Criminosos usam máquinas adulteradas para clonar cartões e roubar senhas. Vítimas relatam perdas de até R$ 28 mil em um único dia

Uma investigação da Polícia Civil do Paraná revela a expansão de um sofisticado golpe envolvendo maquininhas de cartão manipuladas por quadrilhas. A fraude, que já foi identificada também em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, consiste em dispositivos que capturam a senha digitada pela vítima e a transmitem imediatamente aos criminosos por bluetooth.
A dinâmica do crime é cada vez mais comum nas ruas: golpistas se passam por ambulantes ou motoristas de aplicativo, convencem a vítima a inserir o cartão na máquina e digitá-lo, e em seguida trocam o cartão por outro semelhante. Em posse do cartão original e da senha, os criminosos passam a fazer compras de alto valor em diversos estabelecimentos.
Caso em Curitiba revela gravidade do golpe - Na capital paranaense, a Delegacia de Estelionato já apreendeu várias dessas máquinas adulteradas. Segundo o delegado Emmanoel David, três pessoas foram presas — todas com antecedentes por estelionato e oriundas de São Paulo. Ele alerta que o golpe está se diversificando: além de ambulantes na saída de eventos, falsos motoboys fazem entregas de presentes no dia do aniversário da pessoa e pedem para ela pagar apenas o frete.
Durante esse processo, segundo ele, o suposto entregador alega falha na senha ou na conexão, troca a maquininha e, nesse momento, substitui o cartão da vítima. A senha digitada é transmitida na hora para a quadrilha, afirma David.
Jornalista perdeu R$ 28 mil após comprar camiseta - A jornalista Maigue Gueths, de Curitiba, foi vítima do esquema após tentar comprar camisetas de um ambulante na saída de um show. “Ele pegou a máquina com meu cartão e disse que não deu certo, que precisaria passar na máquina da colega. Foi muito rápido. Eu nem conferi, o cartão era igual ao meu”, contou.
A fraude só foi percebida na manhã seguinte, quando ela notou que estava com um cartão de outra pessoa e a senha havia sido bloqueada. Ao verificar os gastos, descobriu compras que totalizavam R$ 28 mil em um único dia — incluindo uma única transação de R$ 8,9 mil, além de despesas em postos de combustíveis, lojas de roupas, mercados e até barracas de churros.
“Como um cliente gasta R$ 10 mil de uma vez e ninguém avisa? As notificações estão todas ativadas, mas continuo não recebendo no celular, só no aplicativo, que nem sempre abro”, criticou.
Casos se multiplicam no Sudeste e Sul do país - O Departamento de Investigações Criminais (Deic) de São Paulo já identificou nove vítimas e quatro novos suspeitos. Foram apreendidas 17 máquinas adulteradas e diversos cartões bancários, conforme informou a Secretaria da Segurança Pública do estado.
No Rio Grande do Sul, um torcedor foi vítima ao comprar um lanche na saída de um jogo de futebol. Segundo o delegado Filipe Bringhenti, do departamento de crimes cibernéticos, os criminosos clonaram seu cartão e iniciaram compras que superaram R$ 8 mil.
Santa Catarina também confirmou registros de crimes semelhantes, embora as autoridades locais ainda não tenham fornecido detalhes adicionais.
O médico Thales Bretas, viúvo do humorista Paulo Gustavo, relatou à TV Globo ter sido enganado por um falso taxista no Rio de Janeiro e teve seu cartão clonado em situação parecida.
Reembolso é desafio - De acordo com o advogado Frederico Glitz, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os bancos normalmente se recusam a devolver os valores alegando que as compras foram feitas com a senha pessoal do cliente. "Nos contratos, a senha é intransferível, então o banco entende que existe uma transação autorizada, sem possibilidade de ressarcimento", explicou.
No entanto, ele ressalta que há decisões judiciais obrigando os bancos a ressarcir quando os gastos se mostram completamente fora do perfil do cliente.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) declarou que cada instituição adota uma política própria para reembolso, com base em análise de cada caso. A entidade destacou ainda que os bancos investiram R$ 4,2 bilhões em cibersegurança em 2024 e estimam aplicar R$ 4,7 bilhões neste ano.
Golpes digitais em crescimento no Brasil - Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que os crimes digitais dispararam no país. Em 2023, foram 281,2 mil registros de golpes eletrônicos — um aumento de 17% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizados 222,7 mil casos. A elevação é mais que o dobro da taxa dos estelionatos em geral, que subiram 7,8% no mesmo período.
O relatório aponta, ainda, que a tipificação específica para estelionatos digitais só foi incluída na legislação em 2021. Isso tem dificultado a separação desses registros de outros tipos de fraude nos sistemas das polícias estaduais.
Como se proteger: dicas de especialistas
Para reduzir os riscos, o delegado Emmanoel David e o advogado Frederico Glitz recomendam que o consumidor:
- Ative notificações de transações por SMS ou WhatsApp;
- Reduza o limite do cartão para compras diárias;
- Nunca entregue o cartão a terceiros, mantendo-o sempre à vista;
- Desconfie de maquininhas que não aceitam aproximação ou com visor quebrado;
- Confira se o cartão devolvido é realmente o seu;
- Não aceite justificativas como “falta de sinal” sem verificar pessoalmente;
- Contrate seguros contra roubo de cartão, desde que cubram esse tipo de golpe — alguns não incluem fraudes por senha digitada.
Em caso de golpe, é essencial bloquear imediatamente o cartão, registrar boletim de ocorrência online e acionar o banco para contestação dos débitos. Se necessário, a vítima pode procurar o Procon ou recorrer ao Judiciário.
Fonte: Brasil247