Entre as novas medidas está a redação em braile
Leitor
de tela, redação em braile e correção especial das provas de participantes autistas
e surdocegos são algumas das novidades do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
2020 em termos de acessibilidade. As medidas somam-se a outras que vêm sendo
adotadas pelo exame ao longo do anos, como videoprova em Língua brasileira de
Sinais (Libras) e provas com textos e imagens ampliados.
Ao
todo, segundo o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), cerca de 47 mil participantes com alguma deficiência ou
transtorno fizeram a inscrição no Enem 2020 e solicitaram atendimento
especializado.
O
leitor de tela e a redação em braile são demandas antigas de pessoas com alguma
deficiência visual, de acordo com o integrante da Organização Nacional de Cegos
do Brasil Lucas de Castro Rodrigues. “O leitor de tela traz autonomia. O
candidato mexe no computador por si próprio. Escuta quantas vezes quiser,
controla velocidade e volume de voz. O leitor dá total controle da prova ao
participante”, diz.
Antes
do leitor de tela, a opção para esses estudantes era contar com o auxílio para
leitura, opção que segue disponível para os candidatos que assim solicitaram. A
leitura é feita por profissionais capacitados para ler textos e para descrever
imagens. A desvantagem, segundo Rodrigues, é que o candidato depende desse
profissional, que pode, por exemplo, estar cansado no dia de aplicação.
Outro
recurso novo é a redação escrita e corrigida no Sistema Braile. De acordo com o
Inep, na aplicação, o participante pode utilizar material próprio, como máquina
Perkins, reglete, punção, soroban ou cubaritmo e folhas brancas para fazer a
redação. Rodrigues explica que essa escrita também traz maior autonomia. A
alternativa, que também segue disponível, é que o participante dite a redação
em voz alta para que seja transcrita em papel por um profissional capacitado.
Para
Rodrigues, a medida é positiva e auxilia candidatos que dominam o braile. Mas,
como essa não é uma realidade entre todas as pessoas com deficiência visual,
para que a prova seja ainda mais inclusiva ele defende que haja a possibilidade
que os candidatos digitem eles mesmos a redação no computador.
Banca especial
Outra
mudança nesta edição é que participantes autistas e surdocegos terão banca
especial para correção de suas provas. De acordo com o Inep, o exame recebeu a
inscrição de 1.676 candidatos que solicitaram atendimento especializado por
autismo e de 134, por surdocegueira.
“Esse
olhar permite que a sociedade venha a enxergar essa população da maneira como
ela merece ser enxergada, como pessoas, cidadãos que pagam
impostos e que estão ali para poder incluir e somar. O Enem é uma prova pela
qual eles vão se capacitar para uma faculdade e vão ser, na minha opinião,
profissionais que só têm a somar para a sociedade inteira”, diz a
presidente da Associação Integrada Mães de Autistas da Paraíba, Elaine
Araújo.
Elaine
explica que cada indivíduo com autismo é diferente e tem diferente grau de
acometimento. “Há aquele indivíduo que vai precisar de mais tempo. Há aquele
indivíduo que vai precisar de uma tradução melhor do que está propondo aquela
questão. Não é que sejam incapazes, mas há métodos para eles entenderem. Vão
precisar dessa empatia da banca para poder analisar e ver que cada um é
diferente. Nós somos seres diferentes e eles têm isso como um estigma. As
pessoas precisam realmente entender e averiguar cada situação para poder sim
dar a essa pessoa a chance de realizar uma prova e de se sair bem nessa prova,
para mim isso é pura empatia”, afirma.
Ela
conta ainda que se emocionou com o tema da redação deste ano, O
estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira. “É necessário que
a sociedade e esses jovens que vão entrar em faculdades e em profissões tão
diferenciadas tenham esse entendimento de algo tão cotidiano, de pessoas que
são estigmatizadas por terem síndromes, transtornos, doenças mentais. Tem que
ter respeito e empatia. Achei de uma relevância que me deixou emocionada”.
Inclusão
Apesar
das medidas adotadas, de acordo com Rodrigues, o Enem não é uma prova
totalmente inclusiva, até mesmo porque a exclusão vem desde muito antes na vida
das pessoas com alguma deficiência. “O Enem é uma prova bastante excludente.
