A ofensiva deflagrada
por deputados para mudar de partido sem o risco de perder o mandato ganha força
nos bastidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na lista de argumentos
utilizados pelos políticos acusados de infidelidade partidária - da deputada
Tabata Amaral (PDT-SP) a um grupo de 26 parlamentares do PSL - para trocar de
sigla estão retaliação de dirigentes, perseguição, discriminação política e
falta de democracia interna e transparência.
Esse vai ser um dos
principais temas da agenda do TSE de 2020. Levantamento do tribunal feito a
pedido do jornal O Estado de São Paulo mostra que, desde o início da atual
legislatura, no ano passado, chegaram à Corte 18 casos sobre perda de mandato
de deputados federais por desfiliação partidária. Ministros ouvidos pela
reportagem defenderam uma resposta rápida sobre a questão e avaliaram que o
caso de cada parlamentar tem de ser analisado separadamente, considerando suas
particularidades.
Em 2007, o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu que a infidelidade partidária pode provocar
perda de mandato ao entender que o cargo político pertence ao partido, não ao
parlamentar. Oito anos depois, em 2015, o Supremo determinou que a regra se
aplica àqueles que disputaram pelo sistema proporcional (vereador, deputado
estadual e federal), e não para quem se elegeu no sistema majoritário
(prefeito, governador, senador e presidente).
"A importância
da fidelidade partidária foi afirmada com muita ênfase, uma resposta ao
'pula-pula' partidário que absolutamente não respeitava o eleitor nem o partido
político pelo qual o candidato tinha sido eleito. De lá para cá foram feitos
consertos", afirmou o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da
OAB-DF, Rafael Carneiro.
A minirreforma
eleitoral de 2015 alterou a Lei dos Partidos Políticos, fixando regras para
que, em casos excepcionais, o parlamentar possa mudar de sigla sem perder o
mandato. Entre essas condições estão "grave discriminação política
pessoal" ou se o programa partidário sofrer "desvio reiterado".
O procurador-geral da
República, Augusto Aras, já afirmou, em livro, que "tem sido comum a
denúncia da existência de desvio de conduta de dirigentes partidários brasileiros
que, a pretexto de aplicar o princípio da fidelidade, passam a impor a sua
vontade caprichosa para a satisfação de interesses pessoais contra a legítima
manifestação de filiado".
Um dos processos mais
adiantados no TSE é o da deputada Lauriete Rodrigues (PL-ES). Ela alegou que,
depois da vitória nas urnas, em 2018, se separou do presidente do partido no
Estado, o ex-senador Magno Malta, o que a levou a sofrer "grave
discriminação pessoal" e acabar alijada das atividades da sigla. Após analisar
o depoimento de testemunhas, o Ministério Público Eleitoral (MPE) enviou ao
tribunal parecer favorável à parlamentar, apontando cenário de "profundo
déficit de democracia" dentro do PL.
"O respeito, a
lealdade e a fidelidade que um parlamentar deve ao partido com que se elegeu
não são diversos do respeito, lealdade e fidelidade que um partido deve a seus
parlamentares. A fidelidade partidária é uma via de mão dupla", escreveu o
vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques. "Nesse espaço patológico
de agremiação partidária não se impõe fidelidade partidária."
Ao Estado, Lauriete
reafirmou que foi "descartada" do partido. "Fui boicotada com as
emendas extras a que todos os parlamentares tinham direito e que o Partido
Liberal impediu que chegassem ao meu gabinete. A minha saída é melhor para
todos. É perseguição pessoal", disse ela. Malta não respondeu.
Tabata Amaral fala em
'massacre' após votar a favor da Previdência
O caso de maior
repercussão até agora é o de Tabata. A deputada disse ao TSE ser alvo de
"massacre" e "fake news" da direção do PDT, que estaria
agindo para vê-la "sangrar" até pedir desfiliação por ter contrariado
orientação do partido e votado a favor da reforma da Previdência. A deputada
acionou o tribunal para se desligar, sem perder o mandato. Na avaliação de um
integrante do TSE ouvido pelo Estado, o PDT deu tratamento diferenciado à
senadora Kátia Abreu (PDT-TO), que votou a favor da reforma da Previdência.
"Quando se
constrói a ideia de fidelidade partidária, ela fortalece os partidos. É como
dar aos partidos um novo poder. Quando a Justiça fala que o parlamentar pode
sair do partido, abre uma exceção. O entendimento é o de que o infiel não foi o
deputado com o partido, e, sim, o partido com o deputado", afirmou o
professor de Direito Eleitoral da FGV-SP Diogo Rais.
A assessoria de
Tabata informou que ela está "confiante" e aguarda decisão do TSE. O
presidente do PDT, Carlos Lupi, disse que as decisões da sigla sobre a reforma
da Previdência tiveram a participação de Tabata. "Em nenhum momento ela
disse que ia votar contra a orientação do partido", alegou Lupi.
Em dezembro, o
deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e outros 25 parlamentares do PSL recorreram ao
TSE. Eles querem que o tribunal reconheça justa causa no pedido do grupo para
deixar o partido e migrar para o Aliança pelo Brasil, ainda em formação. O
grupo entrou em guerra com o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), e
alega sofrer perseguição interna por estar alinhado ao Planalto.
Em um caso inusitado,
o deputado Luiz Lauro Filho (SP), hoje PSDB, é acusado de forjar a própria
expulsão do PSB para conseguir trocar de partido. Lauro Filho sustenta que
passou a sofrer grave discriminação pessoal após a eleição de 2018 e foi pego
"de surpresa" com sua expulsão.
Fonte: Jornal O
Estado de S. Paulo