A privatização da
Casa da Moeda foi criticada nesta quarta-feira (20) em audiência pública
interativa na comissão mista encarregada de emitir parecer à Medida Provisória
(MP) 902/2019, que
acaba com o monopólio da empresa, fundada em 1694, na fabricação de
papel-moeda, moeda metálica, passaporte e impressão de selos de controle fiscal
sobre a fabricação de cigarros.
O texto estabelece
que a exclusividade para a prestação desses serviços acabará em 31 de dezembro
de 2023. De acordo com a nova regra, a Casa da Moeda, prestará serviços de
integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos dos
fabricantes de cigarro e fornecerá o selo fiscal para esses produtos. Essa
integração ocorrerá em caráter provisório até 31 de dezembro de 2021.
Complexo industrial
Ex-diretor técnico da
instituição tricentenária, Carlos Roberto de Oliveira disse que a Casa da Moeda
não é uma gráfica apenas, mas um complexo industrial com função histórica e
precípua de atender demandas do Estado por produtos seguros, em sua quase
totalidade composto por matérias primas, processos e matrizes inacessíveis
ordinariamente pelo mercado.
Oliveira destacou que
a Casa da Moeda contempla diversas disciplinas, funções e profissões, algumas
das quais sequer encontradas no mercado do trabalho, e desenvolvidas pelos
próprios mestres e artífices da instituição, que repassam sutilezas de suas
atividades, como forma de agregar as tecnologias possíveis para manter a
empresa à frente do processo industrial.
Oliveira ressaltou
ainda que a empresa atende as demandas com qualidade, tempestividade e
segurança em todos os produtos e serviços, sempre tendo em conta o respeito
pelo “triangulo da segurança”, que inclui matérias primas seguras, processo de
fabricação complexo e projetos e matrizes exclusivas.
— A Casa da Moeda,
fundada há mais de três séculos, vem cumprindo sua missão institucional. Somos
detentores de conhecimento que poucos países têm. Somos respeitadas no mundo
por nossa seriedade, qualidade e segurança em nossos produtos e processos.
Temos tecnologia e capital intelectual para fabricar e exportar cédulas e
moedas para qualquer país, como Argentina, Peru, Venezuela, Bolívia, Costa
Rica, República do Congo, Paraguai e outros. Somos premiados em diversas
modalidades de arte e técnica. Estamos ainda adequadamente equipados
tecnologicamente para continuar cumprindo a nossa missão. Será que o Brasil
está disposto a correr o risco de importar dinheiro com base em possível custo
de oportunidade? — questionou.
Demanda por dinheiro
Diretor da Sociedade
Numismática Brasileira, Bruno Henrique Miniuchi Pellizzari destacou que uma das
principais razões que levaram à criação da Casa da Moeda foi a necessidade de
existir uma instituição nacional que conseguisse suprir a demanda de meio
circulante para um país de dimensão continental. A demanda por dinheiro no
Brasil não parou de crescer com o passar dos anos, tendo atingido picos
altíssimos durante os períodos de descontrole econômico, como foi no caso das
trocas sucessivas de planos monetários durante a época inflacionaria, afirmou.
Pelo aumento dessa
demanda, foi transferida a sede da Casa da Moeda, em 1984, para o complexo
fabril de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, considerado um dos maiores do gênero
no mundo e o maior da América Latina, com capacidade para produzir três bilhões
de cédulas e quatro bilhões de moedas por ano, explicou Pellizzari.
— Uma
descentralização da produção de dinheiro pode levar à fragilização do meio
circulante, no caso de tentativa de sabotagem à nossa economia. Outro risco diz
respeito a instabilidades no país produtor do dinheiro. Fatores como esse podem
levar a desabastecimento no Brasil. Todos as dez maiores economias globais
possuem Casas da Moeda estatais, como é o caso dos Estados Unidos, China,
Japão, Alemanha, Índia, Reino Unido, França, Itália e Canadá, possuindo essas,
em quase a sua totalidade, exclusividade para a confecção das moedas e cédulas
do meio circulante de seus respectivos países — afirmou.
Pellizzari apontou
ainda uma preocupação global sobre o futuro de algumas empresas que fornecem
dinheiro para outros países, como a Delarue, “que durante várias décadas
forneceu ao Brasil e agora lança dúvidas sobre a sua capacidade de continuar
operando”.
Patrimônio histórico
Presidente do
Sindicato Nacional dos Moedeiros, Aluízio Firmiano da Silva Júnior disse que os
trabalhadores da Casa da Moeda jamais pensaram que a empresa, que em 8 de março
fará 326 anos, estaria hoje correndo o risco de privatização ou descontinuidade
na prestação de serviços essenciais ao Estado.
— Os trabalhadores da
Casa da Moeda estão todos tensos. Esse processo vai além da nossa questão
corporativa, o que estamos discutindo e o Estado brasileiro e o papel que a
empresa teve nos últimos 300 anos e aquilo que poderá acontecer se a gente não
tiver o cuidado de preservar esse patrimônio e essa empresa que cuida da
segurança nacional, que até dá lucro, mas que poderia não dar pela importância
de seu trabalho. Soberania não se vende, soberania você preserva, o mundo
preserva e o Brasil não pode andar na contramão do mundo — afirmou.
Soberania
Advogado da Casa da
Moeda, Rodrigo da Silva Ferreira disse que a maioria dos 190 países
reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) importam dinheiro, e
somente 50 nações mantêm impressoras estatais.
— Todos os países de
maior liberdade econômica mantêm estatais para a fabricação de dinheiro.
Soberania monetária envolve direito e um poder de fato. Ela abrange o direito
de emitir, o direito de definir o valor e mudar o valor do dinheiro, e o
direito de definir como se dará o uso do dinheiro no território e fora do
território.
Ferreira destacou
ainda que “importar moeda não é confiar no mercado privado, é basicamente
confiar em governo estrangeiro”.
— Nenhum país dentre
as grandes economias importa moeda, só o Brasil. E por que isso? A capacidade
do setor comercial é insuficiente para os grandes países, é um risco
elevadíssimo para uma política interna de Estado eventualmente comprometer a
capacidade de outro Estado de emitir moeda metálica — afirmou.
Falsificação
Diretor da Associação
Brasileira de Combate à Falsificação que congrega 70 indústrias nacionais,
Rodolfo Ramazini destacou que o Brasil perdeu R$ 160 bilhões com contrabando e
falsificação de produtos industrializados, em 2019, sobretudo no setor de
cigarros e bebidas. Com o desligamento do Sistema de Controle da Produção de
Bebidas (Sicob), a Casa da Moeda perdeu mais de R$ 700 milhões anuais, somente
no que diz respeito ao setor de bebidas. Com isso, passou a prevalecer a
falsificação, a fraude e a sonegação fiscal, ressaltou.
Na avaliação do
senador Jean Paul Prates (PT-RN), a Casa da Moeda é uma empresa indispensável
ao Estado brasileiro.
— É uma falácia
quando se diz que a atividade da Casa da Moeda é ultrapassada e que caminhamos
para um mundo sem moedas. É outra falácia dizer que a Casa da Moeda seria
ineficiente e um sorvedouro de dinheiro público. Ela é inseparável do Estado
brasileiro, é um braço do Estado brasileiro, e não uma subsidiária. A Casa da
Moeda é 'imprivatizável'. Alguém tem interesse nesse mercado bilionário —
afirmou.
A comissão mista da
MP 902/2019 é presidida pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). O senador
Nelsinho Trad (PSD-MS) é o relator da MP, cujo prazo de vigência, já
prorrogado, expira em 14 de abril.
Fonte: Agência Senado