Isso é bastante difundido, não só entre as pessoas com deficiência, mas entre
todas as minorias, porque a gente sofre defasagem em todo o ensino básico. Não
só no ensino, mas em várias outras áreas”, acrescenta.
A
estudante Júlia Dias do Anjos, 18 anos, é uma das candidatas com baixa visão
que está fazendo o Enem. Ela solicitou auxílio para leitura e prova ampliada e
ficou satisfeita com o atendimento. Ela conta, no entanto, que é exceção, que
entre outros amigos cegos ou com baixa visão é uma das poucas que fez a
prova. A falta de disponibilidade de materiais de estudo voltado
especificamente para esses estudantes e a falta de incentivo são, segundo
ela, alguns dos principais entraves.
“Tenho
muitos amigos com baixa visão e cegueira. Eu não sei se eles têm medo de não
ter os recursos [de acessibilidade]. Eu sempre falo para prestarmos o exame e
ninguém se manifesta, sempre falava na escola e as pessoas não se interessavam.
Isso me deixa muito triste”, diz, e acrescenta: “Tem gente que não é
incentivada. A minha mãe sempre fala: se você acha que pode fazer, você está
apta a isso. Vá e faça. Não tenha medo. Se é uma coisa que tem vontade, vá e
faça”.
Júlia
quer cursar biomedicina ou matemática. “Infelizmente, o que me deixa mais
preocupada é que falam que geralmente os laboratórios das universidades não são
preparados para quem tem baixa visão. Mas quem sabe isso não mudou? Ou, então,
eu passo a fazer a diferença porque o mundo, a gente o adapta”.
Enem 2020
O Enem
começou a ser aplicado no último domingo (17) e segue no próximo dia 24. No
primeiro dia de aplicação, o exame teve uma abstenção recorde de
51,5%. Do total de 5.523.029 inscritos para a versão impressa do Enem,
2.842.332 faltaram às provas. Nesta edição, o Enem terá uma versão impressa e
uma digital, realizada de forma piloto para 96 mil candidatos, nos
dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro.
As medidas
de segurança, adotadas em relação à pandemia do novo coronavírus, serão as
mesmas tanto no Enem impresso quanto no digital. Haverá, por exemplo, um
número reduzido de estudantes por sala, para garantir o distanciamento entre os
participantes. Durante todo o tempo de realização da prova, os candidatos
estarão obrigados a usar máscaras de proteção da forma correta, tapando o nariz
e a boca, sob pena de serem eliminados do exame. Além disso, o álcool em gel
estará disponível em todos os locais de aplicação.
Os
candidatos que tiverem sintomas de covid-19 e de outras doenças
infectocontagiosas não devem comparecer aos locais de prova. Devem comunicar ao
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
pela Página do Participante. Esses candidatos terão direito à reaplicação nos
dias 23 e 24 de fevereiro.
Veja as novidades do Enem 2020 em
termos de acessibilidade:
•
Atendimentos específicos agora fazem parte do atendimento especializado.
•
Participantes com cegueira, surdocegueira, baixa visão ou visão monocular
poderão solicitar recurso para uso de leitor de tela.
• Três
guias-intérpretes farão atendimento ao participante surdocego.
•
Tempo adicional de 60 minutos para participantes lactantes que solicitarem
atendimento especializado no sistema de inscrição, desde que comprovem a
necessidade, conforme previsto em edital, e levem o lactente e o acompanhante
no dia da aplicação.
•
Participantes com doenças infectocontagiosas deverão entrar em contato com o
Inep para comprovação de sua condição e não deverão comparecer ao local de
provas. Poderão realizar a prova na reaplicação.
• Participantes
autistas e surdos cegos terão banca especial para correção de suas
provas.
• O
participante que escrever sua redação em braile terá suas provas corrigidas no
Sistema Braile.
•
O participante transexual/travesti que não solicitou ou teve sua solicitação
pelo nome social indeferida poderá escolher o banheiro que deseja utilizar no
dia da aplicação.
Com Informações Agência Brasil