Nem toda depressão pós-parto é igual. Entenda como o transtorno pode se manifestar
A depressão pós-parto é frequentemente identificada em relatos emocionais de mulheres que, após o nascimento do bebê, enfrentam sentimentos intensos de vazio, culpa e desconexão. A psicóloga perinatal Clarissa Erthal (ES), que há anos atende em seu consultório, registra padrões recorrentes nesses relatos. Um dos mais marcantes, segundo ela, é: "Eu achei que ia me sentir plena, mas não consigo sentir nada. Só um grande vazio. Achei que ia sentir o maior amor da minha vida, mas tudo o que consigo sentir é culpa." Para o especialista, esta descrição traduz a solidão profunda que muitas mães vivenciam em silêncio no puerpério. “A verdade é que nem toda mulher se sente feliz na gestação e nem toda mãe sorri quando seu bebê nasce”, afirma.
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Embora o termo “depressão pós-parto” ainda seja amplamente utilizado, a forma mais precisa e contemporânea de nomear esse sofrimento, segundo a especialista, é depressão perinatal. O nome é mais adequado porque o transtorno nem sempre começa depois do parto. “Na maior parte dos casos, os sintomas já estão presentes na gestação, ainda que de forma sutil ou mascarada”, explica.
A depressão perinatal é um transtorno que pode surgir na gestação ou nos primeiros meses de vida do bebê. “Ela se caracteriza por um sofrimento emocional intenso, que vai além do cansaço ou das oscilações de humor esperadas nesse período”, define a psicóloga Patrícia Bader, da Maternidade São Luiz Star, e gestora de Serviços de Psicologia da Rede D’Or (SP).
A condição é profunda e persistente, diferente do chamado “baby blues” ou blues puerpério, que é uma tristeza ou melancolia passageira, muito frequente nos primeiros dias do puerpério. O baby blues melhor sozinho em poucas semanas. “Já a depressão perinatal não melhor e compromete o bem-estar da mulher, do bebê e de toda a dinâmica familiar”, aponta Clarissa.
Mas nem toda depressão perinatal é igual. Há diferentes formas de manifestações e intensidades. “Algumas mulheres vivenciam quadros mais leves, que se resolvem com suporte adequado. Outras enfrentam manifestações mais severas, como o transtorno depressivo maior”, indica a psicóloga Patrícia. Aqui, você entende melhor cada um deles.
Tipos de depressão pós-parto ou perinatal
- Depressão pós-parto (DPP) - É um transtorno profundo e persistente, diagnosticado na gestação ou no pós-parto. “Os sintomas mais frequentes incluem tristeza contínua, cansaço extremo, insônia, apatia, choro constante, sentimento de culpa, ansiedade intensa, perda de interesse, pensamentos negativos e, em muitos casos, dificuldade em cuidar e se vincular ao próprio bebê. “Talvez esse seja o sintoma mais doloroso de todos: quando a mãe se sente desconectada, distante ou até mesmo incapaz de atender às necessidades do filho”, observa Clarissa. “Isso provoca uma culpa profunda e silenciosa e, ao mesmo tempo, interfere diretamente no desenvolvimento emocional da criança, que precisa desse cuidado afetuoso para criar segurança psíquica nos primeiros anos de vida”. A mulher também pode se sentir irritada, com sentimento de inadequação, ter alterações no sono e no apetite e, em alguns casos, pensamentos de morte. “Existem fatores que aumentam a vulnerabilidade ao desenvolvimento da depressão perinatal, como histórico pessoal, vivências traumáticas, ausência de rede de apoio, um passado obstétrico ruim, dificuldades no parto, entre outros. No entanto, o que leva ao adoecimento é sempre o encontro singular entre essas condições e a história subjetiva da mulher”, aponta a psicóloga Patrícia.
- Transtorno depressivo maior pós-parto - Já o transtorno depressivo maior pós-parto é um tipo de depressão mais intenso e persistente, que compromete ainda mais a vida da mulher. “Ele se manifesta com sintomas persistentes e intensos (por pelo menos duas semanas) , como por exemplo: desesperança, desespero , desamparo, angústia intensa, perda de interesse pelas atividades e pensamentos autodepreciativos, tristeza profunda, exaustão, pensamentos negativos recorrentes, alterações importantes no sono e apetite, perda de interesse e sentimentos de inutilidade”, aponta Patrícia. Para Clarissa, a nomenclatura é mais importante para finalidade clínica, já que, para a mulher, o essencial é receber o tratamento adequado, com escuta, acolhimento e seriedade.
- Ansiedade pós-parto - A ansiedade pós-parto é um transtorno mental perinatal diferente da depressão, embora os dois quadros possam coexistir. “A ansiedade perinatal, muitas vezes, passa despercebida. Ela se caracteriza por uma preocupação intensa e constante, especialmente com o bem-estar do bebê, acompanhada de sintomas físicos como taquicardia, tensão muscular e insônia. É um estado de hiper alerta que pode ser devastador e causar uma exaustão ainda maior do que a mulher normalmente sentiria no puerpério”, descreve Clarissa. A intensidade e a persistência dos sintomas farão diferença na definição diagnóstica. “Enquanto os quatros ou episódios de depressão tendem a uma queda no investimento afetivo, a ansiedade pode se manifestar por um excesso de envolvimento, muitas vezes, paralisante”, lembra Patrícia.
