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Grasiele passou 10 anos no convento de clausura — Foto: Arquivo Pessoal |
A catarinense Grasiele Loureiro tomou uma decisão radical aos 26 anos: deixou o mundo externo para trás e entrou em um convento carmelita, onde ficou por cerca de 10 anos. O mosteiro é conhecido por ser o local em que as freiras vivem em reclusão, dedicando-se exclusivamente à oração, ao trabalho e à contemplação.
Hoje, aos 43, ela tem uma vida totalmente diferente: é casada, trabalha com marketing digital e, nas horas vagas, conta nas redes sociais sobre sua experiência como ex-freira. Em seu TikTok, Grasiele acumula mais de 700 mil visualizações.
“As pessoas ficam muito curiosas, porque é um mundo pouco acessível. Querem saber de coisas pequenas, como tomar banho, por exemplo [risos]”, diz, em entrevista a Marie Claire.
Um propósito com a fé
Ainda que tenha sido criada em um lar cristão, Grasiele explica que passava por um processo de conversão quando decidiu entrar para o convento. “Comecei a querer entender mais, buscar mais, fazer mais oração. Isso foi me levando para a vida religiosa”, lembra.
Antes do Carmelo ela fazia parte de uma comunidade de leigos missionários, e contava com uma rotina cheia de compromissos. “Era uma comunidade de religiosas com vida ativa. E eu sentia falta de oração. A gente tinha tanta coisa para fazer, tinha os momentos de oração, mas eu achava pouco, eu queria ter mais tempo e não podia, porque tínhamos que fazer essas atividades.”
Foi então que conheceu a vida contemplativa carmelita, marcada pelos votos de pobreza, castidade e obediência.
Diferente de ordens que trabalham em colégios, hospitais ou paróquias, as monjas carmelitas “se separam do mundo para viver exclusivamente para Deus”. O contato com o exterior é restrito e acontece, em geral, através de grades no parlatório do mosteiro. “No Carmelo, o apostolado das monjas é somente a oração. Claro, tem os trabalhos que elas fazem, mas tudo dentro do convento, dentro do mosteiro”, explica.
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O contato com o exterior era restrito no mosteiro — Foto: Arquivo Pessoal |
Grasiele não podia sair do mosteiro, somente em caso de saúde, como ir ao médico e ao dentista, ou para exercer direito civil, por exemplo, como votar. “As irmãs mais antigas às vezes recebiam pensão e tinham que provar que estavam vivas, assinar coisas no banco, INSS, essas obrigações que ninguém pode fazer por você. Para isso você tem a permissão de sair, mas para qualquer outra coisa, não.”
A decisão de se tornar uma freira carmelita surpreendeu, mas não foi questionada por seus parentes. “Meus pais apoiaram, até porque eu já era missionária, já não estava em casa. Então foi só um passo a mais que eu dei. Eles não esperavam, porque nem eu esperava. Foi algo que senti na oração e foi muito rápido. Meus pais sempre me apoiaram, sempre foram muito amigos dos mosteiros, ajudavam financeiramente, iam visitar, sempre foram bem próximos”, conta.
Uma rotina em clausura
Como freira, o dia de Grasiele começava cedo, às 4h30. “De manhã, orações e estudo. Às 11h, almoço. Depois, uma hora de recreio: é o único momento em que a comunidade se reúne para conversar. Os outros momentos são de silêncio.”
À tarde, o tempo era dedicado ao trabalho. “Todos os mosteiros têm alguma fonte de renda, então as irmãs fazem algum trabalho para vender.”
Às 18h, vinha o jantar, seguido de mais uma hora de recreio. A última oração terminava por volta de 20h30 ou 21h. “É uma vida bem solitária, mais de silêncio do que comunitária. Para mim foi uma experiência muito boa, as irmãs sempre deram exemplo. O que eu mais gostava era o silêncio, a vida de oração. Acho que quem está lá dentro precisa ter esse desejo, senão não consegue”, diz.
