Os presos, de 21 e 22 anos, que já tinham criado ao menos sete campanhas falsas, usaram redes sociais para arrecadar dinheiro se passando por famílias de crianças doentes

Dois jovens de Brasília foram presos suspeitos de aplicar um golpe cruel envolvendo a imagem da menina capixaba Yara Rohsner em tratamento contra o câncer e que faleceu em janeiro deste ano. A criança ficou conhecida após viralizar nas redes sociais ao cantar 'Let It Go', da animação Frozen, durante sessões de quimioterapia na Capital Federal. A mãe da vítima descobriu, em maio de 2024, que uma falsa campanha de arrecadação estava circulando nas redes sociais usando a foto da filha.
O dinheiro, no entanto, não ia para a família da criança, mas sim para os golpistas. A identidade do ex-casal não pode ser divulgada, pois ainda não foram denunciados.
De acordo com a Polícia Civil do Espírito Santo, a mulher de 21 anos e o ex-companheiro, de 22 anos, criaram perfis falsos no Instagram, TikTok e outras redes sociais para conferir veracidade à campanha. Inicialmente, a criança era identificada pelo nome verdadeiro, mas depois os golpistas alteraram para “Helena”, com o intuito de dificultar a identificação e vinculação ao caso real.
Um dos perfis usava o e-mail "helenalivredocancer@...", encontrado ativo em um computador apreendido pela polícia durante o cumprimento de mandado de busca em Riacho Fundo I, no Distrito Federal.
Os criminosos confessaram à polícia que haviam criado ao menos outras sete campanhas fraudulentas, sempre usando imagens de crianças reais em situação de vulnerabilidade ou em tratamento de saúde. Segundo relataram, faziam buscas na internet por perfis de famílias que compartilhavam histórias sensíveis e, a partir disso, criavam novas páginas, copiavam as imagens e começavam a pedir doações. No caso da menina capixaba, os golpistas admitiram ter conseguido cerca de R$ 60 mil.
Padrão de vida alto

De acordo com a PC os bandidos mantinham um padrão de vida acima da média com o dinheiro das vaquinhas Crédito: Divulgação | Polícia Civil
As investigações também apontaram que o casal usava o dinheiro arrecadado de forma ilícita para a compra de eletrodomésticos, celulares, e até um carro. Quando a polícia chegou à residência da suspeita, foram encontrados itens de alto valor incompatíveis com a renda declarada. Os investigados chegaram a usar contas bancárias próprias e de terceiros — os chamados “laranjas” — para movimentar o dinheiro. A Polícia Civil já pediu o bloqueio dessas contas e aguarda a quebra de sigilo bancário para rastrear o destino dos valores.
Os dois foram presos em momentos diferentes. A mulher foi encontrada na residência com um novo companheiro e, após ser detida, revelou o endereço onde estaria o ex-namorado e cúmplice no crime. Ambos foram levados para a delegacia e encaminhados ao sistema prisional do Distrito Federal, onde permanecem à disposição da Justiça. Eles vão responder por estelionato qualificado, associação criminosa e fraude eletrônica.
Segundo o chefe da Divisão Patrimonial (DRCCP) e titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), delegado Brenno Andrade, durante o depoimento, os investigados demonstraram frieza e pouco arrependimento.
A mulher alegou trabalhar como cuidadora de idosos e o homem disse ser empresário do ramo de alimentação. Ainda segundo a polícia, o histórico da jovem levanta outras suspeitas: de acordo com o ex-companheiro e indícios apurados na casa em que foi apreendida de que ela já tenha comercializado medicamentos abortivos ilegalmente. Mensagens e registros no computador apreendido estão sendo analisados para confirmar essa prática.
Mais prisões
A investigação também tenta identificar outros envolvidos. Há pelo menos mais uma mulher sob investigação, que teria emprestado a conta bancária usada em uma das campanhas. A polícia avalia se esse terceiro agia como laranja ou se tinha conhecimento do golpe.
“A polícia continua a investigação para identificar em que estado ela está, a fim de cumprir o mandado de prisão. Nesse caso, ela deve responder por associação criminosa e também pelo crime de estelionato, praticado por meio de fraude eletrônica, cuja pena varia de cinco a oito anos. Portanto, não é uma pena considerada branda”, explicou o delegado.
A polícia considera o caso extremamente grave. “Dentre tantos crimes com os quais lidamos — abusos, exploração sexual, pornografia — esse nos chamou atenção pelo grau de crueldade e frieza. Aproveitar-se da dor de uma família e da imagem de uma criança doente para enriquecer é, no mínimo, asqueroso”, disse o delegado.
Próximos passos
O caso agora segue em fase de aprofundamento. A polícia busca mapear as outras campanhas fraudulentas criadas pela dupla, identificar as vítimas reais e calcular o total arrecadado ao longo dos anos. Os investigados afirmam que começaram a aplicar os golpes entre 2022 e 2023. Ainda não se sabe em quais estados as outras crianças foram usadas como isca nas falsas campanhas.
Segundo os investigadores, o caso da menina capixaba só foi descoberto porque, embora a mãe tivesse sido bloqueada pelos golpistas, pessoas próximas à família encontraram a vaquinha falsa e alertaram.
Fonte: A Gazeta