Os militares ficaram com R$
530 milhões de verba que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, deveria ser
usada exclusivamente para proteção da Amazônia.
O Ministério da Defesa
decidiu levar adiante um projeto de sistemas de satélite com preço estimado
pelos próprios militares em R$ 577,9 milhões e previsão de ficar pronto só em
2026. Boa parte dos recursos está atrelada a dinheiro da Operação Lava Jato, retirado
de indenizações pagas pela Petrobras.
Os militares ficaram com R$
530 milhões repassados pela estatal em seu acordo, verba que, por decisão do
Supremo Tribunal Federal, deveria ser usada exclusivamente para proteção da
Amazônia. O custo do projeto é cinco vezes o orçamento de R$ 118 milhões deste
ano do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da
Ciência e Tecnologia, há décadas responsável por monitorar o País via
satélites, mas que tem tido seu trabalho questionado pelo presidente, Jair
Bolsonaro, e o vice, Hamilton Mourão. A nova ação não prevê aprimorar a
estrutura tecnológica do Inpe, mas sim do Centro Gestor e Operacional do
Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), controlado pela Defesa.
Em agosto, a Defesa informou
que pretende investir R$ 145 milhões em um projeto de satélite para monitorar a
Amazônia. Trata-se da fase inicial de um programa que, segundo informações da
própria pasta, só fica pronto no próximo governo, em seis anos. O projeto
Lessônia-1 é o único em andamento na pasta. Esse uso da verba da Lava Jato tem
sido criticado por técnicos e especialistas, uma vez que o Inpe está
estrangulado por cortes de recursos.
Indagada, a Defesa informou
que o aporte de R$ 145 milhões é "uma estimativa inicial para aquisição de
satélite" e que "em virtude das atualizações tecnológicas e ajustes
no valor de mercado, o valor final do processo de aquisição será conhecido ao
término da fase contratual".
Em julho de 2019, o ministro
da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou, em ofício sobre o Programa
Estratégico de Sistemas Espaciais, que o Lessônia vai custar mais de R$ 577
milhões e que o investimento deve ser feito ao longo de cinco anos, para que o
satélite seja lançado em 2026. Ao descrever a necessidade da tecnologia, ele
citou não só o monitoramento da Amazônia, mas também fiscalizar fronteiras,
agricultura, controle de tráfego marítimo, oceanografia, entre outros usos.
Ao Estadão, a Defesa
disse que a aquisição do satélite representa, para o País,
"importantíssima ferramenta tecnológica, permitindo significativa
ampliação da capacidade de proteger a Amazônia, além de contribuir diretamente
para a soberania nacional, especialmente no campo espacial".
Segundo a pasta, a
tecnologia contribui também para a "soberania espacial", ao acabar
com a "ausência de um satélite com sensor radar operado pelo Brasil".
Apesar de o próprio ministro informar que o projeto ficaria pronto em 2026, a
pasta disse que uma licitação internacional está em andamento e pode ser concluída
até o fim do ano, com previsão de que parte do projeto entre em operação até o
fim de 2021.
Em agosto, além de dispor
dos R$ 530 milhões da Lava Jato, o Ministério da Defesa conseguiu um crédito
suplementar de mais R$ 411 milhões para bancar suas operações na Amazônia.
Apesar de o próprio ministro informar que o projeto ficaria pronto apenas em
2026, a pasta informou que uma licitação internacional está em andamento e
poderá ser concluída até o fim deste ano, com previsão de que parte do projeto
entre em operação até o fim de 2021. A reportagem insistiu em obter informações
mais detalhadas sobre o que, efetivamente, entraria em operação no ano que vem,
mas não obteve resposta sobre isso.
Ao defender a necessidade de
aquisição da tecnologia, o Ministério da Defesa sustenta que o Centro Gestor e
Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) foi criado em 2002
para promover a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal e
que, desde 2016, desenvolve o projeto.
Segundo a Defesa, o que se
busca é um sistema capaz de enxergar o terreno, mesmo que este esteja sob
nuvens. "Dessa forma, mesmo na época de fortes chuvas na Amazônia, que
duram cerca de oito meses, o radar consegue melhor monitoramento", afirma.
Na avaliação do ministério, a tecnologia é complementar ao sistema usado pelo
Inpe. "Portanto, não haverá sobreposição de funções do Inpe, mas sim
complementaridade."
Críticas
Especialistas criticam
aplicação dos recursos
Para o ex-presidente do
Inpe, Ricardo Galvão, hoje professor de Física da Universidade de São Paulo
(USP), não se trata apenas de uma situação de esvaziamento do Inpe, mas também
de utilização de recursos que tinham outra finalidade. "Todos sabemos que
esses recursos da Lava Jato deveriam ser aplicados na defesa da Amazônia, estavam
endereçados para operações de proteção da floresta, mas estão usando o dinheiro
para financiar suas próprias. Isso não é correto", comentou.
Para o especialista em
monitoramento por satélites do País, o diretor do secretariado do Grupo de
Observações da Terra (GEO), Gilberto Câmara, por enquanto o Ministério da
Defesa não apresentou nenhum detalhe técnico que aponte a necessidade de
aquisição da tecnologia. "Ao mesmo tempo em que pretendem gastar R$ 145
milhões numa compra de uma cloroquina espacial, o orçamento de pesquisa do Inpe
foi zerado para 2021. A única explicação possível é que os militares querem
substituir o monitoramento do Inpe pelo do Centro Gestor e Operacional do
Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e produzir um número cujos dados não
serão transparentes para a sociedade", afirmou.
Com Informações Notícias ao Minuto