Álcool e sistema nervoso: quando o brinde passa do ponto

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Fim de ano chega, a agenda enche, os encontros se multiplicam e o consumo de bebida alcoólica quase sempre aumenta. Quem nunca brindou além da conta, riu mais alto, falou mais solto ou acordou no dia seguinte com a sensação de que a cabeça não acompanhou o corpo? Em algum momento, isso atravessa a vida de quase todos nós.

A proposta aqui não é julgar nem proibir, mas convidar você a entender melhor o que acontece dentro do nosso sistema nervoso quando bebemos. O álcool não é neutro para o cérebro e para os nervos. Seus efeitos variam conforme a quantidade, a frequência e as características individuais de cada pessoa.

Apesar de ser um depressor do sistema nervoso central, o álcool costuma começar com um efeito aparentemente oposto. Nas primeiras doses, ocorre desinibição e sensação de euforia, porque ele reduz a atividade de áreas cerebrais responsáveis pelo autocontrole e pela avaliação de risco. A pessoa fala mais, se expõe mais e tende a subestimar perigos.

Com o aumento da quantidade, os efeitos depressivos predominam. Surgem piora do julgamento, lentificação dos reflexos, dificuldade de coordenação motora e alterações da fala. O sono também é afetado. Embora cause sonolência inicial, o álcool fragmenta o sono profundo e reduz sua qualidade, o que explica o cansaço do dia seguinte.

Em doses maiores, pode haver confusão mental, desorientação e, em pessoas predispostas, crises convulsivas. Após períodos de consumo intenso e repetido, a interrupção abrupta pode desencadear a síndrome de abstinência alcoólica, caracterizada por tremores, sudorese, ansiedade, insônia, taquicardia e, nos quadros mais graves, convulsões e delírios.

Efeitos crônicos do álcool e principais lesões neurológicas

Quando o consumo se torna frequente e prolongado, os danos podem se acumular e se tornar estruturais. O cerebelo, responsável pelo equilíbrio e pela coordenação, pode sofrer atrofia, levando à ataxia alcoólica, com marcha instável e dificuldade para andar.

O cérebro também pode ser afetado de forma difusa, com prejuízo progressivo de memória, atenção e funções executivas, aumentando o risco de demência relacionada ao álcool.
A neuropatia periférica alcoólica é outra complicação comum, causando dormência, queimação, dor e fraqueza, principalmente em pés e mãos.

Além disso, o álcool interfere na absorção de vitaminas essenciais. A deficiência de tiamina pode levar à encefalopatia de Wernicke, um quadro agudo com confusão mental, alterações oculares e dificuldade para andar. Quando não tratada adequadamente, pode evoluir para a síndrome de Korsakoff, marcada por perda importante de memória e dificuldade de formar novas lembranças.

A carência de vitamina B12 também pode comprometer a medula espinhal, causando a síndrome do cordão posterior, que se manifesta por desequilíbrio, sensação de caminhar “no algodão” e perda da noção da posição dos pés.

O que a ciência já comprovou

Não existe bebida alcoólica “do bem” para o sistema nervoso. Quanto maior o teor alcoólico e quanto mais rápido o consumo, maior o impacto neurológico. Episódios de consumo excessivo em curto espaço de tempo, o chamado binge drinking, aumentam significativamente o risco de sintomas agudos e de lesões cumulativas.

Considera-se binge o consumo de quatro ou mais doses para mulheres, ou cinco ou mais para homens, em cerca de duas horas. Uma dose padrão equivale a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de destilado. O risco de danos crônicos aumenta com consumo elevado e repetido ao longo das semanas e dos anos.

Como reduzir os efeitos agudos do álcool

Algumas estratégias ajudam a minimizar riscos:
Alimentar-se antes de beber;
Intercalar álcool com água;
Evitar misturar diferentes tipos de bebida;
Beber mais lentamente;
Nunca associar álcool à direção ou ao uso de medicamentos que atuam no sistema nervoso.

Um cuidado para o fim de ano e para a vida

O álcool pode ter um papel recreativo para algumas pessoas, desde que com discernimento e de forma individualizada. Se a bebida começa a afetar memória, equilíbrio, humor, sono ou relações, é sinal de alerta.

Cuidar do sistema nervoso é cuidar da autonomia, da clareza mental e da qualidade de vida. Que o brinde das festas seja também um compromisso com escolhas mais conscientes, agora e ao longo de toda a vida.

Fonte: Folha Vitória


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