Um apelo dos médicos: pegue leve com os suplementos


À medida que gomas, comprimidos e pós ficam cada vez mais populares, profissionais de saúde tentam convencer os pacientes a terem cuidado

No início deste ano, um homem de 49 anos procurou a cardiologista Danielle Belardo com dores no peito. Há algum tempo, ele vinha tratando seu colesterol alto não com a estatina sugerida pelo médico, mas com suplementos de berberina e arroz de levedura vermelha. Ele tinha ouvido dizer que eram mais naturais.

Os suplementos não controlaram sua condição — muito pelo contrário. Danielle descobriu que ele não apenas continuava com colesterol alto, como também apresentava enzimas hepáticas elevadas e uma doença arterial coronariana tão grave que precisaria de uma cirurgia de peito aberto.

Ela o encaminhou para o procedimento e iniciou dois medicamentos para reduzir o colesterol, incluindo uma estatina. Também o orientou a parar com os suplementos. Algumas semanas depois, os problemas no fígado se resolveram.

Suplementos alimentares não são isentos de riscos Foto: Serhii/Adobe Stock

Num momento em que os americanos estão comprando e consumindo quantidades recordes de suplementos — bem mais da metade dos adultos toma algum —, alguns médicos e nutricionistas tentam convencer os pacientes a maneirar. (Em 2020, uma pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres, a Abiad, apontou que os suplementos estão presentes em 59% dos lares brasileiros.)

Em seu consultório em Pasadena, Califórnia, Danielle costuma ser rigorosa, “retirando prescrições” de suplementos com frequência. No ano passado, ela convenceu uma paciente a parar de tomar 132 deles, incluindo alguns para “desintoxicar” rins e fígado. Marily Oppezzo, instrutora de medicina no Stanford Prevention Research Center e nutricionista registrada, diz que se inspira na especialista em organização Marie Kondo, perguntando aos pacientes quais suplementos despertam “alegria verdadeira e baseada em evidências”.

Uma grande variedade de gomas, comprimidos e pós é classificada como suplemento, incluindo vitaminas e minerais, compostos como creatina e produtos à base de ervas como ashwagandha e kava. Quase todos os médicos reconhecem que alguns têm seu valor; por exemplo, mulheres se beneficiam ao tomar ácido fólico quando estão tentando engravidar. Algumas pessoas têm deficiências de vitaminas ou minerais que os suplementos podem ajudar a corrigir.

Mas os suplementos também podem ter efeitos colaterais, algo que às vezes “choca” os pacientes, conta a médica Mitra Rezvani, hospitalista do Westchester Medical Center, em Nova York. Muitos efeitos são apenas desconfortáveis — como problemas estomacais. Mas alguns são mais sérios. Um artigo no The New England Journal of Medicine estimou que suplementos são responsáveis por 23 mil visitas anuais a prontos-socorros.

A forma como os médicos abordam o assunto pode variar. Mitra costuma pedir que os pacientes listem tudo o que estão tomando e expliquem o motivo, o que ajuda a iniciar uma conversa sobre o que deve ser reavaliado.

Já a ginecologista e obstetra Jen Gunter, de São Francisco, tenta não pressionar demais. “A pior coisa que você pode fazer é fazer o paciente sentir que não pode conversar com você”, pondera ela.

Ainda assim, quando Jen vê mais uma paciente tomando suplementos probióticos, “eu sempre penso: bem, se eles funcionassem, você não estaria vindo me ver”.


Náuseas e erupções cutâneas

A Food and Drug Administration (FDA, agência similar à Anvisa) regula os suplementos apenas de forma branda, monitorando-os com muito menos rigor que os medicamentos e sem aprová-los quanto à segurança ou eficácia antes que cheguem ao público. Já foram encontrados suplementos com rótulos incorretos — tanto em relação aos ingredientes quanto à concentração. E alguns interagem mal com certos medicamentos ou entre si.

Devido ao que alguns chamam de “velho oeste” do mercado, pode ser difícil prever efeitos colaterais adversos. O médico Pieter Cohen, professor associado de medicina na Harvard Medical School que estuda suplementos, relatou o caso de uma paciente de 45 anos que desenvolveu erupções nas pernas e nas costas após começar a tomar um suplemento para enxaqueca. Cohen sugeriu que ela parasse de tomá-lo, e as erupções desapareceram.

Jen se preocupa com suplementos ayurvédicos, alguns dos quais foram encontrados contendo chumbo, arsênico e mercúrio. Outros médicos ficam atentos a sinais de danos hepáticos relacionados a suplementos. No ano passado, pesquisadores da Universidade de Michigan estimaram que 15 milhões de adultos americanos tomam algum suplemento que pode causar toxicidade no fígado, como cúrcuma ou arroz de levedura vermelha.

Mitra tratou uma mulher de 70 anos que apresentou náusea, icterícia e urina escura após começar a tomar um suplemento de cúrcuma, além de semaglutida — o composto presente no medicamento Ozempic. Ela e sua equipe determinaram que o suplemento provavelmente havia danificado o fígado e possivelmente interagido com o medicamento.

A paciente parou de tomar o suplemento. Logo depois, a função hepática melhorou.


Ignorando problemas subjacentes

Danielle diz entender por que seus pacientes recorrem aos suplementos. Médicos famosos os vendem e promovem online. As indústrias farmacêutica e de saúde deixaram muitos desiludidos. E alguns pacientes se sentem ignorados pelos médicos, o que os leva a buscar tratamentos alternativos para suas dores.

Em alguns casos, as pessoas tomam um suplemento para lidar com um sintoma indesejado, em vez de fazer exames médicos que poderiam revelar a causa raiz do problema.

Em 2021, uma mulher de 44 anos procurou Danielle para uma avaliação. Durante a consulta, a paciente contou que, seguindo a recomendação de um naturopata, vinha tomando um suplemento de ferro para tratar anemia e fadiga — mas ainda se sentia cansada.

O suplemento de ferro em si não preocupou Danielle. O que a alarmou foi o fato de o naturopata não ter investigado o problema subjacente. Para tentar descobrir a causa, Danielle encaminhou a paciente a um gastroenterologista, que realizou uma colonoscopia. O diagnóstico: câncer de cólon em estágio IV.

Era uma versão extrema do tipo de situação que mais a frustra.

“Meses, se não anos, de oportunidade para uma detecção e tratamento mais precoces foram perdidos”, afirma Danielle, “porque o cuidado dela foi reduzido a prescrições de suplementos.”


Fonte: Estadão



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