O médico Luiz Antonio Garnica e a mãe, Elisabete Arrabaça, se tornaram réus após a Justiça aceitar denúncia por feminicídio qualificado

O médico Luiz Antonio Garnica, de 38 anos, acusado de matar a esposa, Larissa Rodrigues, 37, envenenada, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, movimentou dinheiro da vítima após o crime, aponta denúncia do Ministério Público do estado (MPSP).
Luiz e a mãe, Elisabete Arrabaça, de 67 anos, são acusados de feminicídio qualificado pelo envenenamento da professora de pilates, encontrada morta em 22 de março. Os dois estão presos desde 6 de maio.
Nessa quinta-feira (3/7), a prisão temporária foi convertida em preventiva, após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aceitar a denúncia do MPSP, tornando Luiz e Elisabete réus. O processo corre sob sigilo.
O que aconteceu
- No dia 22 de março, Luiz relatou à polícia que chegou ao apartamento do casal, no bairro Jardim Botânico, zona sul de Ribeirão Preto, e estranhou o fato de a mulher, Larissa Rodrigues, não responder ao seu chamado.
- Segundo o boletim de ocorrência, ele disse que, depois de procurar a esposa por diferentes cômodos da casa, a encontrou no banheiro, caída e desfalecida.
- Garnica também relatou que, por ser médico, pegou a esposa e a colocou na cama do casal para a realização de procedimentos de urgência, mas disse que não teve sucesso e chamou o Samu.
- A equipe acionada confirmou a morte da professora no local. O caso, inicialmente, foi registrado como morte suspeita.
- Laudos foram solicitados ao Instituto Médico Legal (IML) e ao Instituto de Criminalística (IC) para apontar as circunstâncias da morte.
- O primeiro exame no corpo de Larissa foi inconclusivo e apontou que ela tinha lesões patológicas no pulmão e no coração, além de “cogumelo de espuma”, termo médico que indica contato do ar com líquido do organismo e que pode ocorrer tanto em situações de morte natural e não natural.
- Um novo laudo toxicológico apontou a presença de chumbinho no corpo de Larissa.
- Por isso, a Polícia Civil pediu a prisão de Luiz Antonio e de sua mãe, que também estaria envolvida no crime.
Médico acessou contas da esposa
Luiz acessou as contas bancárias de Larissa pouco depois da morte da professora de pilates, como confirmou o promotor de Justiça Marcus Tulio Alves Nicolino ao Metrópoles.
Segundo Nicolino, em 24 de março, apenas dois dias após a vítima ser encontrada morta, o médico acessou a conta da esposa para pagar o IPVA do veículo dela. Na mesma data, ele também pesquisou os extratos bancários da mulher.
Em 26 de março, Luiz comunicou à Caixa Econômica Federal sobre o falecimento de Larissa com a intenção de quitar parte do financiamento do apartamento onde morava com a mulher com o seguro de vida. E, em 30 de março, ele criou um documento com uma nova senha para acessar um portal de seguros do qual a professora era cliente.
O gerente do banco no qual Larissa tinha conta prestou depoimento à Polícia Civil, confirmando as movimentações financeiras feitas pelo médico.
A investigação apurou ainda que Luiz pesquisou temas que denotam preocupação com o patrimônio da mulher, como “seguros e operações imobiliárias”, “fundo de garantia e rescisão contratual pós falecimento” e “tabela Fipe do veículo Creta/2019”. Para a promotoria, as movimentações demonstram frieza após o cometimento do crime.
Crime teve motivação financeira
Para a promotoria, o crime foi premeditado e teve motivação financeira. A investigação apurou que o médico estava tendo um caso extraconjugal, que foi descoberto por Larissa. Ciente da traição, a professora passou a dizer que procuraria um advogado para se divorciar.
“Ele não estava em uma situação confortável financeira, a mãe também não. Então, com o divórcio, com certeza ele teria que dividir o apartamento que eles moravam e eventuais outros recursos, o que agravaria a situação financeira dele. Isso porque, além de ter que dividir o seu patrimônio, ele ainda estava ajudando a amante com uma certa quantia de dinheiro”, explicou Nicolino.
Sogra envenenou nora aos poucos
Com o divórcio iminente, Elisabete passou a visitar a nora, sempre levando pratos de comida. A suspeita é que ela tenha envenenado Larissa, inicialmente, com pequenas doses. Todo o processo de envenenamento teria durado cerca de 10 dias.
