Mulheres mórmons burlam regras para conseguir novo modelo de 'roupa íntima' sagrada: 'Quero a qualquer custo'; entenda


Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias redesenhou as 'roupas do templo', usadas pelos fiéis por baixo das roupas do dia-a-dia, mas modelos ainda não estão liberados para todos

Mulheres mórmons burlam regras para conseguir novo modelo de 'roupa íntima' sagrada: 'Vou conseguir a qualquer custo'; entenda — Foto: Reprodução/Redes Sociais/The New York Times

Algumas mulheres mórmons estão obcecadas por algo ilícito. Elas ligam para amigas, pedem favores e pagam frete internacional para conseguir algo muito específico: uma regata sagrada. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias redesenhou suas “roupas do templo”, usadas pelos membros fiéis por baixo das roupas do dia-a-dia. Essas roupas funcionam como uma espécie de roupa íntima, e até recentemente pareciam camisetas brancas de manga curta e shorts até os joelhos. Agora, a igreja removeu as mangas em alguns modelos, transformando-os em regatas.

A igreja está lançando as novas peças para seus mais de 17 milhões de membros ao redor do mundo em fases. Em outubro passado, anunciou discretamente que as novas roupas estariam primeiro disponíveis para membros em climas “quentes e úmidos”, como os da África e Ásia.

Elas ainda não foram autorizadas para uso nos Estados Unidos, por exemplo, mas isso não impediu influenciadoras americanas de encontrarem formas de consegui-las — e de exibi-las em vídeos online recentes.

“Eu pensei: quero agora. Vou conseguir a qualquer custo. Se for preciso, voo para o Japão”, disse Andrea Fausett, influenciadora de 31 anos baseada no Havaí. Ela conseguiu algumas regatas com uma amiga na Ásia. Outras mulheres contaram ao The New York Times que pediram a amigos ou familiares na Tailândia e nas Filipinas que enviassem as peças.

Foto divulgada pela igreja das vestimentas que incluem mangas — Foto: Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

A consultora Kim Austin, de 33 anos, vive em Provo, no estado americano de Utah, e disse que usou as novas roupas por baixo de um vestido sem mangas na igreja, e que mulheres de sua congregação perguntaram como consegui-las. “As mulheres de Utah não medem esforços”, afirmou. Alyssa e McKenna Banks, irmãs que dão aulas de estilo com roupas modestas (divulgadas como “garment girlies — mas com estilo”), disseram que suas clientes estão loucas para conseguir as regatas.

Essa mudança aparentemente pequena é um grande marco dentro da fé. As regatas representam muitas coisas: são um alívio para muitos membros fiéis que há anos esperavam por mudanças. São uma fonte de frustração para muitos ex-membros, que gostariam que elas tivessem vindo antes. Mas acima de tudo, são um reflexo tangível da mudança de percepção pública sobre a igreja. Antes conhecida por seus pioneiros e polígamos, a igreja está agora mais associada a influenciadoras virais — algumas das quais estão contornando ou ignorando as regras de modéstia.


Mudança bem-vinda

As roupas do templo são parte essencial da fé. São usadas pela maioria dos membros adultos fiéis como lembrete dos convênios feitos com Deus nos templos da igreja. Muitos acreditam também que elas oferecem proteção espiritual. A igreja orienta que sejam usadas “dia e noite durante toda a vida”.

Essas roupas não devem ser visíveis em público. Isso é mais fácil para os homens, cujas roupas raramente deixam ombros ou coxas à mostra. Mas para as mulheres, essas roupas podem limitar o uso de shorts, vestidos e blusas. Embora muitas mulheres na igreja repitam o ditado “modéstia é beleza”, as roupas do templo são uma fonte silenciosa de frustração para muitas.

John Dehlin, apresentador do podcast Mormon Stories, disse já ter entrevistado centenas de mulheres, tanto praticantes quanto ex-membros da fé.

— Eu diria que praticamente todas expressaram grande desconforto, senão aversão, em relação ao uso das roupas do templo — disse ele: — As mulheres contavam que essas roupas as faziam se sentir desleixadas, contribuíam para a vergonha corporal ou afetavam negativamente sua vida sexual com seus parceiros.

Aparentemente, a igreja está ouvindo, e muitas mulheres jovens estão empolgadas.

— Estou muito animada — disse Fausett: — Ajuda a gente a se sentir muito mais normal. Não vai ser tão fácil jogar ‘ache a mórmon’ por aí.

Outras mulheres afirmam que o novo design é bem-vindo por questões de saúde. As roupas são mais apertadas nas mulheres, e muitas reclamam que os tecidos sintéticos causam infecções por fungos. Austin disse que as novas regatas são menos quentes e mais confortáveis para seu corpo após o parto. “Me dá mais vontade de usá-las, em vez de reclamar”, disse.

Kaylee Hirai, uma mulher de 32 anos que vive em Washington, disse que queria usar regatas há anos e sempre teve dificuldades com os requisitos de modéstia da igreja.

— Isso também foi um processo de cura para mim — contou.

Quando criança, acrescentou, “achava que alguém era ruim se se vestisse assim, ou que eu era ruim”.


Fonte de ressentimento

Nem todos estão felizes com a flexibilização das regras. Membros fiéis e ex-membros têm comentado online sobre a mudança, e algumas reações foram de raiva.

Alguns membros atuais disseram que as novas roupas são reveladoras demais ou que não deveriam ser discutidas.

— Ainda sinto que há julgamento por parte das gerações mais velhas, especialmente dos baby boomers — disse Hirai.

O anúncio oficial da igreja, feito em outubro, citou o calor em certas regiões como motivo para o redesenho. A igreja recusou dar entrevistas e não respondeu a perguntas específicas sobre o motivo da mudança.

“A roupa do templo continua sendo uma expressão externa de um compromisso interior de seguir o Salvador Jesus Cristo”, disse Irene Caso, porta-voz da igreja. Ela indicou que as pessoas procurassem imagens e informações no site da igreja.

Mas membros e não membros que falaram ao Times concordam que essa mudança reflete uma transformação maior na percepção pública da igreja.

Antes associadas a mulheres pioneiras em vestidos longos, as mórmons hoje são cada vez mais representadas por uma nova geração de influenciadoras nas redes sociais.

Mulheres como Hannah Neeleman, do Ballerina Farm, Nara Smith e as mulheres de “As Vidas Secretas das Esposas Mórmons” estão em concursos de beleza e tapetes vermelhos com vestidos decotados e ombros de fora. Elas estão transmitindo uma nova visão da igreja para seus milhões de seguidores.

— Nenhuma de nós retrata a ‘esposa mórmon perfeita e estereotipada’ que segue todas as regras da igreja e vive exatamente como mandam ou como dizem que deveríamos viver — disse Miranda McWhorter, do programa As Vidas Secretas das Esposas Mórmons.

No programa, ela frequentemente usa regatas.

Fonte: O Globo



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