Como agir com o excesso de contato de crianças com celulares e computadores

Sem escola em tempos de pandemia, tempo de exposição dobrou


Maria Eduarda Amorim, de 8 anos, encontra os amigos da escola nos jogos on-line. A irmã Pietra, de 5, participa de videoconferências com sua turma. As palavras carinhosas dos avós também chegam por uma tela, assim como as lições dos professores. O período de isolamento, em que as crianças estão sem aulas presenciais e os pais dividem seu tempo entre home office e trabalho doméstico, aumentou (e muito) a exposição dos pequenos a telas, sejam as de celular, tablet, computador ou televisão. “Antes, Maria Eduarda e Pietra não passavam mais de duas horas diárias, mas, na quarentena, a rotina mudou”, conta a mãe das meninas, a produtora de eventos Paula Amorim, de 40 anos. “Se deixar, ficam o dia inteiro. É preciso chamar para fazer um bolo ou brincar com bonecas para que elas saiam um pouco dos jogos e vídeos.” Paula calcula que as filhas agora passem cerca de seis horas por dia vidradas no digital. E seu maior medo é que o hábito não vá embora depois que tudo passar. “A mais nova não era tão ligada, mas agora está mais do que a irmã”, observa.

A preocupação é mais do que válida. O vício é objeto de estudos e já tem até nome: nomofobia. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicada em 2019, aponta que o contato de crianças pequenas com telas pode ser prejudicial para a qualidade do sono, além de incentivar o sedentarismo. O professor de psiquiatria infantil da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jairo Werner ressalta que o hábito pode impactar, ainda, a evolução corporal e cognitiva: “A criança também acaba desenvolvendo mais habilidades tecnológicas do que sociais e afetivas”, explica. “Neste momento, temos de ter cuidado com uma espécie de isolamento dentro do isolamento, que pode ser necessário em certos momentos, mas não pode virar a regra”, alerta Werner.

A OMS recomenda que crianças menores de 2 anos não sejam expostas às telas. Dos 2 aos 5, o ideal é não passar de uma hora por dia. Já para as mais velhas, em condições normais de temperatura e pressão, não é bom ultrapassar duas horas diárias.

Respeitar esses horários tem sido quase impossível na casa da fotógrafa Tatiana Freitas, de 34 anos, e de sua filha Luiza, de 5. As duas estão isoladas em um apartamento na Tijuca e a menina sente falta dos passeios na praia: “Ela me pergunta todo dia quando o coronavírus vai acabar para poder ver os amiguinhos”, conta a mãe. Para matar o tempo, Luiza tem passado cerca de cinco horas por dia jogando e assistindo a filmes na TV e no celular. Como ela, outras crianças dobraram ou até triplicaram seu tempo de tela na quarentena, como aponta pesquisa da startup americana SuperAwesome. “Fico bastante preocupada, mas não vejo outra solução”, reconhece Tatiana. “Ela está cada vez mais agarrada comigo e tem horas que, além de trabalho, preciso de um tempo para mim”.

Luiza de 5 anos não sai do celular Foto: Tatiana Freitas

Para a psicóloga Grace Falcão, não é hora de a família sentir culpa. “É normal que as duas horas se transformem em quatro agora, porque há também as demandas digitais da escola”, ressalta. Ela aconselha que os pais intercalem o uso dos aparelhos e façam acordos: horas para o jogo, mas também para a leitura e outras atividades offline. É importante, ainda, deixar as telas de lado duas horas antes de dormir e não associar às refeições: “Quando a criança sempre come assistindo a algo no tablet, por exemplo, fica distraída e não vive o momento presente. Às vezes, nem sente direito o gosto da comida”, alerta.

Com o fim da quarentena, o ideal é ir tirando os eletrônicos gradativamente: “Se houver uma proibição da noite para o dia, a criança pode ficar irritada e ansiosa”, explica Grace. Aos poucos, pode-se incentivar também um melhor uso do digital. “Dá para deixar esse tempo mais produtivo, com jogos educativos e aplicativos que ensinam programação e robótica”, exemplifica Guilherme Gani, coordenador da codeBuddy, escola de tecnologia que desenvolveu uma cartilha para os pais sobre o assunto e um teste para avaliar a imersão de crianças e adolescentes.

As telas já entraram na rotina, mas não precisam ser as protagonistas do isolamento.

O Globo


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