“Há vários registros de que ela estava passando mal, sobretudo quando a sogra saía da casa dela ou levava algum alimento, alguma coisa [para comer]. Isso está materializado”, disse o promotor.
Em 21 de março, uma sexta-feira, a professora mandou mensagens a Luiz, dizendo que iria procurar um advogado – na segunda-feira seguinte – para oficializar a separação. Em seguida, o médico ligou para a mãe, como ficou comprovado na investigação.
Elisabete, então, foi até o apartamento onde Larissa morava com o marido e a envenenou com uma dose letal, segundo a denúncia do MPSP. A professora foi encontrada morta no dia seguinte, às 10h.
Dias antes, a sogra pesquisou na internet sobre os efeitos do veneno. “Ela [Elisabete], dias antes do crime, teria feito pesquisas no Google sobre os efeitos do chumbinho. Já existe essa comprovação no inquérito, o que afasta qualquer possibilidade, segundo nosso entendimento, de que esse veneno foi dado para a Larissa de forma enganosa”, destacou Marcus.
Mulher também teria matado filha envenenada
No mês anterior à morte de Larissa, Nathalia Garnica, de 42 anos – filha de Elisabete e irmã de Luiz – também morreu sob circunstâncias suspeitas, em 9 de fevereiro, em Pontal, no interior de São Paulo. Ela foi encontrada morta pela mãe.
Após um laudo toxicológico detectar a presença de chumbinho no corpo de Larissa, a Polícia Civil passou a suspeitar da causa da morte de Nathalia. A pedido da corporação, a Justiça autorizou a exumação do corpo da mulher. Exames toxicológicos mostraram que ela também foi envenenada.
O caso abriu uma nova investigação em Pontal, tendo Elisabete como a principal suspeita. A ligação entre as duas mortes também reforçou a tese do MPSP de que o envenenamento foi premeditado.
“Ela fez isso com a filha, achou que deu resultado, porque não se suspeitou de nada, se suspeitou apenas o que se confirmou na época, de que a filha tinha morrido de morte natural. Então, ela resolveu usar o mesmo método”, afirmou Marcus.
Para o promotor, a motivação também teria sido financeira. “Como a filha não era casada e não tinha filhos, com a morte dela, é claro que uma parte dos bens iria para a mãe”, disse à reportagem.
Quando outra filha de Elisabete foi acessar as contas da mãe após a prisão, descobriu que a genitora possui dívidas que somam R$ 320 mil, o que corrobora a versão dos investigadores de que os crimes tiveram motivações financeiras.
Feminicídio qualificado
Na denúncia, a promotoria acusa Elisabete e Luiz de feminicídio com três qualificadoras: motivo torpe, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e insidioso ou cruel por envenenamento.
Luiz também foi denunciado por fraude processual, pois teria alterado a cena do crime “de modo a mascarar a situação para prejudicar o trabalho da perícia e da polícia”, afirmou o promotor do MPSP.
O que diz a defesa
O advogado Bruno Corrêa Ribeiro, que faz a defesa de Elisabete Arrabaça, disse, em nota, não concordar com a decretação da prisão, “pois entendemos que não estão preenchidos os motivos utilizados, quais sejam: garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei”.
O defensor afirma que a aposentada não apresentou, em nenhum momento, qualquer possibilidade de fuga ou não cumprimento de eventual pena. Ele também destaca que não há elementos concretos que indiquem que os acusados, em liberdade, representem risco real e atual à ordem pública.
“A prisão preventiva não pode servir como antecipação da pena ou como instrumento de resposta social simbólica ao crime. A fundamentação utilizada aproxima-se perigosamente de um juízo de culpabilidade antecipada, contrariando o princípio da presunção de inocência”, disse o advogado, que sugere liberdade plena ou medida cautelar diversa da prisão como “panorama legal correto”.
“Procuraremos retomar a liberdade de nossa cliente através das ferramentas legais disponíveis, para que ela possa responder a essa acusação e, eventuais outras, como a lei determina, solta”, finalizou a nota.
A reportagem contatou a defesa de Luiz e aguarda um posicionamento. O espaço segue aberto.
Fonte: Metrópoles