Área próxima ao reservatório do Rio Jacareí, no Sistema Cantareira, em foto de agosto de 2021. Represa que é a principal fornecedora de água para a região metropolitana de São Paulo voltou a atingir nível crítico — Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO |
A última projeção do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) indica que o Sistema Cantareira pode chegar a 17% de sua capacidade em abril de 2022 caso as chuvas no local fiquem 50% abaixo da média.
Embora seja a mais pessimista dentre os cenários imaginados, a projeção ainda é melhor do que o que tem acontecido na prática: na primeira quinzena de novembro, que costuma ser o quarto mês mais chuvoso na região, o volume de chuva ficou 78,2% abaixo da média.
Nesta sexta-feira (18), o Cantareira operava com 26,3% de seu volume, menor nível desde março de 2016.
A situação é preocupante, de acordo com a pesquisadora e hidróloga do Cemaden, Adriana Cuartas.
“Nem nos piores cenários imaginamos essa situação do Cantareira. Estamos em uma situação crítica”, afirma.
“A gente tem de ficar preocupado e de olho. As pessoas têm medo de olhar para isso, mas estamos vivendo tempos de mudanças climáticas. Outubro choveu acima da média, mas novembro está seco. É uma época de extremos. O clima está muito instável e as pessoas têm de ter consciência disso”, afirma.
A instabilidade do clima, inclusive, é um dos motivos para que seja difícil fazer projeções acertadas meses antes.
Por isso, as projeções do Cemaden, órgão do governo federal ligado ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI), são atualizadas a cada mês. A última, publicada no dia 8 de novembro, foi feita no dia 4 do mesmo mês. Veja abaixo:
Projeção do Cemaden considera cinco cenários diferentes de acordo com o volume de chuvas — Foto: Reprodução/Cemaden |
A linha roxa mostra a evolução do armazenamento observado do Sistema Cantareira no período de maio a outubro de 2021. No dia 4 de novembro, quando foi feita a projeção, o Cantareira estava com 28,4% de seu volume.
A partir daí, temos uma previsão do volume a que pode chegar o Sistema Cantareira de acordo com as chuvas que caírem na região. Assim, se até abril de 2022 tivermos precipitação de chuvas:
- De acordo com as chuvas da média histórica, chegaríamos a abril com 65% de volume no Cantareira;
- 25% acima da média em relação à média histórica, chegaríamos a abril com 94% de volume no Cantareira;
- 25% abaixo da média em relação à média histórica, chegaríamos a abril com 38% de água no Cantareira;
- 50% abaixo da média, chegaríamos a abril com 17% no Cantareira;
- Se o cenário fosse semelhante ao de 2013/2014, quando houve crise de abastecimento na região metropolitana de São Paulo, chegaríamos a abril com 23%.
A comparação com 2013/2014 acontece porque esse é o período em que se iniciou a crise e abastecimento na região metropolitana de São Paulo. Mas a situação atual é ainda pior.
Em 2013, o Cantareira acumulava 930,4mm de água até outubro. Este ano, o número em outubro era menor: 842,1mm.
"Desde 2013, o Cantareira nunca ficou com volume de 100%. O nível do reservatório tem estado cada vez mais baixo e cada vez entrando em uma situação mais seca e em níveis mais preocupantes. Acho que temos de ficar de olho constantemente, não podemos baixar a guarda", afirma Cuartas.
As obras de transposição e um manancial para outro - feitas pela Sabesp desde a última crise - podem não ser suficientes. Nesta sexta-feira (19), o volume total de todos os reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo é de 37,2%. No mesmo dia de 2013, ainda sem as obras da Sabesp, tínhamos mais água: 45,4%.
O especialista em gestão de recursos hídricos e professor de pós-graduação em ciência ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Luiz Côrtes, confirma que a situação atual é ainda pior que a de 2013.
“As últimas previsões do Cemaden são muito preocupantes e confirmam os prognósticos climáticos anteriores que alertavam para a gravidade da crise hídrica. Com o padrão de chuvas seguindo o ano de 2013/2014, ano que antecedeu a crise hídrica anterior, chegaremos ao mês de abril de 2022 com um nível em torno de 23%. Entretanto, este ano tem sido mais seco do que 2013, o que indica que um nível abaixo de 20% poderá ser alcançado pelo Sistema Cantareira.”
O baixo nível do Cantareira já mudou a operação da Sabesp, que reconhece a redução da pressão nas casas por um período maior. Com isso, relatos de torneiras secas em casa cada vez mais cedo têm se multiplicado entre os moradores da capital e região metropolitana.
Em nota, a Sabesp informa que não há risco de desabastecimento na região metropolitana de São Paulo neste momento, mas reforça a necessidade de uso consciente da água.
