Visão apocalíptica sobre clima leva pessoas a se concentrarem nas coisas erradas, diz Bill Gates


Declaração foi feita apenas duas semanas antes da COP30

Bill Gates está pedindo ao mundo que repense sua abordagem às mudanças climáticas, argumentando que uma narrativa excessivamente catastrófica está desviando recursos das soluções que poderiam ter o maior impacto no bem-estar humano. Em um longo memorando publicado na manhã de terça-feira, 28, — coincidindo com seu 70º aniversário —, o cofundador da Microsoft e bilionário filantropo contestou o que chamou de “visão apocalíptica das mudanças climáticas”, que, em sua opinião, está levando os formuladores de políticas a “se concentrarem demais em metas de emissões de curto prazo” em detrimento de intervenções mais eficazes.

O memorando chega apenas duas semanas antes de os líderes globais se reunirem em Belém, Brasil, para a COP30, a cúpula climática das Nações Unidas marcada para 10 a 21 de novembro.

Para ele, existem outros problemas tão urgentes quanto o clima Foto: Bill Gates Via Facebook

“Embora as mudanças climáticas tenham consequências graves — especialmente para as pessoas nos países mais pobres —, elas não levarão ao fim da humanidade”, escreveu Gates no memorando. “As pessoas poderão viver e prosperar na maioria dos lugares da Terra em um futuro previsível.”

Gates, que investiu bilhões por meio de seu fundo de risco climático, Breakthrough Energy, desde 2015, argumentou que a comunidade climática global deveria fazer o que ele chamou de “mudança estratégica” — passando de um foco principal na limitação do aumento da temperatura para priorizar melhorias na saúde, agricultura e desenvolvimento econômico nas regiões mais vulneráveis do mundo.

“Esta é uma oportunidade para nos concentrarmos novamente na métrica que deve contar ainda mais do que as emissões e a mudança de temperatura: melhorar vidas”, escreveu Gates. “Nosso principal objetivo deve ser evitar o sofrimento, especialmente daqueles que vivem nas condições mais difíceis, nos países mais pobres do mundo.”

O memorando representa uma evolução notável nas mensagens públicas de Gates sobre o clima. Há apenas quatro anos, ele publicou um livro intitulado How to Avoid a Climate Disaster (Como evitar um desastre climático), delineando um plano agressivo para reduzir as emissões. Agora, embora mantenha que as mudanças climáticas continuam sendo “um problema muito importante” que “precisa ser resolvido”, Gates afirma que, para a maioria das pessoas nos países pobres, elas não serão “a única ou mesmo a maior ameaça à sua vida e bem-estar”, citando a pobreza e as doenças como preocupações mais urgentes.

Gates apontou para o progresso que, segundo ele, tem sido negligenciado nas discussões sobre o clima. Na última década, as emissões globais projetadas para 2040 caíram de 50 bilhões de toneladas para 30 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, de acordo com as previsões da Agência Internacional de Energia — uma redução de mais de 40%. Ele atribuiu essa mudança às inovações que levaram o “Green Premium” — seu termo para a diferença de custo entre alternativas limpas e poluentes — a zero ou abaixo disso para tecnologias como energia solar, eólica, armazenamento em baterias e veículos elétricos.

“Leia isso novamente: nos últimos 10 anos, reduzimos as emissões projetadas em mais de 40%”, escreveu Gates.


Soluções para um clima em mudança

Apesar desse otimismo em relação ao progresso tecnológico, Gates reconheceu que o mundo provavelmente atingirá um aquecimento de 2 a 3 graus Celsius até 2100, bem acima da meta de 1,5 grau estabelecida no Acordo de Paris de 2015. Mas, em vez de ver isso como catastrófico, ele defendeu que os recursos fossem concentrados em ajudar as pessoas a se adaptarem e prosperarem, apesar das mudanças climáticas.

No centro do argumento de Gates estão dados econômicos que sugerem que o próprio desenvolvimento serve como adaptação climática. Ele citou uma pesquisa do Laboratório de Impacto Climático da Universidade de Chicago que mostra que as mortes projetadas devido às mudanças climáticas caem mais de 50% quando se leva em conta o crescimento econômico esperado nos países de baixa renda ao longo do resto do século.

Gates defendeu enfaticamente a priorização de investimentos em agricultura e sistemas de saúde nos países em desenvolvimento. Ele observou que o clima excessivamente quente causa atualmente cerca de 500 mil mortes por ano, mas que o frio excessivo mata quase 10 vezes mais pessoas — e que ambos os números têm diminuído à medida que mais pessoas ganham acesso a aquecimento e ar condicionado. Enquanto isso, problemas de saúde relacionados à pobreza, incluindo malária, tuberculose, HIV/AIDS, infecções respiratórias, doenças diarreicas e complicações no parto, matam aproximadamente 8 milhões de pessoas por ano.

Gates aponta duas prioridades principais para o clima no futuro: reduzir o Green Premium a zero em todos os setores da economia por meio da inovação contínua e usar análises baseadas em dados para identificar as intervenções mais econômicas para salvar e melhorar vidas. Mas ele reconheceu que suas opiniões provavelmente seriam controversas.

“Sei que alguns defensores do clima discordarão de mim, me chamarão de hipócrita por causa da minha pegada de carbono (que compenso totalmente com créditos de carbono legítimos) ou verão isso como uma maneira dissimulada de argumentar que não devemos levar as mudanças climáticas a sério”, escreveu ele.

Durante uma mesa redonda com repórteres antes da divulgação do memorando, Gates apresentou a escolha de forma direta: “Se tiver que escolher entre erradicar a malária e um aumento de um décimo de grau no aquecimento global, vou deixar a temperatura subir 0,1 grau para eliminar a malária”, disse ele. “As pessoas não entendem o sofrimento que existe hoje.”

Fonte: Estadão



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