O que causa a gagueira? Novo estudo genético ajuda a explicar


Maior pesquisa genética já feita sobre a gagueira revela 57 regiões do DNA ligadas ao distúrbio e desafia antigos estigmas; entenda

(MaryValery/Getty Images)

A gagueira do desenvolvimento, caracterizada por repetições de sílabas e palavras, prolongamentos de sons e pausas involuntárias, é o distúrbio de fluência mais comum do mundo, somando mais de 400 milhões de casos no mundo. Por mais que esse transtorno já seja bem registrado, os especialistas ainda desconhecem certos pontos básicos a seu respeito, como os mecanismos genéticos que a explicam.

O maior estudo genético já realizado sobre o tema, publicado nesta segunda-feira (28) na revista Nature Genetics, revelou uma base genética clara para a gagueira, com a identificação de 57 regiões do DNA humano e 48 genes possivelmente associados à condição. A iniciativa ainda sugere uma arquitetura genética compartilhada entre a gagueira e o autismo, a depressão e a musicalidade.

Segundo os autores, os resultados fornecem uma base para pesquisas adicionais que podem levar à identificação precoce ou a avanços terapêuticos na gagueira. De forma mais ampla, aprimorar a compreensão das causas da gagueira pode substituir visões ultrapassadas sobre a gagueira, frequentemente compartilhadas pelo público em geral e que contribuem para o estigma da condição.


Impactos da gagueira

“Ninguém entende realmente por que alguém gagueja; isso tem sido um completo mistério. E isso se aplica à maioria das patologias da fala e da linguagem. Elas são profundamente pouco estudadas porque não levam as pessoas ao hospital, mas podem ter consequências enormes na qualidade de vida das pessoas”, afirma Jennifer Below, autora correspondente do artigo, em comunicado.

Para ela, entender os fatores de risco para características da fala e da linguagem é o primeiro passo para poder identificar indivíduos com a condição de maneira precoce e lhes oferecer tratamento adequado, se necessário. Vale lembrar que a gagueira costuma se manifestar durante a infância, entre os 2 e 5 anos de idade.

Jovens que gaguejam relatam aumento de bullying, diminuição da participação em sala de aula e uma experiência educacional mais negativa. A condição também pode impactar negativamente as oportunidades de emprego desses indivíduos, a sua percepção de desempenho profissional e, por fim, o seu bem-estar mental e social.

“Há centenas de anos existem ideias equivocadas sobre as causas da gagueira, que vão desde hipóteses sobre canhotos a traumas de infância e mães autoritárias”, destaca Below. “Em vez de ser causada por falhas pessoais, familiares ou de inteligência, nosso estudo mostra que a gagueira é influenciada por nossos genes”.


Análise genética

De forma a chegar nessa conclusão, a equipe recorreu aos dados da 23andMe Inc, uma empresa de testes genéticos. Ao todo, foram analisados os perfis genéticos de 99.076 usuários que responderam "sim" à pergunta "você já gaguejou?", e os compararam com os 981.944 indivíduos que disseram "não", agrupando os resultados por sexo e ancestralidade genética.

O resultado indicou 57 regiões genéticas com contribuições modestas para o risco de gagueira. Isso coloca a gagueira em sintonia com outras características complexas e poligênicas, como insônia e diabetes tipo 2. A análise também apontou para 48 genes que podem, eventualmente, ajudar os pesquisadores a entender por que a gagueira surge.

Nesse sentido, o sinal mais forte surgiu para o VRK2. O gene tem sido associado ao desenvolvimento neuronal precoce, e variantes têm sido associadas a distúrbios neurológicos como esquizofrenia, epilepsia e esclerose múltipla, bem como à capacidade prejudicada de bater palmas ou bater os pés no ritmo de uma batida musical.

“Historicamente, pensamos em musicalidade, fala e linguagem como três entidades separadas, mas esses estudos sugerem que pode haver uma base genética compartilhada”, explica Below. “A arquitetura do cérebro que controla nossa musicalidade, nossa fala e nossa linguagem pode ser parte de um caminho compartilhado”.

O estudo oferece a primeira evidência genética para uma teoria já emergente na área de que problemas de ritmo podem estar por trás da gagueira, aponta a revista Science. Mais de 20 genes identificados no estudo já foram associados, no passado, a condições neurológicas e mentais, incluindo autismo e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).


Limitações do estudo

Os autores reconhecem diversas limitações no seu estudo. Dentre os quais está o fato de ele incluiu mais mulheres do que homens, enquanto, em todo o mundo, os homens têm aproximadamente quatro vezes mais probabilidade de gaguejar do que as mulheres.

Um outro ponto diz respeito a dificuldade dos pesquisadores de conseguirem confirmar se alguma região genética está associada à gagueira em certos grupos com ascendência asiática e africana. Isso ocorreu porque não havia participantes suficientes dessas origens.

Mas isso não diminui a importância do estudo. A equipe acredita que trabalhos futuros podem ajudar a consolidar essas novas dicas genéticas para identificar genes com um papel causal na gagueira e, a longo prazo, ajudar a dissipar o seu estigma.

“Há muitas perguntas sem resposta sobre a gagueira e, como alguém pessoalmente afetado, eu queria contribuir para este conjunto de pesquisas”, aponta Dillon Pruett, coautor do estudo. “Nosso estudo descobriu que existem muitos genes que, em última análise, contribuem para o risco de gagueira, e esperamos usar esse conhecimento para, com sorte, desenvolver novas abordagens terapêuticas”.


Fonte: Revista Galileu




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