- Psicose pós-parto - A psicose puerperal é um quadro incomum, mas extremamente grave. Os sintomas costumam surgir de forma abrupta, em geral, nos primeiros dias depois do nascimento do bebê. “A doença se caracteriza por uma alteração significativa na percepção da realidade”, diz Patrícia. Os sinais podem incluir delírios, alucinações, confusão mental, agitação e risco de comportamento suicida ou infanticida. “Exige internação imediata e é mais comum em mulheres com histórico de transtorno bipolar, esquizofrenia ou episódios psicóticos anteriores”, aponta Clarissa. A psicose pós-parto tem cura, por isso é importante buscar ajuda profissional rápido.
Sintomas comuns da depressão pós-parto
Em alguns casos de depressão, ansiedade ou mesmo psicose, a própria mulher nota alguns dos sintomas. Em outros, são pessoas próximas, como familiares ou mesmo profissionais de saúde, como o obstetra, que acabam reconhecendo o quadro. “A busca de ajuda especializada imediata contribui para o pronto cuidado e para a construção de um plano terapêutico adequado para garantia de tratamento para a mulher e para os cuidados compartilhados com o bebê”, orienta Patrícia.
O diagnóstico precoce é essencial porque previne complicações graves e protege o vínculo entre a mãe e o bebê. Segundo a psicóloga Clarissa, a identificação e o tratamento do problema impedem que uma fase tão importante, como o início da vida, seja marcada por um sofrimento evitável.
O diagnóstico é feito com base na observação dos sintomas e na escuta da mulher. Embora não existam exames específicos, alguns instrumentos, como questionários específicos, complementam a avaliação clínica. “Um bom acompanhamento pré-natal auxilia na identificação de sofrimento psíquico durante todo o processo”, observa Patrícia. “Na abordagem psicanalítica, buscamos compreender o que esse sofrimento expressa na história da mulher e criar um espaço onde ela possa elaborar sua experiência materna com menos culpa e mais escuta”, acrescenta.
Tratamento da depressão pós-parto: como é feito?
As terapias e condutas indicadas mudam de acordo com cada caso. “Mais importante do que o tipo de intervenção é garantir que ela aconteça”, afirma Clarissa. “A psicoterapia é sempre indicada e pode ser muito eficaz sozinha em quadros moderados e leves. Já em situações mais graves, a combinação com medicação pode ser essencial. E vale lembrar: há medicamentos seguros para quem está gestando e amamentando”, destaca.
O suporte da rede familiar e os ajustes na rotina também fazem toda a diferença nesse período. “As mudanças no estilo de vida interferem em qualquer tratamento: hábitos como a higiene do sono, a prática de atividades físicas e uma boa alimentação, contribuem para qualidade de vida”, diz a psicóloga Patrícia. “As práticas ditas alternativas, como meditação, ioga e abordagens complementares, podem ajudar no manejo do estresse e na regulação emocional, mas é fundamental entender que elas não substituem o tratamento clínico, quando necessário. Elas atuam como suporte, não como único recurso”, ressalta a especialista.
Impactos da depressão pós-parto
Uma experiência de adoecimento, como é o caso da depressão pós-parto, deixa marcas na história das famílias, sobretudo, quando não recebem a atenção adequada. Quando isso acontece durante uma gravidez ou no puerpério, a construção do vínculo entre a mãe e o bebê pode ser afetada. “Mas é importante lembrar que esse laço não depende só de uma pessoa, bem como o cuidado com o bebê e com a mãe. O entorno, o parceiro ou parceira, a rede de apoio e os profissionais de saúde também são corresponsáveis por essa construção. Quando a mulher está em sofrimento, esse vínculo pode se fragilizar, mas ele também pode ser reparado e fortalecido com o tempo e com apoio”, aponta Patrícia.
Buscar o diagnóstico e o tratamento é fundamental para que os quadros de sofrimento perinatal não se tornem crônicos. Isso também diminui o risco de recaídas e de interferência na autoestima, na vida social, no relacionamento conjugal e na forma como a mulher se vê capaz de maternar novamente no futuro. “A qualidade do vínculo precoce interfere no desenvolvimento emocional, na linguagem, na confiança e até na estruturação psíquica da criança. Por isso, o cuidado com a saúde mental materna é também um cuidado com o bebê”, diz Clarissa.
Prevenção da depressão pós-parto
Nem sempre dá para evitar que o quadro se desenvolva, mas, com atenção e cuidado, dá para reduzir os riscos. Uma escuta atenta na gestação, o fortalecimento da rede de apoio e o acesso à informação de qualidade ajudam muito. Evitar a idealização da maternidade também.
Uma das ferramentas mais importantes para o preparo emocional dos pais e para a detecção de sinais precoces de questões mentais, como a depressão perinatal, é o pré-natal psicológico. “Falar sobre o assunto durante a gestação é um ato de prevenção. A informação, quando chega antes do sofrimento, prepara emocionalmente, reduz estigmas e salva vidas. Uma mulher que sabe o que pode sentir, sabe também que pedir ajuda não é sinal de fracasso, mas de força”, aponta a psicóloga perinatal Clarissa. “Com acompanhamento psicológico na gestação, preparo emocional para o puerpério, uma rede de apoio fortalecida e um plano realista para o pós-parto, é possível viver uma maternidade mais leve, mais conectada e menos solitária”, completa.
Fonte: Revista Crescer