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MPES pede tombamento da Pedra Azul para conter avanço imobiliário na região. Espírito Santo. — Foto: Reprodução |
No auge do inverno capixaba, quando o frio e a paisagem da serra atraem turistas de todo o Brasil, a região de Pedra Azul, em Domingos Martins, ganha ainda mais visibilidade. É nesta época que os visitantes se encantam com o cenário da natureza, a gastronomia local e a imponente formação rochosa que dá nome à região que é um dos principais cartões-postais do Espírito Santo.
Mas o que torna o lugar tão especial também está ameaçado. O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) solicitou a abertura de um processo de tombamento da formação rochosa da Pedra Azul com o objetivo de proteger o patrimônio natural da especulação imobiliária crescente na região.
O pedido foi feito junto à Secretaria de Estado da Cultura (Secult) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Segundo o MPES, a ocupação desordenada pode causar "sérios e irreversíveis prejuízos" ao meio ambiente e à paisagem local, que é considerada uma das mais emblemáticas do estado.
Imagens de satélite mostram a mudança na ocupação urbana da região de Pedra Azul entre 2014 e 2024. A promotora de Justiça Jane Vello Corrêa, responsável pelo procedimento, afirmou que a expansão precisa ser controlada.
"O que nós temos agora no município de normatização é a permissão de construções de edificações de três ou quatro andares, cuja altura pode chegar até 18,5 metros no entorno. Agora, imagine a gente passando pela BR-262 e termos ao nosso lado edificações com essa altura? [...] Não é um movimento do MPES para impedir a ocupação, mas que essa ocupação se dê de forma a não atrapalhar a paisagem", apontou.
O Parque Estadual da Pedra Azul foi criado na década de 1960 e possui cerca de 1.300 hectares de Mata Atlântica preservada. A região também é estratégica para o ecossistema local, turismo e economia capixaba.
Mercado imobiliário em alta: "Praticamente dobrou de preço"
Corretores de imóveis que atuam na região relatam que o interesse por terrenos e casas aumentou consideravelmente nos últimos anos. A valorização imobiliária está diretamente ligada à vista privilegiada e ao contato com a natureza. A Rota do Lagarto é uma das áreas com dezenas de construções.
"Praticamente dobrou de preço. Quanto melhor a vista, mais caro fica. A topografia conta, a vista mais ainda", disse o corretor Alan Thomazini.
Já o corretor Angelo Lage observou uma mudança no perfil de quem busca imóveis na região.
"A procura aqui sempre foi boa. O pessoal vinha, principalmente da Grande Vitória ou até de fora do estado e do país, buscando a área de Pedra Azul para construir uma segunda moradia. Hoje, isso está mudando. As pessoas estão vindo mais para morar mesmo na região", afirmou.
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MPES pede tombamento da Pedra Azul para conter avanço imobiliário na região. Espírito Santo. — Foto: TV Gazeta |
Moradores veem risco à beleza natural
Quem frequenta ou vive na região também demonstra preocupação com o crescimento das construções. A empresária Fernanda Jahring, que mora no centro de Domingos Martins e visita a região da Pedra Azul com frequência, acredita que é essencial preserva o "charme" do município.
"Um conflito com a nossa beleza natural. Muitas construções, condomínios de casa no meio da Pedra, o que pode acabar com a beleza do local. [...] Se perder o charme, perdeu tudo, porque o forte de Domingos Martins, seja no Centro ou em Pedra Azul, é a beleza ambiental, a gastronomia. A Pedra é um charme que não se pode perder", falou a empresária.
Relatório técnico aponta riscos ambientais
O pedido do MPES se baseia, entre outros documentos, em um relatório técnico do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).
O documento afirma que o Parque Estadual da Pedra Azul "vem sofrendo nos últimos anos problemas ambientais que colocam em risco o alcance dos objetivos de sua criação legal".
