Você está sempre atrasado? A culpa pode ser da sua personalidade


Algumas pessoas são pontuais, outras, flexíveis. O motivo, dizem os especialistas, é que nos relacionamos com o relógio de maneiras diferentes

No início do relacionamento, antes de se casarem, Anne Kelsh trabalhava de casa e gostava de preparar o jantar para o parceiro — o que ela descrevia como “o prazer do papel doméstico”.

Ele disse que gostava de jantar às 18h. Para Anne, esse horário era um pouco cedo, mas ela estava disposta a se adaptar — até que percebeu que “quando ele dizia 18h, era 18h em ponto”.

Para ela, o horário era mais uma sugestão. “Oito da noite é o horário em que a cortina sobe num espetáculo, e você precisa estar lá nesse horário”, disse. “Mas o jantar é só o jantar. É o jantar na nossa própria casa. Eu não conseguia entender esse senso de rigidez.”

Atrasos constantes podem indicar traço de personalidade de quem dá menos valor à rigidez do relógio Foto: Drobot Dean/Adobe Stock

A pontualidade se tornou uma fonte constante de atrito. Anne, que sempre teve dificuldades em cumprir horários, costumava dizer: “Eu casei com você, não entrei para o Exército.”

Enquanto isso, seu marido frequentemente se irritava com a incapacidade dela de chegar pontualmente a compromissos e encontros, um hábito que ele considerava grosseiro.

Discussões sobre pontualidade são comuns, mas especialistas dizem que, muitas vezes, elas são apenas um reflexo de algo mais profundo: as diferentes formas como nos relacionamos com o tempo. Cientistas sociais vêm tentando entender há décadas essas distintas abordagens ao relógio. Na década de 1950, o antropólogo Edward T. Hall cunhou os termos “monocrônico” e “policrônico” para descrever diferentes atitudes culturais em relação à gestão do tempo.

Nos países do norte da Europa e nos Estados Unidos — que Hall chamou de sociedades “monocrônicas” —, ele observou que as pessoas tendem a enfatizar prazos e a realizar tarefas de forma sequencial, completando uma antes de iniciar outra. Já na América Latina, na África e no Oriente Médio — que ele classificou como sociedades “policrônicas” —, percebeu que as pessoas se sentem mais à vontade em mudar de foco no meio de uma tarefa e são menos rígidas com horários.

As ideias de Hall inspiraram gerações de estudiosos da organização e especialistas em gestão. E embora ele tenha feito inicialmente observações sobre culturas inteiras, ele e outros perceberam que os estilos individuais de uso do tempo também variam bastante.

Estudos mostram que as pessoas são mais criativas, motivadas e produtivas quando trabalham em seu estilo preferido — seja alternando entre várias tarefas ou focando intensamente em uma só. Compreender sua própria relação com o tempo pode facilitar sua vida e ajudar a evitar conflitos com as pessoas ao seu redor.

Uma coisa de cada vez ou tudo ao mesmo tempo?

Uma boa forma de avaliar seus valores em relação ao uso do tempo é observar como você reage a interrupções. Se você está preparando uma apresentação e um colega liga para falar de outro assunto, você atende e diz que está ocupado? Ou arranja tempo para uma conversa que pode durar 20 minutos?

Se sua resposta for mandar direto para a caixa postal, você provavelmente é monocrônico, explica Dawna Ballard, especialista em cronêmica na Universidade do Texas em Austin. Pessoas que gerenciam o tempo como uma lista de tarefas a cumprir costumam viver pelo relógio e, pelo menos durante o expediente, priorizam obrigações em detrimento de relacionamentos.

Para alguém assim, “uma interrupção, quase por definição, é irritante”, diz Allen C. Bluedorn, professor emérito de gestão da Universidade do Missouri e autor de The Human Organization of Time (A Organização Humana do Tempo, em tradução livre).

