Partidos terão que repartir dinheiro e tempo de TV entre candidatos negros e brancos já nas eleições 2020, determina STF

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia decidido que a nova regra só seria aplicada a partir das eleições de 2022. Ministro Lewandowski submeteu liminar para referendo do STF



O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que já nestas eleições os partidos políticos deverão dividir os recursos do Fundo Eleitoral e do horário de propaganda no rádio e na TV segundo a quantidade de candidatos brancos e negros de cada sigla. O entendimento do ministro antecipa a vigência da decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que no mês passado determinou a aplicação das novas regras somente a partir das eleições de 2022.

A legislação eleitoral não obriga os partidos a lançarem um número mínimo de candidatos negros. O que o TSE decidiu é que a divisão dos recursos do Fundo Eleitoral e o horário eleitoral na TV e no rádio devem ser divididos segundo o critério racial. Com a decisão de Lewandowski, as novas regras devem ser aplicadas já na campanha municipal de 2020.

Os partidos políticos tradicionalmente privilegiam homens e brancos na divisão do dinheiro. Segundo o Estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no ano passado, enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal em 2018 tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre pretos ou pardos, 2,7% receberam pelo menos esse valor.

Com a decisão do TSE, a divisão dos recursos deverá ser feita de maneira proporcional, segundo a proporção de candidatos brancos e negros de cada partido. Cabe a cada candidato declarar a sua raça à Justiça Eleitoral.

Lewandowski submeteu a liminar para referendo do plenário do STF. Ainda não há previsão de quando o tema vai ser discutido pelos 11 ministros do STF, mas a determinação do ministro vai obrigar as legendas a já fazerem ajustes na definição dos recursos públicos destinados para o financiamento das campanhas de vereadores e prefeitos neste ano – o valor do Fundo Eleitoral é de R$ 2 bilhões para este ano.

“Para mim, não há nenhuma dúvida de que políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos, nas disputas eleitorais que se travam em nosso País, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana, bem como à exortação, abrigada no preâmbulo do texto magno, de construirmos, todos, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, livre de quaisquer formas de discriminação”, observou Lewandowski em sua decisão.

“O incentivo proposto pelo TSE, ademais, não implica qualquer alteração das ‘regras do jogo’ em vigor. Na verdade, a Corte Eleitoral somente determinou que os partidos políticos procedam a uma distribuição mais igualitária e equitativa dos recursos públicos que lhe são endereçados, quer dizer, das verbas resultantes do pagamento de tributos por todos os brasileiros indistintamente. E, é escusado dizer, que, em se tratando de verbas públicas, cumpre às agremiações partidárias alocá-las rigorosamente em conformidade com os ditames constitucionais, legais e regulamentares pertinentes”, concluiu Lewandowski.

A decisão de Lewandowski atende a um pedido do PSOL, que acionou o Supremo após a decisão do plenário do TSE. Para o partido, diante de uma situação em que se verifica manifesta “violação a princípios e direitos constitucionalmente previstos, é plenamente possível admitir que os incentivos às candidaturas de pessoas negras, nos termos delimitados pelo TSE, sejam aplicados desde já”.

Na época do julgamento do TSE, cerca de 1/3 dos partidos já havia informado ao tribunal os critérios de divisão do fundo eleitoral – esse foi um dos motivos para que o novo entendimento fosse aplicado apenas a partir de 2022. Um integrante do TSE ouvido reservadamente pela reportagem considerou a decisão de Lewandowski “um golpe”.

No mês passado, o TSE decidiu que o dinheiro do fundo eleitoral e o tempo de propaganda no rádio e TV sejam divididos na mesma proporção de candidatos negros e brancos de cada partido.

A discussão, iniciada em junho, avaliou uma consulta apresentada ao TSE pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). A parlamentar pediu ao tribunal para estabelecer uma cota de 30% de candidaturas negras em cada partido – numa analogia ao mesmo porcentual reservado às candidaturas femininas. Atualmente, os partidos não são obrigados a lançar um número mínimo de candidatos negros e negras.

Os ministros do TSE, no entanto, acolheram outro pedido da parlamentar, de que o dinheiro do fundo eleitoral e o tempo de rádio e TV sejam divididos na mesma proporção de candidatos negros e brancos em cada sigla. O entendimento da Corte Eleitoral, no entanto, foi o de que as novas regras somente seriam aplicadas nas eleições de 2022.

“De resto, a obrigação dos partidos políticos de tratar igualmente, ou melhor, equitativamente os candidatos decorre da incontornável obrigação que têm de resguardar o regime democrático e os direitos fundamentais (art. 16, caput, da CF) e do inarredável dever de dar concreção aos objetivos fundamentais da República, dentre os quais se destaca o de ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade”, destacou Lewandowski.

Dirigentes de partidos de diferentes matizes ideológicas resistem à iniciativa da Justiça Eleitoral. Mesmo os que concordam com a tese de Benedita, agora parcialmente encampada pelos ministros do TSE, argumentam que seria necessário o Congresso Nacional se manifestar, pois o assunto deveria ser tratado por meio de lei.

Desigualdade. Na atual legislatura, as mulheres negras representam apenas 2,5% do total de eleitos na Câmara dos Deputados, enquanto as mulheres brancas são 12,28%, os homens negros 22,02% e os homens brancos 62,57%, segundo o estudo “Democracia e representação nas eleições de 2018”. O levantamento apontou que 26% das candidaturas a deputado federal eram de homens negros, mas esse grupo recebeu apenas 16,6% do total dos recursos



 Estadão

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