Para ela, a rotina era “tranquila”, pois a própria catarinense não era “muito apegada a nada”. “As que já estão há mais tempo são acostumadas, então é mais difícil só no começo para as novas que estão entrando, mas elas se adaptam bem. Como a gente mantém silêncio, a vida é muito mais solitária do que comunitária.”
O que mais pesava, no entanto, era a distância da família. “Podíamos falar com eles apenas uma vez por mês. Eu estava acostumada ao contato diário e de repente fiquei sem. Foi o que mais mexeu comigo.”
Dentro do mosteiro há 10 anos, Grasiele viveu entre entradas e saídas. “Quando entrei, tive que sair depois de dois anos porque tive uma depressão. Fiquei quase um ano fora, voltei e fiquei mais dois anos. Esse período conta também, os dois anos que fiquei como missionária”, explica.
Ela deixou o Carmelo de vez em 2014. “Eu insisti muito, voltava, saía e voltava, porque achava muito linda a vida carmelita. Mas chegou um momento que tive que admitir que o problema não era o lugar, era eu, que não tinha vocação.”
A vida fora do convento
A saída exigiu uma espécie de “reeducação social” após o tempo de reclusão. “Todo mundo que é monge ou monja tem essa dificuldade, porque a gente não tem tanto contato com o mundo, principalmente com tecnologia”, afirma.
“Haviam carmelos que nem tinham telefone, e-mail ou computador. As notícias a gente até recebia, porque os benfeitores e padres contavam para a gente rezar, mas tecnologia era bem distante. Quando novas [freiras] entravam, elas traziam um pouco de tecnologia, mas logo ficavam defasadas também, porque tudo muda muito rápido.”
Ela conta que, quando saiu pela primeira vez em 2010, não sabia o que era o WhatsApp. “Os celulares que eu conhecia não eram smartphones, eram aqueles com telinha pequena e teclado numérico. Eu tive que ir me adaptando. Eu nem sabia que as notas de um real tinham acabado.”
“No começo, tive dificuldade. Acredito que grande parte sente isso. A gente se sente um pouco envergonhada ao sair, como se tivesse fracassado. É um sentimento que passa, aos poucos você vai se adaptando novamente. A gente perde o costume com o barulho, com tudo acontecendo, e leva tempo para se readequar.”
Apesar de ter desistido da vida carmelita, sua espiritualidade não se abalou. “Eu faria tudo de novo, porque o Carmelo me moldou muito. Eu era uma pessoa muito orgulhosa, e lá aprendi a buscar virtudes e vencer vícios. Minha fé não mudou, muito pelo contrário, tento ser fiel aqui fora também”, afirma.
Um novo olhar para o matrimônio
Depois de ter deixado o convento, Grasiele teve que reorganizar o seu caminho, mas de uma questão estava certa: não pensava em casar. “Eu tinha a ideia fixa de que não casaria, até porque já tinha 33 anos. Não me sentia atraída pelo matrimônio, achava que a vida religiosa era algo maior. Pensava em não casar, servir à igreja, cuidar dos meus pais”, lembra.
Mas, com o tempo, seu olhar mudou. “Depois de um ano fora, comecei a me adaptar, conviver com minhas amigas, que já estavam casadas, com filhos, e com minha irmã. Comecei a ver a beleza do matrimônio, de formar família, educar os filhos na fé, e então busquei o casamento também”. Ela se casou com seu marido cinco anos após ter saído da vida como carmelita.
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Grasiele é casada há 6 anos — Foto: Reprodução/ Instagram |
Formada em publicidade e concursada antes de entrar no Carmelo, Grasiele também precisou se atualizar profissionalmente. “Prestei concurso novamente e fui chamada logo depois. Enquanto esperava, fazia brigadeiro para vender, crochê, o que pudesse para ter algum dinheirinho.”
Atualmente, seu sonho é com a maternidade. “Infelizmente não temos filhos por motivos de infertilidade, e esse é o nosso grande sonho. Estamos na fila da adoção há cinco anos, esperando poder acolher e educar esses filhos na fé”, finaliza.
Fonte: Marie Clarie