Já os policrônicos tendem a dar prioridade a experiências e relacionamentos, mesmo que eles não se encaixem perfeitamente em horários pré-definidos. Dias atrás, uma prima de Anne veio de fora da cidade. Embora ela tivesse uma tarefa para entregar, decidiu adiá-la por um dia para fazer uma trilha com a prima. Nem todo prazo é realmente urgente, ela disse. Então, “quando surgem interrupções que considero valiosas, eu mudo minhas prioridades”.

Valorizar esses momentos sociais, em vez de evitá-los, pode bagunçar sua agenda — um incômodo que alguns estão dispostos a aceitar. “Se você tende a se atrasar porque está tentando atender às necessidades de várias pessoas ao longo do dia, você é policrônico”, afirma Ballard, autora do próximo livro Time by Design: How Communicating Slow Allows Us to Go Fast (Tempo com Propósito: Como Comunicar Devagar Permite Avançar Rápido).


Cada estilo temporal tem seus benefícios e desvantagens

Mara Waller, pesquisadora sênior na Faculdade de Administração da Colorado State University, se orgulha de sua monocronicidade. Focar intensamente “nos dá a chance de mergulhar nas tarefas, de forma mais reflexiva”, disse.

Esse estilo também permite ver um projeto do começo ao fim: “Para certas tarefas, é super eficiente, porque você bloqueia todo o resto”, diz Ballard. Mas um ponto negativo é que você pode ficar tão “preso ao plano” que perde oportunidades inesperadas, completa Bluedorn.


Waller, que estuda equipes que trabalham sob alta pressão, admira profundamente quem consegue lidar com várias coisas ao mesmo tempo. Anos atrás, em uma pesquisa, ela observou controladores de tráfego aéreo no aeroporto George Bush, em noites agitadas de fim de semana, gerenciando dados críticos e dando ordens sem perder a calma. “Se você vê alguém realmente policrônico num ambiente multitarefa e essa pessoa está no controle, às vezes parece até um balé”, disse.

Pessoas que alternam facilmente entre tarefas também levam vantagem quando a vida foge do controle. “Um dos benefícios é ter uma visão realista da vida, então você não se frustra quando as coisas não se encaixam no seu cronograma”, afirma Ballard.

Você também tem menos chances de se esgotar mentalmente por ficar obcecado por uma única tarefa, diz Bluedorn. Um estudo de 2023 com universitários que também trabalhavam quase em tempo integral mostrou que aqueles que naturalmente lidavam com várias tarefas ao mesmo tempo conseguiam equilibrar melhor suas obrigações, sem exaustão emocional.

Mas, por outro lado, essas pessoas flexíveis podem se distrair com facilidade e, segundo Bluedorn, entrar em “divagações improdutivas”, tendo dificuldade para concluir o que começam.


Como fazer seu estilo temporal funcionar a seu favor

Estilos de uso do tempo são uma preferência, não uma característica fixa, afirma Waller — ou seja, as pessoas podem adotar outro estilo, embora ele pareça menos natural. Mudar de abordagem quando for conveniente pode te tornar mais eficaz, diz Ballard.

“Seu objetivo é fortalecer vínculos? Então vá de estilo policrônico”, ela orienta. “Se seu objetivo é concluir uma tarefa, então precisamos ser monocrônicos por um tempo e eliminar todas as distrações.”

Para quem organiza a vida com base em horários rígidos, Ballard sugere reservar períodos de folga de até uma hora entre os compromissos, para que “se algo atrasar, você não fique estressado”. Por outro lado, quem costuma se desviar da agenda pode tentar o inverso — anotar compromissos com 30 minutos de antecedência.

E para os compulsivamente pontuais, que se frustram com atrasos alheios, Ballard recomenda levar um livro ou algum trabalho consigo. Assim, é possível se manter produtivo enquanto espera, e talvez não se sinta tão incomodado.

A chave, segundo ela, é tirar o julgamento da equação: “Para ambas as personalidades, o que ajuda é reconhecer que nem todo mundo vê o tempo do mesmo jeito.”


Fonte: BBC News




Postagem Anterior Próxima Postagem