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MPES pede tombamento da Pedra Azul para conter avanço imobiliário na região. Espírito Santo. — Foto: TV Gazeta |
Ainda segundo o relatório, a pressão imobiliária ameaça elementos paisagísticos da região, especialmente a visada do maciço da Pedra Azul. Também foram observados o uso irregular do solo e da água, além da expansão de condomínios sobre áreas naturais.
Diante disso, o Iema recomendou o tombamento do maciço rochoso, que inclui a Pedra Azul, a Pedra do Lagarto e a Pedra das Flores, como forma de assegurar a proteção ambiental e cultural da área para as futuras gerações.
Para o Ministério Público, o tombamento é necessário para impedir que o entorno da Pedra Azul se transforme em uma paisagem de uma capital.
"Temos que ter uma ocupação urbana que não descaracterize o entorno do parque, então não podemos transformar aquele entorno numa paisagem urbana de uma capital", alertou a promotora Jane Vello Corrêa.
Embora a construção na área passe por processos legais e ambientais, como aprovação da prefeitura, Iema, Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) e comissões internas dos condomínios, corretores afirmam que a fiscalização precisa ser constante.
"Se não fiscalizar, vira bagunça. Essa é a questão", pontuou o corretor Alan Thomazini.
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MPES pede tombamento da Pedra Azul para conter avanço imobiliário na região. Espírito Santo. — Foto: TV Gazeta |
MP propõe apoio federal ao tombamento
Em fevereiro, quando a iniciativa foi proposta, a promotora Jane Vello Corrêa se reuniu com o procurador da República Carlos Vinicius Soares Cabeleira para propor que o Ministério Público Federal (MPF) também atue junto ao Iphan no processo de tombamento da Pedra Azul.
A iniciativa conta ainda com o apoio do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Meio Ambiente do MPES (CAOA), representado pela promotora Bruna Legora.
Procurado, o Iphan informou que o Ministério Público Estadual realizou o pedido para o acautelamento de patrimônio cultural, a nível federal, do patrimônio natural paisagístico do maciço de Pedra Azul, situado no município de Domingos Martins.
Nesse momento, a equipe técnica da Superintendência do Iphan Espírito Santo está em processo de elaboração de nota técnica e documentação necessária para a abertura do processo de tombamento, seguindo a Portaria nº 11/86.
60 alvarás em 2024
Já a Prefeitura de Domingos Martins disse que, em toda a região de Aracê, onde se localiza o Maciço da Pedra Azul, foram emitidos 60 alvarás em 2024 para construções unifamiliares, comerciais, reformas e ampliações.
"O número se mantém exatamente igual ao registrado em 2023, não havendo, portanto, aumento na demanda. O município possui ainda um Plano Diretor extremamente restritivo para a região do entorno da Pedra Azul, garantindo rigor no ordenamento territorial e na preservação ambiental. Além disso, a Prefeitura mantém uma parceria sólida com o Iema, responsável pelo parque e sua zona de amortecimento, assegurando fiscalização contínua. Obras que ultrapassam os limites permitidos não são liberadas, e qualquer construção sem a devida licença é automaticamente embargada.
Sobre a proposta do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) de tombamento do patrimônio natural paisagístico do maciço de Pedra Azul, o Secretário de Planejamento, André Vargas, reforçou a importância do equilíbrio entre conservação ambiental e desenvolvimento social.
"Não podemos esquecer que, no entorno da Pedra Azul, existe uma dinâmica social consolidada há décadas. A população cresce naturalmente e necessita de oportunidades, serviços públicos e privados, moradia e sustentabilidade. O turismo responsável tem um papel essencial nesse equilíbrio. Se o tombamento vier para fortalecer as restrições já existentes, será uma ferramenta positiva de preservação. No entanto, caso imponha novas limitações extremas, pode comprometer o equilíbrio social e econômico da região, tornando-a inviável para aqueles que ali vivem e dependem dela para seu sustento".
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MPES pede tombamento da Pedra Azul para conter avanço imobiliário na região. Espírito Santo. — Foto: TV Gazeta |
Fonte: G1