por um lado, o diálogo, mas também fortalece a moral católica ao criticar as posturas de Trump. Agora, a crítica, de certa forma, é interna.
Fonte: O Globo