"A projeção para a região metropolitana de São Paulo aponta níveis satisfatórios dos reservatórios com as perspectivas de chuvas do final da primavera e início do verão, quando a situação será reavaliada." (leia a nota completa abaixo)
O Cantareira é o maior reservatório da região metropolitana de São Paulo e abastece 7,2 milhões de pessoas. Atualmente ele opera em faixa de restrição, ou seja, com volume útil acumulado igual ou maior que 20% e menor que 30%, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA).
Na prática, a mudança de faixa de alerta para o de restrição diminui a quantidade de água que Sabesp pode retirar do reservatório. Depois da fase de alerta, a próxima é chamada de fase especial, quando o sistema tem volume útil menor que 20%.
Em julho de 2014, quando houve a crise hídrica, o Sistema Cantareira chegou a zero. Abaixo dele, havia o volume morto, que não foi projetado, originalmente, para uso.
Trata-se de uma reserva com 480 bilhões de litros de água situada abaixo das comportas das represas do Cantareira. A Sabesp passou a operar bombeando água do volume morto. Até então, essa água nunca tinha sido usada para atender a população. Em outubro de 2014, o volume do Cantareira chegou a 3,6%.
Além do Cantareira, os outros sistemas que abastecem a Grande São Paulo são: Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande, Rio Claro e São Lourenço. Juntos, eles abastecem 21 milhões de pessoas.
Chuvas abaixo da média
Historicamente, novembro é o quarto mês mais chuvoso do Sistema Cantareira, com uma média de 149,0 mm. Na primeira quinzena de novembro deste ano, porém, choveu apenas 32,5mm, o que representa 21,8% do esperado no mês. Se continuar assim até o final do mês, o déficit será de 61,5%
Os dados são da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e analisados por Côrtes. E tudo indica que a falta de chuvas vai continuar, de acordo com o professor.
“As previsões climáticas estão se confirmando. No início da primavera, tivemos o retorno das chuvas e isso pode ter dado uma sensação de volta à normalidade. Com a proximidade do verão, entretanto, essas chuvas vão diminuir pelo efeito de um novo La Niña. No período primavera-verão de 2021-2022, o total de chuvas será abaixo da média histórica. Isso reforça a necessidade de economizarmos água, pois esse prognóstico de redução de chuvas se estende para o primeiro semestre de 2022.”
O La Niña é um fenômeno que, ao contrário do El Niño, diminui a temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico tropical central e oriental. Mas, assim como o El Niño, gera uma série de mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperatura no planeta.
O que acontece é que o La Niña muda o padrão de ventos na região equatorial, que se tornam menos intensos, e isso muda a chegada das frentes frias da região sul em direção a São Paulo.
Assim, o fenômeno reduz as chuvas na porção Sul do Brasil, e isso pode ter repercussão em São Paulo, dependendo de sua intensidade.
O que diz a Sabesp
A Sabesp informa que não há risco de desabastecimento na Região Metropolitana de São Paulo neste momento, mas reforça a necessidade de uso consciente da água. A projeção para a região metropolitana de São Paulo aponta níveis satisfatórios dos reservatórios com as perspectivas de chuvas do final da primavera e início do verão, quando a situação será reavaliada.
A RMSP é abastecida pelo Sistema Integrado, composto por sete mananciais (Cantareira, Alto Tietê, Cotia, Guarapiranga, Rio Claro, Rio Grande e São Lourenço), que permite transferências rotineiras de água entre regiões, conforme a necessidade operacional.
Visando à segurança hídrica e à preservação dos mananciais em momentos como o atual, um conjunto de medidas vem sendo adotado: integração do sistema (com transferências de água rotineiras entre regiões), ampliação da infraestrutura e gestão da pressão noturna para maior redução de perdas na rede. A Companhia também mantém campanhas sobre a importância do uso consciente da água pela população:
- “Toks para Economizar Água – Abriu, Usou, Fechou”. Veja o vídeo.
- Hotsite #eucuidodaágua, que reúne informações e dicas em torno do assunto.
Ao longo dos anos, a Sabesp vem atuando em três frentes, visando à segurança hídrica:
- Ampliação da infraestrutura, com destaque para a interligação Jaguari-Atibainha (que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira) e o novo sistema produtor São Lourenço, ambos entregues em 2018.
A capacidade de transferência de água tratada entre os diversos sistemas de abastecimento foi quadruplicada em relação ao período anterior à crise hídrica de 2014/15, passando de 3 mil litros/segundo em 2013 para 12 mil l/s em 2021.
Ao mesmo tempo, a capacidade de reservação de água tratada saltou de 1,7 bilhão de litros em 2013 para 2,2 bilhões de litros em 2021. Estão ainda em andamento obras como a interligação do rio Itapanhaú, que inicia operação no primeiro semestre de 2022.
- Redução de perdas na distribuição, que se refletiu na queda do índice de perdas totais em sua área atendida de 41% em 2004 para 27% em 2020, abaixo da média nacional: 39,2% (SNIS; 2019).
- Consumo consciente, por meio de campanhas permanentes.
Fonte: G1