Irmãos produtores de café são condenados por irregularidades trabalhistas no Norte do ES


Carlos André, Moyses e Isaac Covre foram condenados pela Justiça do Trabalho após uma série de fiscalizações do Ministério Público do Trabalho; defesa dos réus recorreu e espera reverter decisão

Estruturas irregulares colocavam trabalhadores em risco nas fazendas da Região Norte do Espírito Santo Crédito: MPT

Três irmãos produtores de café em propriedades da Região Norte do Espírito Santo foram condenados pela Justiça do Trabalho por irregularidades trabalhistas, desrespeito a regras de saúde e por falta de normas de segurança para proteção de empregados. Segundo sentença expedida pela Vara do Trabalho de São Mateus, os réus, identificados como Carlos André, Moyses e Isaac Covre, ainda em 2010 foram alvo de uma denúncia sobre condições irregulares de trabalho em propriedades localizadas no Norte capixaba.

Desde então, o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou uma série de fiscalizações em localidades de Pinheiros, Boa Esperança, São Mateus, Montanha e Mucurici até a expedição da condenação dos produtores, no final de junho deste ano. A sentença, assinada pela juíza Tayanne Coelho Mantovaneli, aponta que os irmãos formam um grupo econômico familiar, ou seja, com interesses em comum em meio às atividades de exploração agrícola.

Nas fazendas dos irmãos Covre, entre as irregularidades encontradas, foi constatado que os trabalhadores atuavam sem registro em carteira; sem equipamentos de proteção individual; trabalhavam em ambientes com instalações elétricas precárias e compartilhavam banheiros sem higiene ou estrutura adequada e, além disso, não tinham espaço adequado para alimentação.

Fiscalização identificou trabalhadores sem equipamentos de segurança Crédito: MPT

A sentença ainda destaca que alguns trabalhadores operavam máquinas sem a qualificação e treinamento devido, como escavadeiras, tratores e máquinas para pré-limpeza do café. Além disso, os empregados eram expostos a áreas tratadas com agrotóxicos sem a devida sinalização e sem o uso de equipamentos de proteção pessoal. Com isso, foi determinado pagamento de uma indenização de R$ 500 mil por dano moral coletivo e um pagamento de R$ 1,5 milhão em multa.

Além das penalidades financeiras, a decisão impôs o cumprimento de 21 obrigações por parte dos irmãos nas propriedades, entre elas estão: a manutenção de serviços de saúde e segurança do trabalho, registro correto da jornada, treinamentos obrigatórios, fornecimento e reposição de equipamentos de proteção individual, instalações sanitárias adequadas e proibição do transporte irregular de trabalhadores.

A defesa dos Covre, por sua vez, afirma que recorreu da decisão da Justiça e que espera reverter a sentença apresentando uma série de documentos que comprovariam a regularidade das atividades.


Caso se arrasta por 15 anos

Imagens mostram condições dos poucos banheiros instalados nas propriedades dos Covre Crédito: MPT

Como consta na sentença expedida pela Justiça do Trabalho, nos últimos anos, os produtores chegaram a assinar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo a corrigir as irregularidades. Entretanto, diante de novas fiscalizações, as irregularidades voltavam a ser constatadas, o que levou o Ministério Público do Trabalho a judicializar o caso.

Polyana França, procuradora do MPT, explicou que, após o trabalho técnico de fiscalização da Auditoria Fiscal do Trabalho (SRTE-ES), pelo menos 50 autos de infração foram expedidos somente no ano de 2024 contra os irmãos Covre.

“Esse procedimento estava em investigação há mais de dez anos e vários procuradores do trabalho tentaram resolver o problema extrajudicialmente. Os irmãos Covre configuram um dos maiores grupos de cafeicultores do Norte do Espírito Santo e tem mais de 40 propriedades. Então, no caso da falta de registro dos empregados, por exemplo, é até difícil precisar quantos estavam trabalhando em meio a essas inconformidades”, aponta Polyana.

Ela defende que produtores rurais parem de postergar ações voltadas para a garantia da integridade física e moral dos trabalhadores, não só pelo fato de os consumidores de café estarem se conscientizando sobre a importância de comprar cafés produzidos com responsabilidade socioambiental, mas “principalmente porque o trabalhador é uma pessoa que precisa ter a dignidade reconhecida”.

Nas propriedades dos Covre, por meio de vistorias feitas pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e de inspeções da Auditoria Fiscal do Trabalho por meio da Superintendência Regional do Trabalho, foi constatado que, por diversas vezes, os produtores deixavam de cumprir as obrigações que eles mesmos haviam se comprometido a fazer por meio dos Termos de Ajustamento de Conduta.

“Como eles não cumpriam, foi verificada a necessidade de judicializar o caso. Eles não cooperavam, pagavam multas irrisórias e permaneciam negligentes em relação à necessidade de um ambiente de trabalho sadio e seguro para os trabalhadores”, explica a procuradora do MPT.

Fiscalizações identificaram espaços de trabalho sem condições de segurança para os trabalhadores Crédito: MPT

Diante da existência de inconsistências no registro dos trabalhadores, segundo Polyana, também não é possível precisar a quantidade e características dos trabalhadores que estiveram submetidos a situações de irregularidades ao longo dos últimos anos. Entretanto, a procuradora relata que, em geral, a maioria dos trabalhadores rurais nas lavouras de café do Norte do Estado são homens e que, muitos deles, são negros (pretos ou pardos) que residem na própria região ou oriundos de outros estados, como Bahia e Alagoas.

“Os trabalhadores não eram registrados, não faziam exame médico admissional e no ambiente de trabalho havia uma série de situações que os colocavam expostos a riscos de acidentes graves”, pondera Polyana França.

Com a decisão expedida pela Justiça, o valor que deve ser pago pelos Covre na indenização deve ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a entidades e projetos com ações sociais relevantes na região de atuação dos réus.

Procurado, Jeeferson Oliveira da Silva, advogado que faz a defesa de Carlos André, Moyses e Isaac Covre, afirmou que, diferentemente do que mostra a sentença, as exigências do Ministério Público do Trabalho foram cumpridas nas diferentes propriedades dos irmãos.

“No processo, são citados como os ‘irmãos’ como se formassem um único grupo de empresas, mas cada um tem a sua própria propriedade rural, sua própria fazenda e seus funcionários. Tudo que é pedido para que seja colocado nessas propriedades é colacionado (anexado) no processo, demonstrando que [os pedidos] são cumpridos. Agora vamos aguardar que seja julgado em segunda instância para que a gente consiga reverter a situação”, diz Jeeferson.


Trabalhadores podem procurar pela Justiça

Como os recursos da sentença aos irmãos Covre são fruto de uma sentença por dano moral coletivo, os valores devem ser revertidos para entidades sociais e por isso, os trabalhadores não serão diretamente indenizados. Aqueles que se sentiram prejudicados pelas condições de trabalho nas propriedades dos irmãos — ou em condições similares em outros locais —, segundo Polyana França, podem ajuizar ações individuais em busca dos direitos trabalhistas.

“Caso entendam que foram lesados pela falta de pagamentos de verbas contratuais, por sofrer danos morais ou entendam que estavam expostos a riscos de acidentes, por exemplo, os empregados podem procurar pela Justiça do Trabalho”, completa a procuradora.


Fonte: A Gazeta



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