Ex-alunos brasileiros de Harvard criticam decisão de Trump de proibir matrícula de estrangeiros


Universidade americana entrou com uma ação judicial alegando a inconstitucionalidade da medida, após anúncio do governo na quinta-feira

Imagem do campus da universidade Harvard — Foto: Sophie Park para o The New York Times

O anúncio do presidente americano, Donald Trump, sobre a proibição de matricula de estrangeiros na Universidade Harvard provocou uma onda de reações negativas, incluindo entre ex-alunos brasileiros da instituição. Hoje em posições de liderança no Brasil, os outrora estudantes da universidade mais antiga e rica dos EUA listaram uma série de implicações prejudiciais em decorrência da medida, tanto para alunos quanto para o desenvolvimento científico e institucional da universidade, e direcionaram críticas ao governo americano. Harvard processou o governo nesta sexta-feira, alegando que a ordem é inconstitucional. Um juiz federal americano bloqueou a determinação da Casa Branca.

Economista e cientista político formado por Harvard, o secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha (PSD), afirmou em entrevista ao GLOBO que a troca de experiências entre alunos estrangeiros é uma característica que impulsiona o desenvolvimento da ciência não apenas na instituição, mas em todo o sistema universitário americano desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Proibir os pesquisadores estrangeiros, afirma, pode prejudicar iniciativas de ponta em temas que vão desde saúde pública até de estudos de formulação de princípios éticos.

— Quando acontece uma medida como essa em Harvard, incluindo o corte de verba de US$ 2 bilhões, afeta a cura do Alzheimer, que é uma área que é a universidade que está liderando no mundo. O que para são inúmeros avanços tecnológicos e a discussão moral sobre o uso da inteligência artificial — disse Ferreirinha.

Em um vídeo publicado nas redes sociais ao lado da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) — que também é formada em Harvard, em astrofísica e ciência política —, o secretário explicou que a decisão potencialmente afeta também alunos que já estão matriculados, uma vez que Trump retirou o direito de Harvard a certificação do programa de estudantes e visitantes de intercâmbio, um documento necessário para matrícula.

— Na prática, o que essa decisão pode significar é que se alunos não pedirem transferência para outras universidades, terão seus vistos cancelados, sob risco de deportação — afirmou a deputada paulista no vídeo. — É um plano de vingança, uma retaliação, por Harvard ter se recusado a seguir ordens absurdas. Não aceitou recuar em políticas de inclusão. Não aceitou trocar sua liderança, mudar o seu currículo, silenciar o pensamento crítico.

A presidente executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, que esteve nos EUA no fim de semana para uma reunião de 10 anos da conclusão de sua turma de mestrado em políticas públicas, disse não ver com surpresa a tentativa do presidente americano de propor a medida voltada contra estrangeiros.

— Trump não está fazendo nada inesperado, por mais absurdo que seja. Essa atitude antimundo, entendendo que o mundo é inimigo dos EUA e dos americanos, é algo que ele tem exercitado e colocado em prática desde seu primeiro dia de mandato — disse Priscila ao GLOBO.

Embora reconheça que os estudantes estrangeiros serão duramente prejudicados se a medida tiver sucesso, a executiva chamou a atenção para o fato de que todo o ecossistema de Harvard de sofreria com a ausência dos alunos de diferentes partes do mundo, diminuindo a pluralidade e a amplitude de visões dentro de seus cursos. Em última instância, em sua avaliação, os EUA também sofreriam uma perda de soft power relevante, ao não permitir a formação de futuros líderes de outras nações.

— A universidade perde. Os EUA perdem demais. E só existe um ególatra ali, ganhando algum discurso em cima de um pedestal imaginário que ele acredita existir — disse Priscila. — Ninguém ganha com isso, a não ser ele, talvez em um curtíssimo prazo. Mas com certeza a História vai penalizar muito esse tipo de atitude. É algo que prejudica demais a educação, os estudantes e a universidade.

O Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) acusa a universidade de criar um ambiente inseguro no campus, ao permitir que "agitadores antiamericanos e pró-terroristas" assediassem e agredissem estudantes judeus, justificando que muitos dos agitadores seriam estudantes estrangeiros. A secretária Kristi Noem afirmou que a instituição de ensino fomenta "violência, antissemitismo e a coordenação com o Partido Comunista Chinês".

— É um privilégio, não um direito, que as universidades matriculem estudantes estrangeiros e se beneficiem de suas mensalidades mais altas para ajudar a aumentar suas dotações multibilionárias — disse a secretária de Segurança Interna.

Ainda no vídeo publicado na noite de quinta, Tabata faz críticas específicas ao argumento do governo americano sobre a matrícula de estrangeiros ser um privilégio, acusando Trump de fomentar o autoritarismo no país.

— Quando Trump diz que matricular um aluno estrangeiro é um privilégio, não o direito, ele dá mais uma amostra do seu autoritarismo, e ataca assim o maior dos valores ocidentais, que é a democracia — afirmou. — Um governo que usa a máquina do Estado para calar o diferente, para calar o divergente, qual que é o nome que a gente dá para isso?

Embora esteja sob pressão máxima do governo americano, Harvard decidiu nesta sexta-feira manter sua posição de não recuar às exigências de intervenção. O presidente interino da universidade, Alan M. Garber, comunicou que a instituição entrou com uma ação judicial no tribunal federal de Massachusetts, argumentando que a medida do governo viola seus direitos garantidos pela Primeira Emenda e pelo devido processo legal.

"Condenamos essa ação ilegal e injustificada", escreveu Garber em uma carta enviada à comunidade estudantil pela manhã. "Ela coloca em risco o futuro de milhares de estudantes e pesquisadores em toda Harvard e serve como um alerta para incontáveis outros estudantes em faculdades e universidades de todo o país que vieram aos Estados Unidos para buscar sua educação e realizar seus sonhos".

Na avaliação do ex-aluno e atual secretário de Educação do Rio, o posicionamento da universidade diante das tentativas de intervenção é motivo de orgulho.

— O que Harvard tem feito nos enche muito de orgulho, por manter essa posição coerente com seus quase quatro séculos de história. É um papel de liderança moral. Como o presidente Garber falou, a liderança moral tem um preço, e no curto prazo pode até ter um um certo choque, mas é o que mantém instituições vivas, fortes e coerentes — afirmou.


Fonte: O Globo



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