O tema deve ser alvo de judicialização e gerar um passivo para a União
Mais
de 17 milhões de brasileiros que começaram a receber o auxílio emergencial a
partir de maio podem não ser contemplados com todas as nove parcelas do
benefício prometidas pelo presidente Jair Bolsonaro. A equipe econômica já
alertou que nenhum pagamento será feito em 2021, ou seja, os beneficiários só
receberão os repasses em 2020. O tema deve ser alvo de judicialização e gerar
um passivo para a União, caso as famílias busquem todas as parcelas a que
teriam direito se tivessem sido admitidas antes no programa. O total de
beneficiários chega a 67,7 milhões.
Uma
série de problemas técnicos do sistema e inconsistências cadastrais levaram
muitas pessoas a serem inicialmente rejeitadas, o que atrasou a aprovação do
auxílio a essas famílias. Segundo dados fornecidos pelo Ministério da
Cidadania, quase 900 mil beneficiários só começaram a receber as parcelas em
agosto - quando o cadastro até já havia sido encerrado.
Dados
do Painel Interinstitucional de Dados Abertos sobre Covid-19, criado pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já apontam a existência de cerca de 140 mil
ações judiciais relativas ao auxílio emergencial. É hoje o assunto mais
demandado do total de quase 200 mil ações apresentadas no período da pandemia.
O
painel é resultado da integração de dados de diferentes órgãos do Judiciário,
como Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministério Público Federal,
Advocacia-Geral da União e Defensoria Pública da União.
Em seu
discurso na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 22 de
setembro, Bolsonaro usou a prorrogação do auxílio para alardear que a ajuda
financeira no Brasil chegaria a US$ 1 mil (R$ 5.443,40 na cotação do dia da
fala do presidente) por beneficiário. Para chegar perto dessa cifra, seria
necessário garantir o pagamento das nove parcelas.
Mas a
Medida Provisória 1.000, que prorrogou o pagamento do auxílio até o fim deste
ano, inseriu um dispositivo que proíbe qualquer pagamento do benefício após 31
de dezembro, "independentemente do número de parcelas recebidas". É
esse trecho que pode levar beneficiários a receber menos que outros.
A
primeira lei do auxílio emergencial, sancionada em 2 de abril, previu o
pagamento de três parcelas de R$ 600. Esse valor foi estendido por meio de
decreto por mais dois meses, totalizando cinco prestações. Em 2 de setembro,
veio a MP 1.000, que criou o "auxílio emergencial residual", em até
quatro parcelas mensais de R$ 300. O texto ainda não foi votado pelo Congresso.
'Injusto'
A
Defensoria Pública da União (DPU) vê como provável uma nova onda de
judicialização. "Soa bastante injusto que as pessoas que receberam
benefício tardiamente sejam prejudicadas por conta disso, já que não houve erro
delas", diz o defensor nacional de Direitos Humanos, Atanasio Darcy Lucero
Júnior. "Parece haver uma tendência muito grande de judicializar para
garantir que haja o pagamento de todas as parcelas."
O
economista Marcelo Neri, pesquisador da FGV Social, avalia que a situação
mostra que o governo errou para mais, ao incluir no auxílio quem não tinha
direito, e para menos, ao limitar o acesso de quem precisa. Para ele, embora a
garantia das nove parcelas a todos que fazem jus à ajuda possa ter um
"impacto fiscal não trivial", o governo deveria assegurar o
"princípio de isonomia na generosidade".
"Criou-se
uma armadilha da generosidade. Mas me parece que juridicamente essas pessoas
têm um ponto a pleitear", diz o pesquisador.
Após
fornecer os dados, o Ministério da Cidadania foi questionado sobre a
possibilidade de realizar pagamentos das parcelas remanescentes em 2021.
A
pasta ignorou as perguntas e enviou uma nota dizendo que o governo
"disponibilizou todos os recursos técnicos e financeiros necessários para
o pagamento do auxílio emergencial. Todos os cidadãos que mantiverem os
critérios legais para receber o benefício terão suas parcelas pagas, conforme
determina a legislação que rege o auxílio emergencial."
O
Ministério da Economia, por sua vez, disse apenas que, caso o Ministério da
Cidadania conclua que as parcelas são relativas a 2020, o gasto poderia ser
empenhado ainda este ano para desembolso posterior, na forma dos chamados
"restos a pagar". Por terem como origem um crédito extraordinário,
livre do teto de gastos (que limita o avanço das despesas à inflação), essa
despesa também ficaria fora do alcance da regra fiscal. A AGU não se
manifestou.
As informações são do jornal O
Estado de S. Paulo