Produzido na forma líquida em laboratórios, entorpecente é borrifado em fragmentos vegetais — até em folhas de chá — para depois ser comercializado
![]() |
Droga K apresenta níveis de THC centenas de vezes mais potentes, podendo ser letal já no primeiro uso Crédito: Imagem gerada por IA |
Uma substância com potencial de dependência já no primeiro uso e com efeitos até 100 vezes maiores do que os provocados pela maconha. Essas são algumas das características da droga K — também conhecida como K2, K9 ou spice —, que já circula pelo Espírito Santo.
Produzida na forma líquida em laboratórios, muitas vezes clandestinos, a droga K é borrifada em fragmentos vegetais, das folhas de chá à maconha, para depois ser comercializada. "Os criminosos também impregnam esse líquido em papéis, em pó, tudo isso para tentar ludibriar a polícia e dificultar nosso trabalho de identificar esses materiais no transporte até a distribuição", afirma o perito Victor da Rocha Fonseca, responsável pela análise das últimas apreensões no Laboratório de Química Forense da Polícia Científica.
Victor Fonseca afirma que a droga K está na classe dos canabinoides, mas na versão sintética. Um dos exemplos mais conhecidos de canabinoide é o tetrahidrocanabinol, ou THC, que é o princípio ativo natural da planta Cannabis sativa — a maconha.
"Esses canabinoides sintéticos, apesar da similaridade com a maconha, têm efeitos até 100 vezes maiores. É, por isso, que é muito perigoso usar termos como 'supermaconha' para a droga K, comumente utilizados pela população, porque pode dar a falsa sensação de segurança, como se fosse menos arriscado consumir, ou como se tivesse os mesmos riscos da maconha. A droga K oferece um risco muito grande e há relatos de morte em outros Estados", alerta.
Outro problema observado por Victor Fonseca é a possibilidade de o usuário confundir o canabinoide sintético com a maconha tradicional, levando ao consumo de doses perigosas sem saber.
O perito conta que o canabinoide age numa região do cérebro que causa efeitos que podem começar com confusão mental, psicose aguda e perda da coordenação motora até complicações que levam à insuficiência renal e à parada cardiorrespiratória, tornando iminente o risco de morte.
Análises
A maior apreensão de droga K no Espírito Santo foi registrada em julho do ano passado, em Nova Venécia, na Região Noroeste. O Laboratório de Química Forense identificou a presença do canabinoide sintético em 536 pinos contendo substância vegetal. A droga já havia sido apreendida no Estado em 2023, em Itaguaçu, também no Noroeste, em pequena quantidade. Na época, foram seis pinos, sinalizando a chegada da substância em território capixaba.
Victor Fonseca, responsável pelas análises, conta que, quando uma substância chega ao laboratório, são feitos exames preliminares, mais simples, para uma triagem que define as ferramentas que serão usadas na sequência. Diante do resultado, a substância é colocada em equipamentos mais robustos.
"No caso da droga K, que não é comum no Espírito Santo, a gente passa geralmente por dois ou três equipamentos para confirmar essa droga e sempre trata com mais cuidado. Faz mais vezes a análise para não ter dúvidas de que se trata daquela droga mesmo", comenta.
Investigação
O delegado Tarcísio Otoni, chefe do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), afirma que a droga K é uma substância já conhecida desde os anos 1990 nos Estados Unidos, onde ficou popular como spice, mas só recentemente chegou ao Brasil, principalmente na Zona Leste de São Paulo. No Espírito Santo, há um monitoramento constante de novas drogas.
O delegado explica que, como outras substâncias sintéticas, a droga K foi desenvolvida inicialmente em laboratório americano com a intenção de tratar dores de pacientes com câncer e Aids, mas acabou se popularizando como droga de abuso, a exemplo do fentanil e da oxicodona.
Otoni reforça os efeitos da droga no organismo. Enquanto a maconha possui um teor de THC entre 4% e 6%, a droga K apresenta níveis centenas de vezes mais potentes, podendo ser letal já no primeiro uso. "O entorpecente ganhou o apelido de 'zumbi' e, segundo informações recebidas pelo Denarc, até mesmo traficantes em São Paulo têm proibido sua comercialização, temendo prejuízos financeiros, já que usuários deixam de consumir outras drogas como o crack", diz o delegado, em nota da Polícia Civil.
Tarcísio Otoni destaca ainda que, enquanto drogas como maconha, cocaína e crack têm rotas de origem conhecida, os sintéticos como a droga K podem ser enviados via correio, dificultando o rastreio e a catalogação. No entanto, ele garante que o Denarc mantém vigilância permanente, principalmente pela proximidade com Estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
"O Denarc segue atuando para evitar que essas novas drogas sejam incorporadas ao cenário capixaba, enfrentando o desafio tanto de saúde pública quanto de fortalecimento do narcotráfico", conclui.
Fonte: A Gazeta