Michel sofria muito bullying na escola, por isso resolveu se submeter a uma bariátricaImagem: Arquivo pessoal
Aos 13 anos, Michel Atie decidiu mudar o rumo da própria vida. Enfrentando desde a infância os desafios da obesidade, da dor física e do bullying, ele encontrou na cirurgia bariátrica uma chance de recomeçar. "Desde os meus 4 anos, sofria bullying. Cansei de ser xingado de gordo, baleia e lixo na escola. Na educação física, quase sempre era o último a ser escolhido. Era muito difícil."
Michel passou pela cirurgia bariátrica em abril de 2021, quando tinha 13 anos. Na época, com 1,47 m de altura ele pesava cerca de 90 quilos. "Nunca fui de comer doce, salgadinho ou em grandes quantidades, mas engordava com facilidade."…
Antes de fazer a cirurgia, ele tentou de todas as formas emagrecer: "Meus pais fizeram de tudo. Não traziam doce para casa, comíamos carne com pouca gordura, arroz integral, feijão, mas era uma questão genética e eu não conseguia".
Quando resolveu fazer a cirurgia bariátrica, Michel passou meses em acompanhamento psicológico, nutricional e médico. Por ser menor de idade, seus pais também tiveram que assinar um termo de responsabilidade…
"Depois da cirurgia, minha vida social mudou completamente. Comecei a ter amigos na escola, o que me fez questionar: eu era a mesma pessoa, só tinha mudado meu corpo", recorda o adolescente, hoje com 18 anos
Hoje, com 1,75 m e 67 quilos, Michel não tem mais dores nos joelhos e nas pernas. "Digo que a cirurgia me deu liberdade para ser quem sou", diz o jovem, que atua como cantor, dançarino e ator.
Novas regras
Em maio deste ano, o CFM (Conselho Federal de Medicina), através da Resolução 2.429/2025, tornou mais flexíveis as regras para que adolescentes, assim como Michel, possam ter a oportunidade de se submeter a uma cirurgia bariátrica. Antes, a cirurgia só era permitida em adolescentes em caráter experimental, diante de protocolos de pesquisa aprovados por comitês de ética ou com autorização judicial
Agora, pacientes a partir dos 14 anos, com obesidade grave (IMC maior que 40) e complicações clínicas podem fazer a cirurgia, desde que com a devida avaliação de equipe multidisciplinar, envolvendo médico psiquiatra, nutrólogo, cardiologista, nutricionista, psicólogo e cirurgião bariátrico, e com consentimento dos responsáveis
Segundo o Atlas Mundial de Obesidade de 2025, 12,9% da população entre 5 e 9 anos estão acima do peso
Marcio Mancini, endocrinologista e diretor do Departamento de Tratamento Farmacológico da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) aponta que o principal impacto da nova norma foi proteger o cirurgião e a equipe médica, que antes enfrentavam barreiras éticas para operar pacientes com menos de 16 anos
"Antes da resolução, a cirurgia só era permitida abaixo dessa idade em protocolos de pesquisa aprovados por comitês de ética. Isso dificultava a atuação médica em casos graves, como o de adolescentes com 14 anos e obesidade severa", diz Mancini, que também integra a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
Marcos Leão, cirurgião bariátrico, especialista em cirurgia bariátrica na adolescência e membro da SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica), destaca que nos últimos anos tem crescido a procura de pessoas mais novas para realizar cirurgia
"Isso não se deve as novas regras, até porque elas são recentes e ainda não foram incorporadas pelos planos de saúde, pois isso depende da regulamentação da ANS, mas à popularização da cirurgia e de seus efeitos benéficos", explica o cirurgião
Segundo Leão, atualmente, existem cerca de 12 tipos de cirurgia bariátrica no mundo. No entanto, as mais comuns realizadas em jovens são o bypass gástrico e a gastrectomia vertical (sleeve gástrico).
"Ambas são amplamente utilizadas em adolescentes. A gastrectomia vertical, conhecida como sleeve gástrico, tem sido mais adotada por ser menos impactante e mais simples, envolve apenas o estômago. Ela proporciona boa perda de peso, não interfere na absorção de ferro, o que é especialmente positivo para meninas adolescentes. Já o bypass gástrico é mais complexo, mas indicado para casos de refluxo ou diabetes, embora essas condições sejam menos comuns nessa faixa etária", diz o médico.
Prós e contras
Os benefícios de a cirurgia bariátrica ser realizada mais cedo são melhora ou até a remissão de comorbidades como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia obstrutiva do sono e esteatose hepática.
"Há muitas evidências de que quanto mais jovem o paciente, mais reversíveis são algumas lesões metabólicas. Além do potencial benefício psicológico, como melhora da autoestima, qualidade de vida e funcionalidade social", diz Samara Rodrigues, médica endocrinologista e membro da Abeso.
Por outro lado, existem questões a se preocupar, principalmente, em torno de deficiências nutricionais no pós-operatório, especialmente caso não haja bom acompanhamento com suplementação adequada e adesão do paciente.
"Como em qualquer procedimento cirúrgico, há riscos, mas eles são baixos, especialmente, entre adolescentes, que geralmente não apresentam comorbidades clínicas graves nem impacto cardiovascular significativo", ressaltou Marcos Leão.
Em contrapartida, o impacto da obesidade grave na adolescência é gigantesco: reduz a qualidade de vida, provoca isolamento social, aumento da ansiedade, causa depressão e até tentativas de suicídio.
O que levar em consideração antes de uma bariátrica?
Antes de realizar uma cirurgia bariátrica na adolescência, é importante que todas as possibilidades de tratamento clínico para emagrecer sejam esgotadas.
"Isso inclui tentativas de aumento da atividade física, uso de medicações disponíveis e acompanhamento com nutricionista. A cirurgia não deve ser a primeira opção —é preciso respeitar esse processo", defende o endocrinologista Marcio Mancini.
Samara Rodrigues também ressalta a importância de o adolescente ter o entendimento claro das mudanças de estilo de vida necessárias no pós-operatório. "Durante esse processo, o adolescente precisa ter suporte familiar."
Por outro lado, existem grupos de pessoas que não podem realizar o procedimento. É o caso de pessoas que possuem doença psiquiátrica não controlada; dependência ativa de álcool ou drogas (o paciente pode ter histórico, mas não pode estar em uso no momento da cirurgia); doenças que ameaçam a vida a curto prazo; ou presença de varizes no esôfago ou estômago, comuns em pacientes com cirrose hepática.
Fonte: UOL


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